O típico Bairro de Xipamanine
Legenda:
Laranja: Rua do Zixaxa com o antigo Cinema Olimpia.
Amarelo: o Bairro habitacional antigo.
Roxo: o mercado com as ruas circundantes cheias de pessoas.
Azul claro: Rua dos Irmãos Roby para o Alto Maé onde estaria a Ourivesaria Cristal.
Seta verde: Centro Cultural.
No rol de recordações da cativante cidade das acácias, eleva-se-me ao pensamento o típico Bairro de Xipamanine, localizado na parte suburbana da então Lourenço Marques, tão cheia de vida e de muitas histórias que ilustram a labuta dos seus moradores. Localizava-se no términus da Av. Irmãos Roby, e ocupava uma extensa área que se estendia até ao limite do Bairro do Jardim e de forma idêntica ao Bairro do Aeroporto, fixando-se por lá uma considerável faixa populacional onde uns e outros da mesma maneira, procuravam ser felizes apesar das dificuldades do dia-a-dia.
Já nos finais da década 70, do século passado toda a zona de Xipamanine foi-se expandindo de forma desordenada e num ápice viu-se a braços com problemas de construções clandestinas e o surgimento de arruamentos lamacentos estabelecidos sem critério, desprovidos de rede de água potável e saneamento, factos que têm levado o Conselho Municipal de Maputo, a ações de demolições de moradias sem condições de habitabilidade. Quando chove copiosamente naquele cenário de bátegas tropicais, a água que o terreno saturado já não conseguia absorver vai formando inúmeros charcos, que obrigam necessariamente os transeuntes a exercícios de perícia de forma a se poder caminhar sem ninguém se atolar.
O Bairro passou a ter o seu mercado municipal datado da década 30, quase centenário e que hoje se transformou no El Dourado de milhares de vendedores. Muitos deles provenientes de regiões do interior e outros chegados a Maputo, oriundos de países asiáticos e africanos, que não achando espaço no interior do mercado, disputam entre si de forma acalorada quadrículas dos passeios, estendendo pequenas esteiras onde se podem comprar desde bijutarias, calçado, roupas, detergentes e produtos de confeitaria afrontando todas as regras de saúde publica. Na verdade são muitos os aventureiros que ali chegam, mas muito poucos os que partem. A situação mantem-se caótica e transitar entre os vendedores tornou-se uma aventura, com tanto espaço ocupado e a condicionar o trânsito rodoviário, já que os negócios se alastram até ao asfalto.
Uma autêntica luta pela sobrevivência, onde tudo se expõe e quase tudo se compra.
Por instantes fixo-me no passado e recordo o bulício do Mercado de Xipamanine, com toda a real importância resultante da sua pluralidade e das relações de amizade estabelecidas entre vendedores e compradores. Certamente muitos se lembrarão que o mercado tinha a particularidade de estar aberto ao domingo no período da manhã, permitindo aos laurentinos a possibilidade de trazerem para casa pescado fresco para o almoço. Retenho a imagem de um complexo de área considerável, ladeado por um extensivo gradeamento em seu redor. A entrada principal fazia-se pela artéria da Av. Irmãos Roby, existindo mais três acessos para cargas e descargas. No seu interior destacavam-se as bancas com cobertura adequada para venda de peixe, marisco e bivalves, banhados pelos sabores do Oceano Índico. Soltavam-se os pregões a anunciarem preços de arromba aos fregueses que ali circulavam como formigas. Quem comprava ia regateando preços e enchendo os sacos, perante o olhar confiante de quem sabia vender.
Havia depois três corredores onde se situavam os stands de artesanato, louças, roupas, calçado, géneros alimentares e as famosas capulanas de encher o olho. Não faltavam as lojinhas onde se vendiam temperos, condimentos e especiarias indianas, num ambiente de cores, sabores e aromas que enriqueciam a sua deliciosa e apreciada gastronomia. Lá se achavam as bancas cobertas por toldos já descoloridos pelo tempo, onde se podiam comprar as afamadas frutas tropicais, como também legumes e verduras.
Penso que havia um ou dois pequenos atelieres, onde alguns alfaiates davam ao pedal confecionando sobretudo calças de terylene feitas por medida. Ainda o sol não tinha despertado, e já chegavam ao exterior do mercado os autocarros da Auto-Viação do Sul do Save e da Empresa de Transportes Oliveiras, trazendo consigo vendedoras vindas de áreas limítrofes da cidade, transportando nos tejadilhos as habituais gaiolas feitas com ramos versáteis e folhagem, que continham no seu interior aves de capoeira, diria denunciadas pelo cantar dos galos a anunciarem a madrugada. Os galináceos tinham grande procura porque eram alimentados só com produtos da terra, e daí as saborosas galinhas à cafreal que tanto apreciávamos.
