Os Pesos e Halteres, a Função Cardiopulmonar e o Doutor Cooper.
Prof. Rui Baptista (com 35 anos de idade)
Nota introdutória (1): Respigo de um simpático comentário de Francisco Velasco, na entrevista que concedeu a Alexandre Franco (02/11/2012): “Caro Rui Baptista. Os desencontros fazem parte dos caminhos da vida. E eu passei a minha iniciação e treinador em busca de conhecimentos relacionados com a preparação física, perdi a oportunidade de beber da sua fonte”. Mas se alguma água de límpida novidade jorrou da “minha fonte” ela se ficou a dever à introdução do treino com pesos e halteres na preparação física de desportistas iniciada, no já distante ano de 58, com os nadadores moçambicanos (e prosseguida com desportistas de outras modalidades desportivas) que viriam a disputar, na então Metrópole, com assinalável êxito, nunca por demais exaltado, os Campeonatos Nacionais de Natação. E digo com assinalável êxito por terem batido vário recordes pessoais e nacionais da modalidade, numa altura em que se dizia que os tempos por eles obtidos em Moçambique se deviam ao facto de estarem a fugir dos tubarões!!! É esta, portanto, uma singela homenagem ao comentário supracitado.
Os campeoníssimos nadadores moçambicanos que participaram nos Campeonatos Nacionais de Natação na Metrópole/1958.
Nota Introdutória (2): Em 2001, sendo na altura docente da Faculdade de Ciências de Desporto e Educação Física, da Universidade de Coimbra , enviei, através do respectivo Centro de Estudos Biocinéticos, o meu livro “Os Pesos e Halteres, a Função Cardiopulmonar e o Doutor Cooper” (Lourenço Marques, 1973) ao Doutor José Maria Santarem , médico fisiatra e reumatologista, ele próprio praticante de exercícios com pesos e halteres, fundador e coordenador do Centro de Estudos em Ciências da Actividade Física, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Coordenador dos cursos de pós-graduação em Fisiologia do Exercício e Treinamento Resistido na Saúde, na Doença e no Envelhecimento, Coordenador da Disciplina de Medicina de Exercício para o curso de graduação da Faculdade de Medicina, Coordenador dos cursos para formação de técnicos em exercícios com pesos da Federação Paulista e Confederação Brasileira de Musculação, etc.Passado tempo, recebi a seguinte mensagem que reproduzo com evidente orgulho: “Prezado Professor Rui Baptista: Com muita alegria recebi o seu livro. Nossos ideais são comuns, e nossas dificuldades históricas também. Felizmente hoje as evidências nos apoiam e somos ouvidos, mas é sempre emocionante lembrar os tempos em que éramos quase ignorados. Gostei muito do seu texto que naturalmente deve ser lido com a lembrança da situação do conhecimento de então. Meu desejo é que um dia nos possamos encontrar e rir bastante com as dificuldades do passado Um fraterno abraço. Santarem”.
Passo, agora, a transcrever dois trabalhos constantes do livro supracitado: I – “OS Pesos e Halteres e a Função Cardiopulmonar, segundo o Teste de Cooper”; II – Estudo Sobre o Efeito dos Pesos e Halteres nos Valores das Pressões Arteriais: Máxima, Mínima e Diferencial.
I – Os Pesos e Halteres e a Função Cardiopulmonar, segundo o Teste de Cooper.
O conferencista Prof. Rui Baptista usa da palavra na Sociedade de Estudos de Moçambique
Aspecto da numerosa assistência à referida conferência
(Texto da Conferência por mim proferida na Sociedade de Estudos de Moçambique, Julho/1973, tendo sido por mim apresentado numa Comunicação ao 7.º Congresso Europeu “Vida Activa da escola à comunidade”, 10 a 14 de Abril de 1996, Universidade de Coimbra).
Anos atrás, fui confrontado com um livro do famoso Doutor Kenneth Cooper, criador do famoso método de seu nome, que descrevia os malefícios sem conta trazidos pelo treino com pesos e halteres na modalidade de Culturismo. Tendo, na altura, a meu cargo uma classe dessa modalidade no Clube Ferroviário de Moçambique recaía sobre mim a responsabilidade profissional e moral desses (possíveis) prejuízos recaírem sobre os alunos a meu cargo.
Escreveu Cooper: “Na minha especialização, as aparências enganam. Alguns homens excepcional e fisicamente aptos, testados em nossos laboratórios, eram de meia-idade, franzinos inclusive, de vez em quando surgia um meio barrigudo. Os mais inaptos que tivemos eram rapazes fortes, com má condição física. Desculpem se o que acabo de dizer desfaz qualquer ilusão sobre cinturas finas e bíceps musculosos com chave de boa saúde. Não influem, nem garantem. São apenas um elemento secundário” (Aptidão Física em Qualquer Idade, p. 10, Cooper, Kenneth H, 5.ª edição, Forum Editôra, 1972, Rio de Janeiro).
