AMORES EM TEMPO DE CORONAVÍRUS
Da vasta bibliografia do grande escritor colombiano Gabriel García Márquez, nascido em 1927 e laureado com o Prémio Nobel da Literatura em 1982, consta o livro O Amor Nos Tempos De Cólera, cuja história trata do amor impossível entre dois jovens, numa terra e num tempo em que grassava a cólera.
E nós, na terra que habitamos e no tempo actual, vivemos a calamidade do Coronavírus/ Covid-19 e testemunhamos diariamente a coabitação da morte e da esperança, do sofrimento e da entrega, das carências e do heroísmo, da paralisação e da reconversão, do desemprego e da iniciativa. É neste ambiente que, também diariamente, vão surgindo inúmeros casos de amores em tempo de pandemia.
Não amores-paixão, mas amores ao próximo sofredor, amores espontâneos dados pelo cidadão/povo anónimo, em resposta unicamente à sua consciência, valores e convicções, sem encomendas ou campanhas prévias, e sem retribuição de vantagens, pagamentos, lucros, etc. Em suma, do melhor que o ser humano tem.
A invocação da história e do título do livro acima referenciado, vem a propósito do título e do tema deste meu texto. Ou, talvez, a inspiração destes últimos surgiu da lembrança daqueles.
Mas que amores são esses que, em tempo de pandemia do Coronavírus/ Covid-19, me estou a referir? Sem sair, conscientemente, de casa desde o primeiro dia, socorro-me do que as televisões trazem ao conhecimento público:
- Voluntária e espontaneamente, pessoas aviam as compras para os vizinhos impossibilitados ou impedidos de o fazerem (idade avançada, doença, ou portadores de patologias debilitantes do organismo), sejam medicamentos ou géneros alimentícios;
- Médicos(as), enfermeiros(as) e restantes profissionais da saúde, em muitas situações com carência de meios, exaustos, não indo dormir à casa para não correrem o risco de eventualmente infectarem os seus familiares, estoicamente não abandonam o seu posto e os doentes, sofrendo com o sofrimento destes, honrando os valores e as obrigações que a sua profissão obriga;
- Correndo, os profissionais anteriores, o risco de serem infectados pelo vírus, o que já vem acontecendo;
- O mesmo (b e c) se aplicando às forças policiais, militares, bombeiros, protecção civil, autarquias locais e lares de idosos;
- Voluntariamente, cidadãos e pequenos empresários confecionam máscaras para as entidades que delas carecem, julgo que em muitos casos sem qualquer retribuição pecuniária;
- Pequenas e micro empresas suprimem a paralisação por falta de encomendas que a pandemia provocou, e reconvertem a laboração, fabricando utensílios para protecção (máscaras e viseiras), para ventilação, e produtos para desinfecção das mãos (nomeadamente reconversão do gin em álcool);
- O comportamento exemplar da grande, grande maioria dos portugueses, respeitando e cumprindo as determinações e conselhos das autoridades governativas, da saúde e da ordem pública;
- Dando cumprimento a uma das palavras de ordem das autoridades competentes, Fiquem Em Casa, com protesto num dos cantos da boca e sorriso no outro, em fidelidade ao espírito português, os cidadãos transformam em fácil o que para a maioria o não é, habituados que estão a diariamente saírem de casa para se fazerem à vida. Situação agravada pela necessidade de conciliar o tele-trabalho com a ocupação dos filhos (também retidos em casa), e do recurso à criatividade para ocupar e entreter os momentos não ocupados.
- Finalmente (mais factos poderia acrescentar), manifestações de reconhecimento e agradecimento dos cidadãos anónimos a todos aqueles (profissionais da saúde à cabeça) que não podem Ficar Em Casa e que nas frentes desta batalha lutam para salvar vidas, para recuperar os infectados, para velar pela segurança de todos. Manifestações que assumem formas diversas, como vir à janela ou à varanda – em várias casas simultaneamente – cantar, bater palmas, fazer soar música no ar.
Tudo isto têm sido os muitos dos Amores Em Tempo De Coronavírus em Portugal, um cheiro a Primavera na tristeza deste Inverno de angústia, sofrimento, morte e empobrecimento (que aí vem). Não amor pelo amado ou pela amada – amor restrito a dois -, mas amor por nós próprios, pelos nossos e pelos outros. Amor à vida.
Mais uma vez, os portugueses a darem provas indesmentíveis da sua extraordinária capacidade de coabitarem com a adversidade e a darem o melhor de si: generosidade, solidariedade, disciplina de cidadania, reconhecimento e agradecimento.
Pierre Vilbró, Abril 2020
4 Comentários
Augusto Martins
Agradeço trazer às nossas memórias estas verdades, que tão frequentemente são esquecidas.
Desejo a todos uma santa paz, com o necessário recolhimento e MUITA SAÚDE.
MARIA MANUELA ANTUNES GALVÃO DE ALMEIDA
Desejo ao nosso conterrâneo uma Santa Páscoa apesar da Pandemia!Vamos ultrapassar e ficar bem!
Manuel Martins Terra
Um texto com um teor profundo, como é apanágio da escrita do Pierre Vilbró, que do título de um livro Gabriel Marquez,traduziu o sentido do amor entre dois jovens em circunstâncias difíceis , dada a epidemia da cólera, para a realidade que se está a viver ante a pandemia do Covid-19. Acentuou uma diversidade de comportamentos do povo português, que vão observando as determinações governamentais, os avisos da autoridades sanitárias e a sensabilizacão das forças de segurança, no sentido de poder travar este inimigo traiçoeiro e invisível. Mais ainda quis sublinhar o sentido da palavra solidariedade, interpretada por gente anónima deste bom povo português, tentando menorizar o sofrimento do amigo , do vizinho do lado ou de um idoso solitário. São estes nobres valores , que se devem manter para os tempos difíceis do após Covid-19, em que o empobrecimento e o desemprego , irão atingir a nossa sociedade. É em tempo de rescaldo que se veem os homens de boa vontade, e por tudo isto , Pierre Vilbró, as tuas sábias palavras soam como um sinal de alerta para que todos nós possamos reflectir. Uma Santa Páscoa, em casa e sobretudo com muita saúde e vontade de viver.
Paula Nmpuno
Lindo livro atualizado a realidade de hoje e em todo o mundo. Dando uma contribuição Africana, a palavra Ubuntu – Sou porque somos – representa o que vivemos agora – não podemos viver isolados e temos que pensar a humanidade como um todo… Espero podermos restaurar está humanidade a todos e não só a alguns, depois desta epidemia…