Xai-Xai uma pérola fascinante
Muito recentemente uma notícia vinculada na Revista Xonguila, e a par de outros órgãos de comunicação social moçambicana, davam conta do estado degradado do Grande Hotel do Xai-Xai, à beira-mar construído testemunhando o potencial turístico da região.
Também o Hotel Chongoene, se encontra abandonado e a aguardar o interesse de empresários interessados em investir e recuperar estes imóveis hoteleiros históricos.
Dou comigo a pensar e deixo-me embalar pelo vento de memória que me leva ao Xai-Xai, um paraíso que a natureza teceu e que distava a pouco mais de 200 quilómetros, da capital moçambicana.
Começou a ser erguido em 1857, então um pequeno povoado constituído por imensas cabanas dispersas, rodeadas de capim e árvores tropicais, onde os nativos daquela terra, homens e mulheres trabalhavam a terra fértil assegurando a sua sustentabilidade. Nos intervalos, dedicavam-se à pesca em pequenos barcos artesanais. Para lá se dirigiu uma comunidade de agricultores portugueses, com o fim de incrementarem a cultura do arroz. A boa nova foi a chegada em 1904, do transporte ferroviário e que se alongaria até Chicone, quase no limite com o Concelho de Inhambane, e com extensão até terras de Manjacaze.
Chai-Chai assim foi a primeira designação conhecida e foi elevada em 1911, à categoria de Vila. O progresso era por mais evidente e a 2 de Dezembro de 1922, passou a chamar-se Vila Nova de Gaza, sendo que a 10 de Março de 1928, o nome foi alterado para Vila de João de Belo, em homenagem ao ministro e Oficial da Armada com o mesmo nome, mas verdade seja dita que tal nome nunca fez jus ao cenário idílico, e todos nós carinhosamente a apelávamos de Xai-Xai, nome que perdura até aos dias de hoje.
Por via terreste recordo a Estrada Nacional nº1, que à saída de Lourenço Marques e a partir do Bairro do Jardim, nos levava até ao Centro e Norte de Moçambique. Pelo Xai-Xai, transitavam a partir da década 60, em viagens diárias os transportes da Empresa Auto-Viação do Sul do Save e na década seguinte, os autocarros dos Expressos Gazela, que estabeleciam a rota com a Beira. O desenvolvimento crescente naquela terra era cada vez visível, algo que teve peso na decisão governamental de elevar a 7 de Outubro de 1961, o Xai Xai à categoria de cidade. Mas como para a povoação do Xai -Xai, a ambição não tinha limites, surgia como enorme desafio substituir o velhinho batelão que fazia a travessia entre as margens do Rio Limpopo.
E partindo do princípio de quando o homem sonha a obra nasce, a 28 de julho de 1964, em clima de grande euforia, procedia-se à inauguração da ponte de cimento e aço cujo projeto foi elaborado pelo conhecido e saudoso Engenheiro Edgar Cardoso. Por baixo, corriam as águas do gigante Rio Limpopo, o segundo maior rio de África Austral, que nascia na África do Sul percorrendo cerca 1700 Quilómetros, quase metade em território moçambicano, navegando entre vales e colinas para depois na sua etapa final, beijar as terras do Xai-Xai e adoçar as águas do Índico na foz, muito próximo da praia do Chongoene.
A cidade, distinguia-se pela força do seu comércio e pela explosão da componente turística, que alavancaram o progresso e a prosperidade da urbe, sublinhada pela sua bela e moderna traça viária e a construção de edifícios baixos, com lojas comerciais e vivendas com quintal. Recordo o Xai-Xai, da minha juventude, e entrando pela ponte vislumbrava-se ao longe o alto do Tavene, sinalizado por um belo monumento sendo que na proximidade se encontrava o hospital local, uma moderna unidade de saúde dotada de funcional bloco operatório, proporcionando aos seus habitantes os cuidados médicos necessários ao seu bem-estar. Já não muito longe da margem do rio, dava nas vistas o bem concebido edifício da Câmara Municipal,
que confrontava numa das faces com Jardim Público bastante amplo e bem cuidado,
onde não faltava um adornado coreto pintado a vermelho,
local para onde se dirigiam nas tardes abafadas domingueiras ou dias festivos, os seus moradores a fim de assistirem aos concertos executados pela Banda Municipal de Gaza.
Junto à margem estava localizado o velhinho cais, onde acostavam pequenos navios de carga e barcos de pesca. O Xai-Xai, ia ganhando cada vez mais rosto citadino e uma face sociocultural que não passava despercebida, e para além dos edifícios estatais, como os Paços do Concelho, sede do Governo Distrital, Direção Distrital de Fazenda, Hospital e postos médicos, o impulso do comércio e turismo levava a abertura de uma filial do Banco Nacional Ultramarino, e na área da educação ganhava notoriedade a sua Escola Secundária, Escola Primária Mouzinho de Albuquerque e o Colégio-Liceu Nossa Senhora do Rosário.
No que concerne ao culto religioso, lá se achava a Igreja de S. João de Batista.
