A Minha Terra Deixei
A Minha Terra Deixei
Porque desiludido, por minha decisão
a minha terra deixei,
a qual nunca antes tinha deixado,
e a outra terra cheguei,
aonde jamais havia chegado.
Uma mão à minha mulher dava,
com a outra a nossa primeira filha segurava,
e na barriga da minha mulher seguia
a nossa segunda filha.
No bolso, como escudo,
um cheque de vinte mil escudos;
na alma, uma tristeza imensa
e, no querer, uma teimosia intensa.
Animado pela tristeza e pela teimosia,
a vida do zero recomecei;
e porque no zero não quis ficar,
fiz o que sempre soube fazer:
trabalhar, aprender e esforçar.
Com trabalho e esforço,
na profissão e na vida evoluí,
e para o bem-estar de outros contribuí,
o que para os da minha terra era para ter sido.
Assim o quiseram os senhores da guerra.
Pierre Vilbró, Junho 2021
Mais palavras para quê? Com poucas palavras escritas, muitas coisas ficam ditas. Coisas que, para a grande maioria dos(as) leitores(as) de BigSlam são entendidas, principalmente por quem deixou Moçambique.
Entendidas, por experiência vivida. Com dor incontida, dramas, traumas e perdas (materiais, afectivas, e de vidas familiares). Cada um, com o seu caso.
Pessoalmente, como muitos, naquela terra nasci, cresci, formei-me, iniciara a vida profissional (ia no 5.º ano), casei e começara a constituir família. Com 30 anos de idade, peguei na mulher e na filha (a 2.ª vinha a caminho), e partimos para nunca mais voltar.
Partimos convictamente, para um destino (que virou definitivo) onde nunca tínhamos estado, sem ninguém, sem dinheiro e sem emprego. Mas não estávamos de acordo com a ideologia comunista, o sistema político e a ditadura implantadas, que víamos que levariam Moçambique para a miséria e o povo para o sofrimento. Lamentavelmente, o que veio a acontecer. Não era difícil de prever.
O que jamais esquecerei e perdoarei, é que passei a sentir-me estrangeiro na minha própria terra, da qual tudo conhecia por experiência de vida praticada, desde a infância nos bairros de caniço onde vivi anos a fio, imbuindo a cultura, os costumes, os comeres e a convivência multirracial, tudo cimento que me moldaram para toda a vida.
Também não compreendia, e jamais perdoarei, que libertadores se transformassem em ditadores, obtido o tão almejado poder, oprimindo o povo que alegavam ter libertado e devolvido a dignidade.
Por tudo isto, por ser de carácter livre e independente, não tinha como permanecer, e o meu desacordo não me levou a criar qualquer tipo de problema. Simplesmente, quem não está bem, muda-se. Foi o que fizemos.
Para finalizar, torço sinceramente para que os moçambicanos consigam, por si próprios, encontrar o verdadeiro caminho que os leve e a Moçambique para um futuro, desejavelmente próximo, de paz, de liberdade, de democracia plena, de justiça, de progresso e de bem-estar.
Pierre Vilbró, Junho 2021
9 Comentários
Manuel Martins Terra
Caro amigo Pierre, conseguiste neste tão significativo poema, deixar transparecer a nossa revolta e desilusão ao deixarmos a terra dos nossos sonhos, e ao chegarmos a este país à beira mar plantado ,apenas transportando na bagagem a esperança de começar uma nova vida, transformando a tristeza e a teimosia numa prova de afirmação. Pierre, a vida continuou porque dos fracos não reza a história. Parabéns, pelo lindo poema tão cheio de conteúdo.
António Mendes
Está perfeito. Parabéns.
Julio J Conceição
Amigo Pierre
Como nos tens habituado, o relato da tua experiência daqueles anos de turbulência que a todos nos atingiu como se de uma bomba atómica se tratasse, é um pouco da história de cada um de nós, que por força de uma independência de conveniência não só de alguns moçambicanos ditos libertadores da Pátria, mas também em conluio com as grandes potências de então, que a longo prazo viam nisso uma possibilidade de saque das riquezas de que Moçambique é pródigo.
Todos nós tivemos que optar por um percurso de vida, tão difícil quão pouca era a experiência que tínhamos. Uns optaram por deixar a sua terra, pois tinham a consciência de que não alinhavam com a ideologia comunista, contrária aos seus valores e perspectiva de vida ( como foi o teu caso); outros optaram por permanecer, uns por acharem ingenuamente que o futuro seria risonho; outros porém por não disporem de recursos e perspectivas para abordar o desconhecido (foi o meu caso). Escusado será dizer que durante este tempo todo, fui um inconformado, tendo passado as passas do Algarve (como sou dizer-se) e ainda passo.
Moçambique infelizmente de Pais rico em recursos, não só não progrediu, como regrediu. Perderam-se conquistas que nos últimos tempos do regime colonial se tinham alcançado. A pobreza tomou formas de miséria. Perderam-se valores. O roubo, a corrupção e a ignorância tornaram-se palavras de ordem. Os dirigentes são nomeados com base na confiança política e não em meritocracia. O analfabetismo é gritante. O tribalismo instalou-se de forma exacerbada. Enfim.. poderão chamar-me apóstolo da desgraça, mas os factos corroboram com este cenário. Não se vislumbra qualquer luz o fundo do túnel…. Infelizmente…
Era uma vez um País…
Esperança Marques
Muito bem, Sr. Pierre Vilbró, os meus cumprimentos.
Para mim, ser feliz era estar na minha casa, com a minha família, e com amigos chegados e verdadeiros, com a minha juventude itens essenciais para concretizar o meu sonho/intuito. Apreciei bastante a frase que José Carlos Alves da Silva colocou no seu comentário: vingança duns descalços sobre moçambicanos e portugueses que nunca devia ter existido. É isso mesmo. Todos viemos, todos sofremos, mas tudo se agudizou com o passar do tempo. A juventude foi-se perdendo, a família (toda) também, os amigos já estavam dispersos por diversos países, nunca mais os vimos. Depois disto tudo, ir a Moçambique para me deparar com indivíduos que não sabem nada da História, uns jovens petulantes e sem nenhuma educação, e não reconhecer na capital os pontos onde andávamos, brincávamos, etc. não vale a pena. Nunca mais lá voltei e penso que nunca mais voltarei. Desejo a todos os Moçambicanos o melhor de tudo, que consigam ser felizes e bem sucedidos sempre. Saudações a todos.
Manuel Ah Fo
A vida continua Pierre!!!Um abração
ABM
Muito bem.
Henrique Ferreira
Viva Pierre. Uma análise a este texto, confere tudo o que se passou,o que passamos…Esperemos que o melhor povo de África, no futuro tenha a Felicidade que merece.
Abraço grande.
Henrique Lacrau.
José Carlos de Matos Viegas
SÓ UMA PALAVRA PIERRE: O MEU ABRAÇO
josé carlos alves da silva
toda razão Pierre Vilbró, muita vingança duns descalços sobre moçambicanos e portugueses, que nunca devia ter existido. É o País que é. Tudo o que escreveu, faço das suas palavras as minhas. Um abraço