Don´t Cry For Me, Mafalala!
Não chores por mim, Mafalala! Deixa-me ser só eu a chorar, por ti, o que há muito venho fazendo, sem saber até quando.
Por mim, não fiques em cuidados porque eu estou bem, sempre tenho estado e espero continuar a estar. Mas porque me tem incomodado o saber do teu estado, peço-te que olhes por ti ou, melhor dizendo, que tentes que os quem de direito o façam. É que já faz tempo, muito tempo. E esse tempo de tanto tempo esperar, desespera quem há muito aguarda a sua vez. Eu sei, nós sabemos, todos sabem. Todos, menos alguns que fingem não saber, que não querem saber – a sua vez chegou, obtiveram já o almejado.
Assim, hoje dirijo-me directamente a ti, em nome de tanta coisa vivida em comum, para surpresa de muitos. Tanta coisa que não precisa de ser publicitada, porque elas são reais, profundas, sentidas, assimiladas, marcantes e moldantes, que nunca mais se esquecem, não se consegue fazê-lo. Malgrado tudo o resto.
Como sabes, com trinta anos de vivência permanente, por decisão minha, livre e conscientemente assumida, eu e os meus deixámos legalmente (quando e como quisemos) em 1976 a nossa terra – Lourenço Marques, embora nessa altura ela já tivesse mudado de identificação, para Maputo. Partida motivada pelo desencanto, pela não identificação, e pela premonição do que seria o futuro próximo. Futuro que, lamentavelmente, se veio a verificar e que o presente confirma.
A longa ausência resultante dessa partida, que se manteve até hoje, e provavelmente se irá manter para sempre, não tem sido impeditivo de ir estando a par da tua vida. Sinceramente, eu esperava e muito gostaria que esta fôsse bem melhor. Tanto tempo indo periodicamente sabendo de notícias sobre como tem decorrido a tua vida ao longo dessa longa espera desesperante, mais de quatro décadas de independência política de Moçambique, leva-me a hoje falar-te directamente.
Eu sei, tal como tu, que essa independência não é tudo, é o princípio para muita coisa mais. Para a dignidade, para os direitos e garantias, para as liberdades, a justiça, a segurança, a evolução, a equidade e o bem-estar. Mas muito disto não se verifica e, daí, o teu desespero. Então, porquê? Eu e tu sabemos porquê, muitos sabem, e muitos mais vão sabendo.
O nosso jeito de ser deixa-nos sem jeito para mentir e para enganar, justificando com o injustificável. As justificações que partidária e governativamente eram invocadas, muitas vezes demagogicamente, deixaram de existir:
– O colonialismo português e a guerra colonial/ de libertação nacional, terminaram há mais de quarenta anos;
– Terminaram a exploração, o racismo e a escravatura, com a partida dos colonialistas;
– Obtida a independência, há quarenta e quatro anos, Moçambique e os seus cidadãos passaram a ser governados pelos seus legítimos representantes;
– Perante a frieza da realidade e dos interesses em jogo, assinou-se o Acordo de Incomáti com o regime sul-africano do apartheid, o que muito deverá ter custado aos governantes moçambicanos e aos dirigentes da Frelimo;
– Terminou a guerra civil, com a assinatura do Acordo de Paz, de Roma, com os bandidos armados, reconhecendo-se legitimidade a estes, num esforço de sobrevivência da Frelimo;
– Expulsaram-se os sabotadores económicos, os reaccionários, e os vende-pátrias, pressupondo-se que deixou de haver impedimentos a uma boa governação e boas políticas económicas e desenvolvimentistas;
– Aceitaram-se investimentos económicos e fizeram-se parcerias com países outrora hostilizados de imperialistas (qual deles? – julgo serem três), colonia- listas, neocolonialistas e racistas.
Se tudo isto deixou de existir, deixando de ser justificação, então porque é que tu, Mafalala, continuas à espera?
Este o grande drama, teu e de todos os moçambicanos – aqueles cujas vidas dançam ao som da música de uma nota só, a da sobrevivência.
Era sobre tudo isto que eu fazia intenção de um dia falar-te. Fi-lo hoje, e nem sequer foi preciso coragem, bastou tão só sentir e não ter qualquer manietação e medo que cerceie a liberdade de expressar o que se sente e se pensa.