Os comerciantes e os agricultores, tinham na Associação Comercial e Associação Agrícola, os seus representantes das atividades laborais. No desporto, a Associação de Desportos do Distrito de Gaza, elaborava a calendarização das provas desportivas, onde participavam o Clube de Gaza e o Clube Ferroviário local, que habitualmente participava nas fases finais do Campeonato Provincial de Futebol de Moçambique.
De enaltecer as atividades do Aeroclube de Gaza, um dos pioneiros da aviação no território.
Recordo agora o período de veraneio nas praias do Xai-Xai, onde muitos laurentinos deixavam Lourenço Marques, para desfrutarem de umas férias inesquecíveis.
Nas proximidades da cidade, percorridos não mais de 10 Quilómetros, deparava-se a praia de Sepúlveda, numa clara alusão ao local onde foram achados os destroços do galeão português S. João, que naufragou na viagem oriunda de Cochim (Índia), em 1552 destroçado por uma tempestade violenta, tendo então perdido a vida o capitão Manuel Sepúlveda, mulher e filhos.
Uma praia de rara beleza, emparceirada de palmeiras e muita vegetação que atraía milhares de sul-africanos e de outras nacionalidades, que ali acorriam no período estival para se recrearem nas suas águas cálidas, possuidoras de várias áreas de recifes de coral de notável riqueza estética.
Das suas areias brancas podia-se observar o movimento das ondas que transportavam na crista lençóis de espuma que se dissimulava na terra acolhedora. Olhando para a linha do horizonte, ficava-se com a ideia de quanto vasto era o Oceano Índico, que transportava consigo a corrente quente que fluía ao longo da faixa costeira, contribuindo para um microclima de excelência, e o entardecer era sempre um momento mágico para se observar o exuberante pôr do sol africano. Com o mar a seus pés, ali foi construído o moderno e funcional Grande Hotel do Xai-Xai, um estabelecimento hoteleiro de renome muito procurado pelos turistas que se deliciavam com pratos de peixe fresco e frutos do mar.
Recordo também a praia de Chongoene, um lugar calmo e relaxante que convidava a uma caminhada tranquila ao longo da costa.
Nas praias do Xai-Xai, em tempo de lazer o núcleo da Mocidade Portuguesa, organizava os célebres acampamentos onde muitos jovens frequentavam à época os cursos para Chefes de Quina e Comandantes de Castelo. Mas se no Xai-Xai, o mar impulsionava o fator turístico da região, não é menos verdade realçar a importância das águas do Rio Limpopo, para a projeção da agricultura a principal atividade das famílias locais. Os campos verdejantes bem irrigados produziam em abundância, arroz, feijão, mandioca, beterraba, milho e caju. O trabalho dos camponeses era árduo mas produtivo, tornando-se as campanhas agrárias do arroz e do caju, as mais encorajadoras. O sucesso das safras, levou o empresário Paulino Santos Gil, a adquirir ceifadeiras e montar uma fábrica para o descasque do arroz e posterior ensacamento, num processo totalmente mecanizado.
Foi no Xai-Xai, que foi instalado quiçá o mais moderno complexo industrial moçambicano, para o descasque da castanha de caju e sua transformação, empregando mais de 500 operários, tornando-a uma cultura de rendimento. A par disto, também a Sociedade de Refrigerantes Reunidas, criou uma linha de engarrafamento dos seus produtos.
São estas as recordações do Xai-Xai, que me dizem quanto aquela terra se tornou inesquecível, uma joia escondida na costa de Moçambique, tocada pela riqueza do seu solo, e pela excentricidade das suas praias; um dom da natureza que brotou das entranhas da terra e que a passos largos procura recuperar do tempo perdido, caminhando para uma cidade com futuro.
Algumas fotos foram retiradas com a devida vénia dos blogs: The Delagoa Bay e Arsilnet
Manuel Terra – Janeiro de 2024
21 Comentários
Manuel Martins Terra
Caro amigo José, a antiga escola primária João Belo ainda existe e bela como sempre. Se tiver oportunidade reveja o post Escola João Belo- Aprender para a vida. Hoje tem a designação de Escola Filipe Samuel Magaia. Ao ler, certamente vai recordar bons momentos. Um abraço, do Manuel Terra.
Jose
Grato por estes momentos de leitura.
Fiz a minha 4ª classe na escola de João Belo. Final decada de 60.
ainda existe? Qual o nome atual da escola?
Passei vários domingos nas prais do Xai-Xai e do Chongoene.
Planeio visitar os lugares onde vivi em Moçambique – Nampula, João Belo, Quelimane e naturalmente também LM.
Manuel Martins Terra
Caro amigo José, a antiga escola primária João Belo ainda existe e bela como sempre. Se tiver oportunidade reveja o post Escola João Belo- Aprender para a vida. Hoje tem a designação de Escola Filipe Samuel Magaia. Ao ler, certamente vai recordar bons momentos. Um abraço, do Manuel Terra.
