ALENTO!
Estórias que acontecem num ápice (“mas eu, que nunca princípio nem acabo!”[i]), a ver vamos, vejamos (“há, nos olhos meus, ironias e cansaços!”[ii]).
A 17 de Dezembro (sexta-feira) terminando mais uma semana de intenso trabalho, culminando também, em mais um ano de produtivo trabalho, com desempenho ético e profissionalismo exacerbado. Chegado a casa por volta das 18h18, começo a preparar-me para a noite grande, previamente programada e ansiada (jantar às 19h19 no restaurante Olaias, serão no CAE-PSL para um espetáculo de bailado em dois actos e quatro cenas, “O Lago dos Cisnes”, pela prestigiada companhia de Moscovo, “Russian Classical Ballet”, dirigida pela famosa bailarina Evgeniya Bespalova, que regressou a Portugal para apresentar uma nova produção da obra-prima do bailado clássico, uma narrativa de amor e traição, com triunfo do bem sobre o mal).
Após calçar os sapatos, pego nos bilhetes, relendo a sinopse do bailado (peça): «_Repleto de romantismo e beleza, o bailado “O Lago dos Cisnes” é considerado o mais espetacular do repertório da dança clássica, com a sua coreografia a requerer grande destreza e elevada competência técnica na interpretação das personagens por parte dos bailarinos. A duplicidade de carácter presente na pureza da figura do Cisne Branco (inocente e frágil) e pela intriga do Cisne Negro (malicioso e sensual), requerem um elevado grau de dramatismo e virtuosismo na interpretação pela bailarina principal, especialmente nos dois “Grand-Pas-de-Deux” (termo do ballet clássico, que em francês significa “passo de dois”) interpretados na II e III cena desta obra. Outro momento de clímax é a deslumbrante dança dos “Pequenos Cisnes”.
O prestígio e a notoriedade intemporal alcançados pela obra, são motivados pela música inspiradora de Pyotr Tchaikovsky, mas também pela coreografia inventiva e expressiva de Marius Petipa que, relacionando o corpo humano com os movimentos de um cisne, revela a sua genialidade, o seu potencial coreográfico e criatividade artística. Pyotr Ilitch Tchaikovsky, compositor russo, [1840-1893], compôs esta obra-prima, complexa, de forma transcendental, perpectuando-se na “Suite Op.20”. O êxito das composições de Tchaikovsky resulta da sua capacidade de conseguir expressar sentimentos através da linguagem musical, criando melodias intensas e emotivas.
A “Russian Classical Ballet” estreia uma nova produção clássica com elementos cenográficos de um realismo incrível, criados no conceituado atelier de São Petersburgo (Rússia), onde se produzem os cenários para o Teatro Bolshoi (Moscovo), Teatro Mariinsky (S.Petersburgo), Ópera de Paris ou Teatro La Scala (Milão). Figurinos deslumbrantes, acessórios manufacturados com detalhes sumptuosos e um leque de melodias encantadoras que compõem esta grande obra-prima do ballet clássico. Um elenco de solistas e artistas irrepreensíveis, liderados por duas estrelas da dança internacional.
Uma grande produção clássica e irresistível que representa um momento imperdível e memorável. Um espetáculo único que irá perdurar na memória do público. A não perder!»
Mas, perdi! Testei “positivo”, perdendo o grandioso, entusiasmante, fascinante e distinto bailado!
Estando com congestionamento nasal (a sinusite é a inflamação dos seios paranasais, muitas vezes causada por infecção bacteriana ou viral, ou por alergia), acentuando a fala pelo nariz, inquiriu-me a senhora minha esposa, porque não fazer o teste rápido de despistagem à “COVID-sars-CoV2”. Atónico com o alvitre, ocorreram-me, contudo, as palavras sábias da anciã Dona Margarida, querida mãe da senhora minha amada e admirável esposa: _Paulo, ela é que sabe! _Ela é que é a senhora professora!
Acedi de imediato, imóvel, sentado no sofá, sofri a primeira incisiva pela narina esquerda acima, e de seguida a penetração pela direita, breve formigueiro, comichão e espirrei fortemente, protegendo o espectro contra a toalha de protecção! Regressei à casa de banho, higienização de mãos e face, olhei-me ao espelho, retoque no penteado, saí para o quarto para vestir o casaco, sento-me na cama, aguardando o veredicto (recordei então outra ocasião, a da primeira negativa em testes escritos, que me ocorreu no 2ºPeríodo do 10ºAno, na disciplina de Francês, e agora ansioso e inquieto, reitero que a senhora professora exclame: _Negativo).
E eis que chega o veredicto atroz, proferido em assertiva ênfase pela descoberta e confirmação na opção tomada: _Paulo, estás positivo! E agora!?