Numa pequena travessa junto ao muro lateral do mercado foi inaugurado em 1970, o moderno Cinema Olimpia, onde eram projetadas as melhores películas da indústria cinematográfica indiana, a cativarem os cinéfilos, muito pelos ritmos das suas músicas acentuadas por emoções e paixões arrebatadoras.
Também eu guardo gratas recordações do filme Sofrimento de Amor, que foi um êxito de bilheteira registando sucessivas lotações esgotadas.
É do meu conhecimento que depois no período pós independência, a casa de espetáculos foi tomada por vendedores e mais tarde alugada à Igreja Universal do Reino de Deus. Hoje o Cinema Olimpia, foi transformado num moderno supermercado.
O Bairro do Xipamanine, tinha a sua escola primária frequentada pelos petizes locais e um posto médico municipal de apoio à vasta população. O velhinho campo de futebol, onde treinava a recém equipa do Nova Aliança, que militava no campeonato distrital, e ao que se diz foi ocupado por vendedores ambulantes que disputam a palmo um lugar no terreno. Ao fundo do mercado, distinguia-se um centro comercial que agregava uma grande concentração de lojas, propriedade de comerciantes hindus que vendiam tudo o que se relacionasse com vestuário e calçado. Exibiam nas montras os famosos tecidos de Caxemira e as finas sedas de Macau. Os comerciantes eram talentosos na arte de vender, e por trás do balcão com a sua paciência beneditina haveriam de aviar o freguês mais exigente.
Um dos marcos do bairro, era a Casa Zundapi, um modesto estabelecimento de pasto que vendia bebidas e petiscos. Nas paredes não faltavam um arraial de posters de equipas de futebol e de artistas musicais em voga na década 60, soltando-se dos discos de vinil os melhores ritmos para alegrar a clientela que se acotovelava junto ao balcão, na tentativa de bebericar umas cervejolas bem geladas. À noite o seu bojo transformava-se num mundo de diversão, partilhado por moças que procuravam cativar galantes de ocasião ou notívagos conhecidos. Muito próximo da entrada do mercado, estava colocada a paragem de machimbombos da linha 7 e 19, que ali tinham o fim de percurso.
Atualmente o Bairro de Xipamanine revela-se como o mais típico de Maputo, com uma gigantesca dimensão populacional que se começa agora a urbanizar. Factualmente, o Bairro e o seu mercado são faces da mesma moeda, que reflete nos dias que correm uma azáfama intensa motivada pela efervescência dos cerca de 11 mil vendedores, 5 mil formais e 6 mil informais que procuram persistentemente vender os seus produtos e safar o dia, embolsando alguns meticais. Quem por lá passa fica convicto que naquele grande espaço as suas gentes pouco devem ao descanso, tanto mais que a noite parece cair vagarosamente e o dia amanhecendo cedo demais. Assim é o quotidiano agitado do povo de Xipamanine, longe de outros tempos em que prevalecia uma relativa acalmia.
Para terminar um pequeno vídeo sobre o Xipamanine:
- Algumas fotos foram retiradas com a devida vénia dos blogs The Delagoa Bay e Houses of Maputo a quem o BigSlam agradece!
Manuel Terra – Novembro de 2022
5 Comentários
almadense
Como está o Espada, Xipada, onde se concentravam para dançar kwela e outros géneros de música aos fins de semana largas centenas de nativos residentes, de onde saiu o dançarino/cantor Kid KId para o Leste Europeu? Abraço
Monica
Vivi la no xipamanine/mafalala ha 7 anos atras, bem recente! A única portuguesa mulunga. Nunca ninguem me tocou e respeitavam me. Agora em Portugal ha ja 6 anos.
MARIA MANUELA ANTUNES GALVÃO DE ALMEIDA
Kanimambo ao Manuel Terra por me fazer lembrar a minha terra!
lutafnoorali@gmail.com
Espetacular.
Na rua irmaos roby o meu irmao tinha lojas ,Sociedade Comercial do Indico. Empresa Vipra ao lado e em frente Kanji Dailal.
Estadio de futebol Da Mafalala. Mercado e cinema olimpia mais para frente. Em sentdo contrario alto mae.
Quantas saudades.Lutaf Noorali 962862977
Katali
Muito agradecido pela excelência da crónica que me fez reviver o passado no bairro antípoda do da Sommerchild, mas mais rico que este na pluralidade das Pessoas felizes com lágrimas…
Bem-haja narrativas fotográficas que nos fazem acreditar que a Terra gira ao contrário.
Katali Fakir