Para quando a requalificação da MONUMENTAL?
Longe vão os tempos em que no embrião da edificação da cidade de Lourenço Marques, um grupo de aficionados da chamada arte brava, chegados da metrópole, idealizavam espetáculos de tauromaquia e ao que se julga saber terão tido lugar em arenas improvisadas nos então locais do Alto-Maé e Maxaquene, montadas em terrenos baldios. O crescimento da urbe laurentina foi obrigando os apaixonados das práticas taurinas a criarem o seu espaço próprio, motivo que levou o dinâmico empresário Manuel Gonçalves e um grupo de amigos muito próximos a encomendar um projeto arrojado e futurista para a construção da Praça de Touros, cognominada de MONUMENTAL, a fazer quiçá jus à sua imponência.
Localizada entre Av. General Craveiro Lopes e a Avenida de Lisboa, em zona contígua ao Bairro das Lagoas, a obra nasceu, cresceu e foi ganhando dimensão. Em redor foi estabelecido um dimensionado parque de estacionamento. Finalmente em 1956 e aproveitando a visita do então Presidente da República, General Craveiro Lopes a Moçambique, era inaugurado em clima de grande festividade e entusiasmo a Praça de Touros, a MONUMENTAL, bela com uma traça circundante muito bem concebida, refletida em anfiteatro permitindo excelente visibilidade para a arena. Creio que tinha capacidade para perto de 10.000 espetadores.
As touradas tinham maior ênfase no mês de dezembro, período em que milhares de sul-africanos e também rodesianos, vinham passar as suas férias a LM, desfrutarem do sol e da qualidade das suas praias, como eram também anunciadas no ciclo da Páscoa e no dia da cidade. Recordo que pela mão do meu querido pai, nos primórdios da década 60, entrei pela primeira vez no grande palco para assistir a uma tourada de afamado cartaz, onde constavam os grandes génios Manuel dos Santos, Diamantino Vizeu, David Ribeiro Telles e Manuel Conde. Com o recinto a abarrotar, maioritariamente ocupado por sul-africanos reconhecíveis pelas suas balalaicas brancas e largos chapéus-de-sol, equipados com as suas potentes máquinas fotográficas de forma a colherem instantâneos para mais tarde recordarem. Manuel dos Santos e Diamantino Vizeu, eram ovacionados a cada faena mais atrevida perante o touro. O público estava ao rubro. As pegas ficavam a cargo do Grupo de Forcados de Xinavane, que não deixavam o seu crédito por mãos alheias.
Contudo, não me tornei num simpatizante deste tipo de espetáculos e as outras deslocações à MONUMENTAL, foram para assistir a delirantes garraiadas organizadas pelos estudantes universitários, para angariarem fundos. Na arena eram lançados uns jumentos e touros em crescimento, mas que tinham na ponta dos chifres mangas de proteção e o pior que podia acontecer eram alguns derrubes sem consequências, apenas sublinhados por palmas e gargalhadas alongadas vindas das bancadas.
Com a revolução de Abril em 1974, fechou-se a era da tauromaquia em Moçambique, e aquele grande espaço por baixo das bancadas da MONUMENTAL, que contemplava lugares para lojas e restaurantes, transformou-se num mercado agrícola onde se podiam achar produtos hortícolas e venda de fruta. Porém com o desenrolar dos acontecimentos do 7 de Setembro, o mercado foi saqueado e posteriormente vandalizado. A arena foi ainda palco de alguns espetáculos musicais, e quanto sei de combates de boxe.
A MONUMENTAL, já sem glória foi cenário junto às suas instalações das cenas finais do filme “A Interprete” que teve como artista principal Nicole Kidman. Agora a realidade da Praça de Touros é de profunda degradação e de iminente ruína, com o piso da arena transformada em terra de cultivo de produtos hortícolas.
As lojas do piso térreo estão ocupadas por oficinas de mecânica e garagens para lavagens de automóveis, provocando no exterior a mistura das águas das lavagens com óleos, tornando o terreno lamacento e nauseabundo, num contexto de crime ambiental.
A imprensa moçambicana tem sido uma voz ativa na denúncia de todas estas práticas nefastas e que colocam em causa a saúde pública. Entendo que se devia conceder à MONUMENTAL, um novo visual aproveitando a sua preciosa traça, transformando-a num pavilhão multiusos e sob as suas bancadas a construção de um moderno e funcional centro comercial. E assim sendo, o Conselho Municipal de Maputo, numa regra da mais elementar justiça deveria atribuir o nome a Ricardo Chibanga (recentemente falecido) aquele menino tímido nascido no mítico Bairro da Mafalala, que a troco de pequenos trabalhos na praça e distribuição de panfletos e colocação de cartazes de toureiros e touros, lhe era permitido entrar no tauródromo para ver os ídolos dos seus sonhos.