Positivo!?
E agora!? (“Eu tenho a minha loucura! Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura, E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…”[iii])
Agora!? Mesmo agora, de imediato, vou ligar para a SN24, e tu vais ligar (sff) para o restaurante a desmarcar a mesa e o prato previamente encomendado (agradeço a gentileza, Pedro Ferreira, gerente do Restaurante Olaias, no CAE-PSL, “Centro de Artes e Espectáculos – Pedro Santana Lopes).
E num ápice tudo muda, não voltei a sair do quarto (telefonema com a SN24, recebo os códigos para o isolamento, com mensagens apelativas, “fique em casa”, “entre em contacto com o laboratório”, “agende o seu exame”, links para registo de sintomas e emissão da declaração provisória de isolamento profilático, a enviar à entidade patronal), despindo o traje, vesti o pijama e deitei-me, esperançado de que amanhã no teste oficial em laboratório certificado, a dúvida que permanecia e crescia em mim, seria dissipada! E foi! Adormeci. Acordei, e fui ao teste!
Pelas oito horas da manhã (manhã soalheira, fria) dirigi-me ao posto de recolha do Laboratório Beatriz Godinho, na Gala, Freguesia de São Pedro (Avenida Remígio Falcão, fila no exterior para entrar, cerca de 10 pessoas, o teste foi agendado para as 8h25), dois jovens simpáticos em atendimento, género masculino na recepção e controle (só há teste com marcação prévia por telefone 244.830.360), género feminino na penetração nasal (cotonete de recolha e colocação em frasco inviolável, identificado). Realizado o teste, coloco a máscara, compro o jornal no quiosque da Gala, regressando de imediato a casa, para o isolamento profilático, confinado ao quarto (entre quatro paredes, com porta e janela).
Sábado, aparentemente anormal, solarengo, fechado no quarto, não vi nem ouvi o mar salgado (um bálsamo para as dores de alma!), leio o jornal, bebo água e chá, miro de soslaio o relógio (o resultado do teste chegará por email, até ao final do dia, informou a menina enfermeira), o telemóvel, alguns telefonemas, e eis que surge um email, constato que é do laboratório, clico no anexo, abrindo o documento, leio o meu veredicto final: _Detectado (resultado POSITIVO para dois alvos distintos dos quais pelo menos um é específico para SARS-CoV2, segundo a orientação da DGS N015/2020, de 23/03/2020, actualizada a 24/04/2020, colheita realizada na nasofaringe em 18/12/2021 às 8h31).
Positivo!
Positivo, e agora!? _Agora? (“A minha vida é um vendaval que se soltou. É uma onda que se levantou. É um átomo a mais que se animou…”[iv])
Comunicar à senhora professora (implica o cancelamento da viagem para Famalicão da Serra, no concelho da Guarda, para o primeiro Natal, entre famílias unidas pelo nosso matrimónio, e cancelar a presença na festa do Natal, emergindo ainda assim, a magia e o espírito natalício!), à senhora minha mãe, aos amigos e aos colegas…. Pensado, dito e feito! Atempadamente, com lisura, atenção e respeito!
Jantar (sentado na beira da cama), canja de galinha, c/ovo, salsa e limão (à moda da minha amada, bem quente, apazigua a alma, fortalecendo a mente!). Adormeci e acordei, com o pequeno-almoço à porta (maravilha, que serviço de quarto exemplar, obrigado, muito obrigada!), e começam os telefonemas: _Como estás? _Quais são os sintomas? _Como te sentes? _Estás a tomar algo?
Diariamente: higienização das fossas nasais com água do mar (Rhinomer, força_3), ingestão desenfreada, entre as refeições (pequeno almoço, almoço, lanche e jantar), de água alcalina Monchique (2*1,5L=3L, água mineral natural alcalina com PH de 9,5) e de chá (dois litros de uma mescla de verde, limão e gengibre, com pau-de-canela). Arejo frequentemente o quarto, ventilando naturalmente o espaço confinado, apanhando por simpatia um vigoroso banho energizante, oferta do poderoso Deus-Sol.
De manhã, logo após o “PA”, tomo uma pastilha efervescente Fluimucil, um comprimido do Ben-u-Ron 1000mg. À noite, logo após o jantar, um comprimido Aérius 5mg, orodispersível, e um comprimido do Ben-u-Ron, 1000mg.
Para os crentes na geometria plana ou encrencas na arte do divino, poderá colocar-se aos quatro cantos do quarto, quadrado ou rectangular, quatro ramos de eucalipto-bebé em jarras com água thermal (Termas do Bicanho, Vale do Pranto, limite entre concelhos de Soure e Figueira da Foz), um dente d’alho e uma folha de louro, para quartos esconsos (com origem no Latim Absconsus, esconderijo, recantos, oculto), terá de readaptar-se por encantamento à magia do poeta genial, à “mundividência esotérica e poética iniciática de Fernando Pessoa” (dissertação de mestrado em “Literatura de Língua Portuguesa, Investigação e Ensino”, por Zhou Miau, 2011, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra).