Manuel Martins Terra
caro amigo José, eu reportei-me a antiga Escola João Belo, em Lourenço Marques e o José, lendo agora mais atentamente estaria supostamente a referir-se à escola primaria de João Belo. Se assim for o caso, ao que sei a escola parece-me que ainda existe, mas certamente com outro nome.
DELFIM loureiro
E o paraíso ali tão perto.ainda desfrutei de alguns momentos nesta belíssima praia 🏖️. MANINGUE saudades.KANIMAMBO pela partilha.
Antonio Noronha
O meu falecido irmão foi vereador na Câmara Municipal de Xai xai e ligado às questões de urbanismo. Regressou à Metrópole nos inícios de 1975.Talvez tenha contribuído para as belezas da cidade.
Alexandra Lourenço
Terra única
Alexandra Lourenço
Minha terra linda
Pierre Vilbró
Obrigado e parabéns, Manuel Terra, por mais este trabalho que, mais os anteriores, vão escrevendo a verdadeira História de Moçambique e das pessoas que ajudaram à sua construção.
As minhas memórias também incluem o Xai-Xai (cidade e praia) e o Chongoene (praia), que dariam para um artigo. Vou pensar na sua oportunidade.
Pierre Vilbró
Nino ughetto
Bravo, Muito bem descrito. Eu vivi tudo isso estive em todos esses lugares Fiz meus estudos no Don Bosco na Namaacha, Bilém Xai Xai prais das ovas etc conheci e vivi tudo e nadei em todas essas prais…e..; Os anos passaram e o que resta ??? Recordaçoes que jà nào acredito que vivi e que tudo foi verdade.. O que fizeram do meu Moçambique. ? é triste
Francisco Duque Martinho
Mais uma bela reportagem de terras do Moçambique da minha (nossa) infância. Interessante a enumeração das diferentes e importantes actividades económicas que existiam na região, no sector industrial, no turístico, no agrícola, etc. Faltou, que me desculpe o Manuel Terra, uma empresa de considerável importância económica que existia, umas centenas de metros depois de atravessar o rio Limpopo no lado esquerdo da rua: tratava-se da Algodoeira do Sul do Save. A sua actividade era a de comprar em mercados o algodão aos agricultores, proceder ali na fábrica ao seu descaroçamento e fazer os fardos para exportação. Gratas recordações das férias ali passadas e onde fiz grandes Amigos, que ainda hoje perduram. Parabéns ao autor e obrigado pelas recordações que me (nos) truxe.
Augusto Aires Martins
Estimado Francisco Duque Martinho.
Fui colega de turma do seu irmão Alexandre, no Liceu Salazar e, uns anos mais tarde, cheguei a ter o prazer de conhecer o Sr. Eng. DUQUE MARTINHO.
Li, já há uns anos, com muito interesse, uma pequena apresentação de um livro que julgo ser da sua autoria, onde é descrita a construção da linha férrea dos C.F.M. que ligou L.M. à (então Rodésia), através da estação da Malvérnia e na qual houve um importante trabalho realizado pelo seu estimado Pai.
Desde a apresentação desse livro, tenho procurado, por todos os meios possíveis, adquiri-lo, pelo particular interesse que tenho no assunto. Infelizmente, até hoje, nunca consegui obter qualquer informação que me permitisse adquiri-lo.
Por essa razão e, porque julgo ser um livro da sua autoria, peço-lhe o especial favor de me informar onde posso encontrar essa obra, a fim de poder proceder à sua compra.
Ficando a aguardar esta informação, para o meu endereço “mairesau@gmail.com” ou 910 738 568, peço que aceite os meus respeitosos cumprimentos
Augusto Martins
Muito obrigado, MANUEL TERRA, pela qualidade e pormenor deste seu trabalho.
Só assim se poderá fazer a verdadeira história da presença portuguesa pelo mundo.
Só faltam os nomes de alguns desses verdadeiros obreiros daquele país que lá deixámos construído de “pedra e cal” como é costume dizer-se.
Receba um grande e respeitoso abraço.
José Gonçalves
Mais um belo reavivar de memória do Manuel Terra, que por esta via nos traz outros tempos e outras vivências.
Obrigado e… um grande abraço.
Carlos Galvao da Silva
Que saudades. Nasci ali ao lado na cidade de Inharrime na estacao dos caminhos de ferro.
josecasilva20@sapo.pt
não tenho palavras. aqueles bandidos estragaram tudo.
António José Correia de Almeida
Muito obrigado Sr. Manuel Terra por mais um Bula bula para matar saudades desses paraísos fantásticos da nossa terra.Obrigado e um bem haja.
João Carlos Guerra Mendes de Almeida
Como sempre uma descrição de Manuel Terra sobre o “nosso” Xai-Xai.
Que saudades…
Luiz Branco
Caro o Zambeze não nasce na África do Sul mas sim em Angola
Luis Craveiro Rebelo
Não foi aqui referido o Zambeze mas sim o Limpopo.
José Moreira
Obrigado pelo seu excelente texto e belas fotografias de uma terra que todos recordamos com enorme saudade. Bem haja.