O mais vulgar seria Ricardo Chibanga, procurar uma bola, mas a paixão pela tauromaquia levava-o a fixar os seus olhos nos ”trajes de luces” dos toureiros e a destreza com que enfrentavam o bicho furioso. Apadrinhado por Manuel dos Santos, Ricardo Chibanga abandonou o calor dos trópicos e começando em Portugal a sua carreira de toureiro, posteriormente encantou o mundo dada a forma corajosa como enfrentava de frente as feras que lhe eram lançadas.
Teve o privilégio de ser cabeça de cartaz na sua terra natal, e que grande atuação ficou gravada na MONUMENTAL, corria o ano de 1972.
Seria uma oportunidade de ouro, colocar o nome de Ricardo Chibanga, na História de Moçambique.
Neste fim de linha da MONUMENTAL, ainda pareço ouvir o som do clarinete, a pequena orquestra que tocava à entrada dos toureiros na arena, o eco dos olés e o paso doble, em contraste com atual azáfama e pregões dos lojistas da praça que tudo anunciam ao preço da chuva, de forma a cativar os clientes mais indecisos.
Agora apenas me resta a certeza, que naquele espaço haverá para sempre sol/sombra, enquanto a noite não cair na cidade das acácias.
Manuel Terra – setembro de 2020
3 Comentários
Manuel Martins Terra
Obrigado António Botelho de Melo, pelo teu precioso comentário relativo à Monumental. Sim estão de parte as touradas, até porque a lide com os bois está apenas extensiva a trabalhos agrícolas e posteriormente o abate, algo que muito respeito. Também concordo e pelas informações que me vão chegando, há já muitas fissuras nas bancadas, por onde as humidades se infiltram atingindo a massa férrea. Pode-se concluir que está em causa a segurança do espaço. Efetivamente a praça precisava de uma vistoria minuciosa por parte de uma empresa com experiência nestas situações, mas admito e não desejaria pensar assim que a demolição é o passo seguinte. Quanto ao Ricardo Chibanga, devem-se lembrar autoridades moçambicanas, sempre que se pronunciava o seu nome e havia lugar a entrevistas, falava-se de Moçambique. A história de um povo e dos seus filhos ilustres, reporta-se ao passado, presente e futuro. Um abraço.
Manuel Terra.
ABM
1. Pensava que a peça iria incluir quem é ou são os actuais donos, afinal eles são parte importante do raciocínio; pois são eles que decidem e que eu saiba o edifício não é classificado;
2. O uso do edifício actualmente não daria para touradas, pois …hoje não há touros, toureiros nem aficionados em Moçambique;
3. Para outros fins, é complicado. Provavelmente está num estado tal que só mandando abaixo. E aí faz-se um prédio de 10 andares. Nestes casos é o que acontece sempre, nunca falha;
4. a título de curiosidade, ver no anúncio da tourada em cima o seguinte: “preço do ingresso para indígenas: 5$00 (estes não têm direito ao bilhete – rifa do cavalo)”. Ah como a vida era lixada.
5. assinale-se que, em Moçambique, há (ainda) a mania de fingir que as coisas relevantes do tempo da outra senhora (excepto, claro, os gloriosos Heróis da Libertação, que mesmo assim levam com uma medalha de vez em quando e pouco mais) simplesmente inexistiram. O mano Ricardo Chibanga é apenas uma delas e ainda por cima destacou-se numa actividade “colona”, algo imperdoável e politicamente incorrecto. Ele esteve bem em expeditamente ir residir para Portugal, (considerado outro pecado cardinal em Moçambique) onde viveu o resto da vida no Ribatejo, em glória pacata e merecido respeito geral (apesar do teimoso lobby anti-touradas da malta amiga dos touros e outros bichos). O Eusébio, que era o Eusébio, foi mal e tardiamente assinalado com o seu nome dado a uma ruela no Xipamanine, onde nasceu e cresceu.
Aparte estas curtas notas, felicito o Manel Terra, por nos lembrar.
Abraço
ABM
Manuel da Silva
Ao Big Slam e ao Sr. Manuel Terra pela chamada de atenção sobre o estado em que se encontra a Monumental de LM onde assisti a uma tourada cuja figura de cartaz era precisamente o Ricardo Chibanga. Espero que “as hienas” não venham um dia chorar ao local onde outrora se ouvia o som dos clarinetes, da orquestra que tocava à entrada dos toureiros na arena, mas sobretudo o eco dos olés e o paso doble.