Viaduto da Marginal que futuro?
Lourenço Marques, a cidade encantadora cheia de história e belezas naturais, era a paixão dos seus habitantes sempre ávidos de sentirem pairar na atmosfera, os ventos progressivos da modernização daquela metrópole tropical. Os laurentinos seguiam com especial atenção tudo o que mexia com a sua urbe, nomeadamente projetos apontados ao futuro com evidências mais que justificadas.
Faço-me transportar ao tempo que marcava o início da década 70, e falo-vos com alguma pertinência do Viaduto da Marginal (hoje designado por Viaduto Alcântara Santos)
um empreendimento que vinha ao encontro das exigências dos seus habitantes, que permitiria à cidade resolver um dos problemas mais prementes da circulação automóvel.
Havia pois a necessidade de estabelecer uma ligação rápida da extensa zona da Polana, a parte mais alta da capital até à sempre movimentada Baixa. Para chegarem até lá, os seus moradores optavam por se dirigirem até à Rotunda do Padrão dos Descobrimentos,
e circularem posteriormente pela Av. Brito Camacho, via que acompanhava literalmente a linha da Barreira da Maxaquene, até ao cruzamento com a Av. Augusto Castilho (Esquina do prédio Tonnelli),
direcionando-se depois até à Av. da República. Já há muito tempo, que todo este embaraçador trajeto causava constrangimentos no tráfego, originando longas filas de automóveis nomeadamente nas chamadas horas de pontas, havendo necessidade de deslocar para o local um polícia sinaleiro, de forma a fluir com maior celeridade o movimento rodoviário.
Finalmente a Câmara Municipal de Lourenço Marques, aprovou o projeto para a construção do Viaduto da Marginal, decorria o ano de 1971. Quem transitava pela Av. António Enes, até à Ponta Vermelha, tinha a oportunidade de ver os trabalhos de aterraplanagem da zona de acesso ao futuro Viaduto.
O homem sonhou e a obra nasceu, para contento de todos. A destreza dos homens e a força das máquinas, iam vencendo a resistência do terreno, que não se oferecia colaborante dado tratar-se de percurso íngreme, face ao acentuado desnivelamento atá à Estrada da Marginal. Recordo que aos domingos à tarde no habitual passeio dos tristes, compreendido entre a zona do Zambi até ao Restaurante Costa do Sol, os automobilistas ao circundarem a Rotunda da Fonte Luminosa,
abrandavam a já vagarosa marcha para que todos pudessem observar os pilares que se iam erguendo, que serviriam de suporte ao tabuleiro constituído por uma larga faixa de rodagem e seus passeios pedestres. A obra foi sofrendo alguns atrasos, ao que se sabe por motivos técnicos, causando alguma impaciência que naturalmente se aceitava. Em 1973, o Viaduto da Marginal era inaugurado com pompa e circunstância, seguido de cortejo automóvel em que os presentes buzinando incisivamente, saudavam o moderno empreendimento, que ligava a parte alta da cidade à baixa, em breves minutos.
Muito bem concebido, o Viaduto da Marginal, apresentava um tabuleiro com mais de 250 metros em suspensão, construído em betão armado, com o piso de rodagem em alcatrão, passeios em paralelepípedo branco e proteções laterais em tubos rígidos. O Viaduto tinha o seu começo na zona da Ponta Vermelha, passava por cima da Estrada da Marginal e desembocava junto à Doca dos Pescadores, com acesso à Av. da República, que percorria toda a zona nevrálgica da Baixa de Lourenço Marques.
Tive a oportunidade de transitar no Viaduto da Marginal, por diversas ocasiões e no trajeto ascendente avistava-se quase em dimensão real as traseiras do Hotel Cardoso, esbelto e caraterizado pelos ares da arquitetura moderna. O percurso descendente era verdadeiramente aliciante, porque permitia observar a beleza panorâmica da Baía do Espírito Santo e a muralha envolvente, ornamentada de palmeiras de porte alto, onde se concentravam os muitos pescadores que de cana na mão, esperavam pacientemente que o peixe mordesse o isco.
No seu términus, vislumbrava-se do lado esquerdo o sempre jovem Clube Naval. O Viaduto da Marginal, foi a última grande obra pública levada a efeito pelo governo português na sua antiga colónia.
Para o meu desagrado, chegam-me de Maputo, notícias que dão conta do estado avançado de degradação a que chegou o Viaduto. São visíveis danos na estrutura dos pilares, sendo que o asfalto reflete buracos onde se vê o betão escurecido pela humidade. Os paralelepípedos dos passeios encontram-se espalhados pela faixa de transição automóvel e placas de betão despregam-se das faixas laterais, tombando sobre a Estrada da Marginal. Já no findar do tabuleiro, os arbustos crescem de tal forma que entrelaçados na tubagem de proteção, ameaçam prosseguir a sua marcha como que a reclamar o espaço que outrora lhes pertenceu. Um tanto pela persistência da imprensa local, a alertar as autoridades competentes para a situação delicada, a edilidade de Maputo tem vindo a estudar a forma de reabilitar o mesmo.
Entre avanços e recuos, provocados pela indecisão de técnicos rodoviários e discussão do poder politico, o assunto não é consensual. Vacila-se entre demolir o antigo viaduto e a construção de nova infraestrutura, para a sua substituição.
Dou comigo a pensar no assunto e não quero admitir que o esplendoroso Viaduto da Marginal, ainda tão jovem e de tão boas memórias possa agora estar condenado a um monte de escombros. Reflito por momentos e fechando os olhos, fica a ideia de uma visão imaginária, com o Divino Espírito Santo, antigo padroeiro da Baía, a apelar aos homens de boa vontade que mantenham firme aquela infraestrutura bela e exuberante, que parecia então estabelecer a ligação entre o céu e a terra, aos olhos de quem a contemplava.