Sintomas: 1-congestionamento nasal com corrimento fluído, limpo; 2-frontal ocular pesada, sintoma de olhos vidrados; 3-expectoração em libertação, cor esverdeada, após a ingestão das refeições; 3-controlo de temperatura, variando entre 36º90 a 37º30, pulsação 65/67, oxigénio 96/97%, registos diversos ao longo do dia; 4-dormir quente e confortável, para reconfortante e retemperador sono; 5-apetite activo com palato, odor e sabor; 6-vontade, desejo e fascinação!
E, como estou? Estou em isolamento, num quarto confinado a quatro paredes, uma porta e uma janela, sem tabuinhas, diferente da “A Casa da Mariquinhas”, eternizada (e o maior de todos os seus êxitos), na voz do Marceneiro, Alfredo também, como o senhor meu Pai, [de 19/08/1942 a 24/02/2011]. Estou assim, perante dois “Alfredo”, um Carniceiro, enaltecido pelo prazer da carne morta, abatida ou não, pela sua vigorosa, assertiva e temível mão. E o outro, o Marceneiro aclamado efusivamente sempre que cantava o poema do jornalista e poeta Silva Tavares (que no seu canto real prendia e seduzia quem o ouvia cantar). Aliás, Alfredo Rodrigo Duarte, [1891-1982], demonstrou também toda a sua nobre arte de marceneiro, construindo à escala 1/10, “A Casa da Mariquinhas”, tal e qual a descrição dos versos, e em que todos os móveis foram feitos com arte d’entalhe (sem recurso a qualquer prego), encontrando-se exposta no Museu do Fado.
E, como estou? Estou isolado da senhora minha querida amada esposa; Estou separado, dormindo lada-a-lado, com a senhora minha Mãe (casa adjacente, lada-a-lado); Estou afastado 50Km da senhora minha querida irmã (professora-doutora dos algoritmos, admirável pianista, domiciliada em Leiria); Estou arredado 228Km de Famalicão da Serra (Guarda), das reconfortantes e sábias palavras do senhor Padre Alberto Matos; da comida de sabor tradicional da Dona Margarida; das inebriantes gargalhadas, com ou sem o rebanho unido, feliz e contente do Alexandre; do inquieto, irrequieto, exacerbado e genuíno sportinguismo do menino Diogo; e das deliciosas, amistosas e saborosas sobremesas da Lenita!
Enfim, continuo afastado 13Km da Figueira da Foz, maravilhosa cidade
(…, linda e bonita!), exasperando pelo seu intenso e delicioso bálsamo para as dores de alma (bálsamo sem corantes, edulcorantes ou anabolizantes, e que vai do Estuário à Foz, da Foz ao Cabo, da Praia de Quiaios à Praia da Leirosa, da Praia da Claridade à Serra da Boa Viagem, da Ilha da Morraceira às Lagoas de Braças, Maiorca, Salgueira e Vela, do Mar Salgado do Atlântico Norte ao dueto por Rios e Vales, Mondego e Pranto, do Prazo de Santa Marinha à Mata do Urso, dos Penedos com Amonite [Bordalo_II] ao Paleolítico com Prego Douro [GSSP], …, e “onde o azul do mar tem sonhos e risos por contar[v]!”
Por fim, ao amigo meu que está longe e a saudade é tão grande!
Ai esta mágoa, ai este pranto, ai esta dor!
Dor do amor sozinho, do amor maior[vi]!”
Figueira da Foz, 19 de dezembro de 2021
Paulo JF Craveiro, v/devoto incensador de mil deidades!
[i] “Cântigo Negro”, poema de José Régio;
[ii] “Cântigo Negro”, poema de José Régio;
[iii] “Cântigo Negro”, poema de José Régio;
[iv] “Cântigo Negro”, poema de José Régio;
[v] “Maria Mar”, poema de Maria_SAG;
[vi] “Meu Amigo Está Longe”, fado de Gisele João, com letra de Ary dos Santos e música de Alain Oulmam;
“Alento”, dar ou ganhar alento, ânimo ou coragem; Igual a animar, encorajar, incentivar ou dar conforto; Força necessária para respirar; bafo; respiração; inspiração (poético).
Um Comentário
Jorge Rodrigues Milheiro
Magnífico texto e boa lição sobre o SARS-CoV-2. Parabéns a Paulo Craveiro, desejando-lhe que esteja bem, e a BigSlam pela partilha o meu agradecimento. Obrigado.