Para desfazer dúvidas, havia que utilizar as “armas” de Cooper: a sujeição dos praticantes de pesos e halteres por mim treinados (os tais de “cintura fina e bíceps musculosos”), que não praticavam qualquer outro desporto, ao seu teste de aptidão física. Para o efeito, solicitei a colaboração do conceituado treinador de atletismo do Desportivo, António Matos, que não só pôs à minha disposição alguns dos seus praticantes de atletismo como registou os tempos obtidos e testemunhou todos os outros dados colhidos na pista de atletismo do Parque José Cabral, em Agosto de 72. Para ele, o testemunho público da minha gratidão.
Mas em que consiste o tão famoso (e espalhado “urbi et orbi”) Teste de Cooper? Resumidamente, em correr ou caminhar, sem qualquer paragem, a maior distância plana possível durante 12 minutos para a partir daí interpretar os dados obtidos com base no quadro seguinte:
A preceder a realização das provas de corrida foram realizadas outros testes e medições. Foram eles:Observação: Para homens entre 40-49 anos de idade, segundo Cooper, a distância percorrida entre 2100 – 2500 metros, é classificada como boa.
1 – Registo do número de pulsações/minuto, em repouso e na posição de pé: Foi realizado este registo (na posição de pé) por ser aceite que o treino físiico produz uma bradicardia em repouso. O número de pulsações após a corrida não foi anotado devido à dificuldade em o fazer, motivada pela chegada em pelotão de alguns atletas. Convém esclarecer que os valores obtidos foram condicionados pelo natural nervosismo dos atletas antes de entrarem em prova.
2 – Medição dos perímetros toráxicos máximo, mínimo e diferencial: A fim de obstar a que a contracção da massa muscular dos dorsais pudesse influenciar a medição do perímetro toráxico máximo foi ela realizada com os braços encostados ao tronco. Estes valores dão-nos conta da flexibilização da caixa toráxica, isto é da possibilidade da “caixa de ar” aumentar os seus diâmetros ântero-posterior e transversal, ainda que não registe o aumento vertical a cargo da descida do músculo diafragma. O perímetro toráxico diferencial define a elasticidade costo-esterno-vertebral.
3 – Capacidade vital: Representa a quantidade litros de ar que um sujeito é capaz de expelir dos pulmões, numa expiração forçada antecedida de um inspiração máxima. Num individuo não sujeito à exercitação Física, embora em condições normais de saúde pulmonar, a capacidade vital cifra-se em aproximadamente 3.5 litros., enquanto que num outro sujeito a treinamento físico intenso esse valor chega aos cinco seis litros. Este factor nem sempre coincidente com a faculdade de captação de oxigénio por parte dos glóbulos vermelhos ou hemácias e respectivo transporte e cedência ao nível do tecido muscular, relação conhecida por coeficiente e de utilização de oxigénio,
Resultados dos praticantes de atletismo no Teste de Cooper:
Resultados dos praticantes de culturismo no Teste de Cooper:
Em face destes resultados conclui-se:
1.º – Os cinco melhores valores da capacidade vital foram obtidos pelos culturistas, cabendo a José Soares o valor máximo de seis litros.
2.º – Igualmente alcançaram os culturista os cinco melhores valores de perímetro toráxico diferencial, dando-se o caso de Rui Baptista obter o maior valor (17 centímetros), tendo na altura 41 anos de idade e, como tal, teoricamente, dever ter a mobilidade esterno-costo-vertebral diminuída.
3.º – Os três melhores valores das pulsações em repouso foram obtidos por três culturistas, respectivamente, 66, 78 e 84, este ultimo obtido, igualmente, pelo corredor Vitor Candeias.
4.º – Por o treinamento de uma determinada modalidade desportiva conduzir a uma diminuição de sinergias onerosas, os resultados do Teste de Cooper, naturalmente, favoreceram os praticantes de atletismo; contudo, o culturista José Guimarães, classificando-se em 4.º lugar, obteve resultado superior ao dos praticantes de atletismo, Rogério Costa, Carlos Pais e Sérgio Aniceto.
A terminar, volvidas décadas este trabalho de investigação mantém o interesse por ter testado culturistas que não consumiam substâncias dopantes ou anabolizantes. Hoje em dia, o culturismo de competição (eleição de indivíduos com massas musculares disformes) foi invadido por essas “criminosas” substâncias, não sendo possível estabelecer uma fronteira entre os efeitos do treino propriamente dito e a utilização do arsenal químico a ele associado. Por outro lado, os culturistas testados não praticavam a corrida, ao contrário dos culturistas actuais que a utilizam para “queimar gorduras”.
Brevemente, será enviado, para publicação, o “Estudo Sobre os Efeitos dos Pesos e Halteres nos Valores das Pressões Arteriais: Máxima, Mínima e Diferencial” (conferência por mim proferida na Sociedade de Estudos de Moçambique, Julho/1973, e apresentada em comunicação no “V Congresso de Educação Física e Ciências do Desporto dos Países de Língua Portuguesa, 24 a 28 de Março de 1977, Maputo/Moçambique).