Manuel Terra – 22.05.2020
6 Comentários
Zé Carlos
Entre 92 e 2010, passei por lá umas 10 vezes, nada estrutural em perigo. É tudo estética e falta de manutenção. As pobres desculpas de gente que são supostas olhar por aquilo não tem idéa e os que sabem estão-se marimbando. Como diz o ABM, o que era LM já foi, tirando os 90+% que ainda lá está de pé feito p’los imperialistas, colonialists e exploradores racistas, Maputo é agora um dos maiores bairros de lata mundiais habitado por gente sem noção nenhuma do aquilo foi e o que poderia ter sido e agora controlado por quatro ou cinco oligarquias bem conectadas no topo da hieraquia politica.
Está tudo bem entregue.
João de Faria-lopes
Comentários?
Para quê?
Manuel Martins Terra
Ao meu amigo e colega de serviço,José Gonçalves, um grande abraço pelos bons tempos que passamos e pelo comentário. Não te esqueças de ir até Valpaços.pois os teus amigos esperam por ti.
Abel Barros Santos
Recentemente transitei pelo viaduto. Confirmo o estado de degradação a que o mesmo chegou. Ninguem imagina o que lá podemos encontrar nomeadamente nas zonas envolventes. É um matagal que dá medo. Há mesmo quem diga que é uma zona de criminalidade. Vi muito pouco movimento automóvel e não vi como sendo zona pedonal. Como gostaria de voltar a ver aquela obra regenerada.
ABM
Penso que, apesar de há muito planeado, e então já concluído em 1973, o Viaduto só foi inaugurado (ou aberto ao trânsito) já em 1974, depois do golpe do Otelo em Lisboa. Tipo prenda de despedida. Eu sei porque estava lá. A execução desta obra não foi acidental nem apenas decorrente do problema do trânsito entre a Ponta Vermelha e a Baixa. Os danos do Ciclone Claude (em Janeiro de 1966) nas Barreiras da Polana e da Maxaquene foram enormes e exigiram obras consideráveis de retenção das mesmas. Foi na sequência desses trabalhos que, desde logo, se configuraram duas vias para o acesso à Baixa: 1) o Viaduto; 2) uma avenida que desceria desde a Praça das Descobertas e o Aterro da Maxaquene, passando em frente ao Parque em frente ao Liceu Salazar (que na altura foi cortado em quase metade), praticamente eliminando o miradouro aí existente e que eventualmente desceria ao lado do campo de futebol do Grupo Desportivo. Essa segunda obra nunca foi executada pois com o comunismo, a saída da maioria dos habitantes “prévios” e a maluqueira alucinante que se seguiu, Maputo (e o resto do País) literalmente parou no tempo nos vinte anos que se seguiram. O Viaduto apenas serviu para a Frelimo “tomar” para si a Ponta Vermelha e a parte Sul da Polana(incluindo literalmente correr de suas casas com toda a gente que ali vivia) fechando o trânsito na Avenida que ligava a Praça das Descobertas com a Avenida António Ennes. Penso que ainda hoje essa zona continua fechada ao trânsito (ah ah). Uma das memórias que me foi trasmitida por quem lá viveu e que era uma das muitas medidas para chatear os que ficaram atrás depois da Debandada (e que durou pouco) era a de, diariamente, cerca das 5 da tarde, a tropa Frela fazia uma cerimónia na Ponta Vermelha de arrear da bandeira nacional, que na altura era a da Frelimo, junto ao antigo Quartel-General, mesmo ao lado da avenida ao topo do Viaduto – em que, obrigatoriamente, as transeuntes, incluindo os motoristas que estavam de passagem, tinham que parar e ficar ali prostrados em sentido, enquanto a banda roufenha e a tropa fandanga encenava todo o longo cerimonial. Sendo a subida do Viaduto fora de vista do cerimonial, os motoristas que vinham da Baixa e que subiam o Viaduto, eram recebidos no topo por guerrilheiros de metralhadora em riste e apontada às suas cabeças, para pararem, saírem do carro e ficarem parados em sentido. Curiosamente, hoje há quem se lembre destas coisas com saudades.
A maior parte da infra-estrutura de Maputo está quase completamente delapidada ou é inexistente. Nomeadamente, o parque habitacional está colado com cuspe, os sistemas de esgotos, de drenagem, a rede eléctrica, a rede de comunicações e a rede de abastecimento de água. Não têm uma base fiscal e as necessidades são mais que muitas. O pouco que se faz é por caridade chinesa ou esquemas de segunda qualidade com os chineses, os sul-africanos e outros “cooperantes”, em que se compra algo sonante que custa dez veses o que devia – a Ponte, o terminal do Aeroporto, o Estádio Nacional, a estrada para a Ponta do Ouro, a Circular, a nova Marginal, a nova sede do Banco de Moçambique na Baixa. Neste contexto, o Viaduto é quase uma nota de rodapé. Uma pequena relíquia Colonial. Nada que, como acima sugere o João Santos Costa, 10 ou 20 (ou 30) milhões de dólares bem esgalhadinhos não resolva.
ABM
José Luciano André Assunção
Renovamos a vista de tanta beleza, amigos. Triste a sequência resolvida de forma irracional e país onde uma grande parte nasceu ou foi criado para em seguida ser escorraçado. Linda cidade e recordemos também, um bom país, até com boa gente que posteriormente foi ensinada a tudo perder e contentar meia dúzia de políticos. Um abraço e a melhor saúde é o que desejo.