Faço votos para que não demore que eu comece a receber notícias de que tu, finalmente, já vais melhorando de vida e de tudo o mais. Para que ao invés de chorarmos, cantemos todos e dancemos ao som da música de várias notas. Afinal, como as músicas devem ser. Fico aguardando, pois estou cansado de chorar. Mas até lá, continuarei a chorar enquanto fôr tendo tristeza e lágrimas para verter.
Pierre Vilbró, Maio de 2019
4 Comentários
Humberto Tercitano
È salutar ver e ouvir falar de Mocambique, o texto é optimo mas deixo aqui uma reprimenda a muitos dos mocambicanos ou ex, que apos sairem da terra jamais aqui pisaram os pés mas vivem de saudosismo, é legitimo, so que devem se abster de comentar o que nao sabem ou nao vivem a realidade do dia a dia de Mocambique. Falam ou comentam sobre o que ouvem, o que é bem diferente!!!
Eu tambem sai de Mocambique e estive em Portugal 26 anos ininterruptos, regressei e aqui estou a 21 anos. Tenho aqui encontrado muitos mocambicanos que vem ca de ferias, outros com negocios ou ligados a empresas portuguesas e outros que regressaram para aqui ficar.
Mocambique de hoje nada tem a haver com outrora, seja na sociedade, no desporto, na cultura e ate ao nivel das belas cidades que eram. Passaram se 45 anos após a independencia e o país pouco evoluiu por má gestao dos novos governantes, continua dependente de ajudas externas quando possui uma riqueza incalculavel -carvão, ouro, petroleo, gas, pedras preciosas, marisco, terra rica para cultivo que permitiria ser autosuficiente ao nivel alimentar, a riqueza das praias, etc…. mas a má governacao, os desvios de fundos com o enriquecimento ilícito dos altos quadros do estado, a corrupção, os maus serviços no aparelho do estado, entre tantas outras coisas fazem que após todos estes anos Mocambique mantenha-se como um dos países mais pobres do mundo com incidência na propria populacao. Custa me ter que dizer isto, mas é a realidade. Mocambique a uns anos atras estava com uma economia crescente, era considerado como um dos países com enorme potencial para investimento, muitos estrangeiros para aqui vieram e apostaram na abertura de negocios de variada índole mas, os senhores governantes, sim, eles, deitaram tudo abaixo, principalmente devido a tal Dívida Oculta de 2 mil milhoes de dolares. Com isto o FMI, o Banco Mundial, os países doadores e que mantinham o orçamento do estado deixaram de apoiar Mocambique e daí, originou a crise economica que hoje se vive aqui. Milhares de empresas encerraram, outras tantas numa situacao economica sem precedentes com riscos de subitamente terem que encerrar deixam todos aqui numa sitiuacao deveras preocupante e a ponderarem sobre o futuro!!!
Nao vivamos de iusoes…Mocambique o que era e o que é….principalmente para voces que estando longe falam de Mocambique com uma imagem conforme viram e viveram outrora. Costuma se dizer que recordar é viver, concordo, mas nao podemos tapar o sol com a peneira, sejamos mais realistas.
Bem gostaria que Mocambique estivesse no rumo certo, a desenvolver-se por si, bem gostaria que o povo economicamante estivesse mais estavel, bem gostaria de aqui ver os ex-mocambicanos regressarem ou aqui mais vezes visitarem e recordarem o belo passado ao som do Saudoso Joao/José (???) Maria Tudela….Mocambique, que palavra tao bonita, diga la onde ela fica….!!!!
Tenho a consciência que esta minha observação poderá ser criticada por muitos mas apenas deixo aqui o meu ponto de vista realista.
As minhas desculpas para quem nao concorde!!!
Aos mocambicanos, expatriados, mocambicanos actuais…a todos bem hajam!
f.ramos34@hotmail.com
Morei alguns anos nessa rua ( da Guiné ) no Nº. 55. Como se vê no cartaz, esse é o bairro do Mucumula, que muita gente confunde com a Mafalala. Eram bairros vizinhos. Este texto do Pierre que, creio, foi meu vizinho, me fez, mais uma vez, bater a saudade no peito. Obrigado, Pierre.
E Maia
Obrigado Pierre.
E mais não digo, todos sabíamos ou sabemos- lol- mesmo para aqueles que fingem e fingiram não antever (lento ou lerdo?).
Foi tudo real!
Pena!
José Carlos
Chama-se a isto dizer grandes verdades, reprimidas durante todos estes anos, e por isso mesmo, politicamente incorretas.
Um abraço para todos os Moçambicanos, independentemente da cor da pele, de onde vivam neste preciso momento, e das convicções políticas ou religiosas.