Amor é…
[…, “Um Conto de Fado”, também!]
”Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
[“Amor é fogo que arde”, de Luiz Vaz de Camões, 1524-1580]
Segundo António Carlos Cortez (DN-Diário de Notícias de 27/01/2024, em “Direto à Leitura”, com “500 Anos sem Camões” parte 1), _”2024 é o ano em que celebramos, para além dos 500 anos do nascimento de Camões, o fim de 50 anos de fascismo em Portugal. Luís de Camões deveria ser devidamente evocado como uma voz que jamais se deixou domesticar, por muito que os sucessivos regimes – da Monarquia agonizante oitocentista ao republicanismo; da ditadura de Salazar à democracia saída de Abril – se tenham servido do autor de “Os Lusíadas” para exaltar as suas políticas e ideologias. (…)
Fez-se dele o símbolo da resistência entre 1580 e 1640. E de novo Camões, erguido, no quadro mental do Romantismo, a pai da pátria, em 1880. Falou-se dele, já em tempos recentes, como ocidental branco, europeu e católico aberto à experiência do Outro, em jeito de poeta da alteridade, um Camões mais cool requentadamente servido nos pratos indigestos ora dum neo-lusitanismo hipócrita, ora dum europeísmo cínico. Mas, que se faz pela sua poesia?
Pelo seu teatro? De que modo Camões é, de facto, hoje um poeta lido por portugueses já nascidos no século XXI, filhos do TikTok e do WhatsApp? Que lhes diz Camões? Salvo as iniciativas isoladas deste ou daquele centro de investigação, desta ou daquela companhia de teatro, deste ou daquele poeta, ou romancista, celebramos 500 anos – mas sem Camões.”
_”Lê-lo, compreendê-lo, admirá-lo como autor maior do Quinhentismo europeu e um dos que mais profundamente pensaram sobre a condição humana, essa é, para mim, a verdadeira homenagem que lhe devemos. E este é o nó górdio do nosso intricado problema mental: não lemos Camões num país que se diz de poetas. E, claro, não apreciamos a arte.
Disso Camões sabia melhor que ninguém: quem não sabe arte não a aprecia, escreveu, radiografando os poderosos. Nas estrofes 78 a 87 do Canto VII fustiga os que, ingratos, o condenaram “a tamanhas misérias”; vitupera os que, hipócritas, o denegriram (“A troco dos descansos que esperava /Das capelas de louro que me honrassem /Trabalhos nunca usados me inventaram /Com que tão duro estado me deitaram”). Condenação do país em toda a linha, justificadamente.” (…)
Seguindo a corrente intensa e fulminante do amor, consumada que está ao mais alto nível o enquadramento e desígnio superior do nosso grande poeta Camões [_Obrigado, António Carlos Cortez, muito obrigado! Aconselho ainda humildemente a leitura da crónica de 12/02/2024, “Um Soneto de Camões: pôr a malta a ler!!”, www.dn.pt/autor/antonio-carlos-cortez/], derivo e ligo ao fado, ao nosso fado [“Fado é Amor”, de Carlos do Carmo, 1939-2021, álbum editado em 2013, ano em que celebra 50 anos de carreira].
Em 2019, Camané ousou e cantou ao piano com Mário Laginha e gravou no álbum “Aqui Está-se Sossegado”, o inflamado e didático poema “Amor é Fogo que Arde”, no qual o poeta tenta explicar num raciocínio lógico, um conceito tão complexo e profundo como é o amor!
Mas antes, muito antes, 1963/65, já a nossa diva Amália Rodrigues, 1920-1999, ousara cantar o príncipe dos poetas, dando timbre, fortuna e povo aos poemas “Dura Memória”, “Lianor” e “Erros Meus”.
_Cantar Camões? _Que ousadia!
_Houve uma grande polémica por eu cantor Camões. _Achei uma burrice!
_Por pior artista que seja, ninguém consegue destruir um grande poeta, se o cantar?
_Mas onde está a ofensa? …Amália, inteligente, sempre respondeu sem ceder!
_Cantava, …porque gostava!
_E ainda bem que gostou!”
[Por Nuno Galopim em 10/06/2020, no sítio www.giradiscos.me]
E agora, só agora, porque Fevereiro também tem Carnaval, além da exaltação e celebração do amor, com o seu/nosso Dia dos Namorados, saltemos ao nosso país irmão, onde o carnaval é produzido de forma surpreendentemente, brilhante e colorido, irreverente e dramaturgo, com samba no pé e enredo até às profundezas da alma, crenças e história!
Solta-se a emoção, desfila o competitivo carnaval carioca, com vislumbre maior (à luz dos olhos meus) pela Escola de Samba, Unidos da Tijuca, a ousar com o tema ”Um Conto de Fado”, um enredo “compilado de lendas e histórias fantásticas, que numa fabulação narram a história de Portugal. É um olhar lúdico, mágico, místico, um samba-fadado que vai revelar heróis e vilões, numa estória que tem um pezinho na realidade e 100% de imaginação, porque quem conta um conto, aumenta um ponto!” [Alexandre Louzada, carnavalesco, Sambódromo Marquês de Sapucaí, 2024, Carnaval do Rio de Janeiro, cortesia TV-Globo, visite www.gshow.globo.com].
(…)_”Ai esta terra ainda vai cumprir seu ideal,
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal,
-Sabe, no fundo eu sou um sentimental!”
[…, incerto por certo em “Fado Tropical”, de Chico Buarque e Ruy Guerra]
Por tudo isto, mais aquilo e o outro, pelo outro, amor é ler, dançar e cantar, amor é Luiz Vaz de Camões, Vinícius de Moraes e Eugénio de Andrade, amor é fado, tango e samba, amor é Carlos do Carmo, Alcione e Callas, amor é alegria, contemplação e ousadia, amor é Brasil, Portugal e Itália, amor é evocação, celebração e comemoração, amor é…, um contentamento descontente!
Hoje, amanhã e depois, ousemos um sorriso maior, para um feliz dia, num dia de futuro, o amor está no ar! (…, mas não consegue aterrar/invadir/seduzir na Rússia, Ucrânia, Israel ou Palestina).
Beijos e abraços com sorrisos, Paulo JF Craveiro, v/Devoto Incensador de Mil Deidades [como escorreu em pena firme o poeta Bocage, aliás Manuel Maria Barbosa L’Hedois du Bocage, 1765-1805].
Figueira da Foz, 14 de Fevereiro de 2024
2 Comentários
António Lemos Domingues
Lindo.
Gisela Oliveira
Excelente prosa querido primo. Sempre uma pena ardente em honra da nossa cultura. Vivam os poetas, maravilhoso Camoes e o Amor.