Moçambique – Cabo Delgado em Chamas
Há três anos que Cabo Delgado, província nordeste de Moçambique, se encontra em chamas. Chamas saídas dos canos das armas e dos archotes. Das armas saem balas que ceifam a vida das pessoas, e os archotes incendeiam o edificado. Uns e outros espalham o medo, o terror e a debandada. Por quem e porquê?
Nas linhas que seguem, responderei muito sinteticamente. A situação envolve muitos aspectos, e a sua descrição mais ou menos detalhada seria muito extensa, qualquer que fosse a fonte de consulta. Para a síntese, socorro-me da edição nº. 1384, de 17/7/2020, do jornal moçambicano SAVANA, opção de consulta aleatória.
As acções armadas são desencadeadas por um grupo interno, com origem em Moçambique, formado há treze anos, e denominado Al-Shabaab, vindo posteriormente a desenvolver alguma ligação ao Daesh. O início das suas acções armadas verificou-se em Mocímboa da Praia, em 5/10/2017.
Trata-se de um grupo inicialmente religioso, e “rejeitam o Estado secular e querem uma sociedade regida pela sharia, a lei islâmica”. Com o tempo, “operaram a mudança de uma seita islamita, para um movimento armado jihadista”. Poder-se-á acrescentar que na sua génese está também o descontentamento com o seu nível de vida, sentindo-se os macondes marginalizados pelas autoridades de Maputo. Tal, é fácil de entender se atentarmos que foi em Mocímboa da Praia que se iniciou a luta armada para a independência de Moçambique, que provavelmente terá sido Cabo Delgado a província que mais combatentes (guerrilheiros) terá fornecido à Frelimo, e dispor de várias riquezas – gás natural, rubis (pedra ornamentais), madeiras, pesca e condições turísticas naturais.
Esta seita/movimento moçambicano “nasce antes da descoberta do gás natural e do mineral rubi, em Moçambique, e antes da existência do ISIS e do EI (Estado Islâmico).” “O gás natural, o rubi, o EI e o Daesh influenciam a dinâmica da seita e da sua insurgência, mas não são as causas” da sua origem e da sua acção.
Estes insurgentes são constituídos por moçambicanos, eventualmente também por asiáticos, e por africanos dos países dos grandes lagos, “(principalmente ugandeses, congoleses e tanzaniano).
Os ugandeses e os tanzanianos visam “usar Moçambique como campo de treino para derrubar os governos do Uganda e da Tanzânia, onde querem impor a sharia. Terão escolhido Cabo Delgado por (esta província) possuir imensos recursos naturais capazes de financiar a guerra, como pelo facto de a província ter fronteiras porosas e fraca presença do Estado, para além de afinidades etno-linguísticas, históricas e religiosas com a Tanzânia”. As ligações com o EI manifesta-se com o facto de que “aquela organização terrorista internacional já inclui Moçambique na sua província da África Austral e lamenta-se que só este ano o Estado moçambicano tenha reconhecido essa ligação”.
Segundo a mesma edição do jornal SAVANA, estes três anos de conflito armado já provocou os seguintes deslocados: “250 000 em Cabo Delgado, 5 500 fugidos para Nampula, e 100 para Niassa”.
Para terminar, recorro a um vídeo (feito em Moçambique) que pessoa amiga me enviou de Portugal, em anexo a um email reencaminhado.
O autor (moçambicano) do vídeo desabafa sobre algumas situações em Moçambique que o desagradam e o preocupam, e que critica, situações decorrentes nomeadamente da situação bélica na província de Cabo Delgado e da actuação do governo moçambicano.
A canção (Vana va ndota) que consta do vídeo e que é musica de fundo deste artigo, entre outras situações, refere que as toupeiras (analogia com os homens importantes) cavam buracos nas machambas para elas e para os seus filhos, para se protegerem dos humanos, e neles vivem isolados do mundo à volta.
Entoando por trechos a referida canção moçambicana, trechos intercalados com a sua intervenção oral, o autor vai desenvolvendo a sua análise, criticando o governo por não informar as populações em geral e o povo maconde em particular. O autor atribui o silêncio do governo da Frelimo “… ou para não causar pânico nas populações ou por vergonha de reconhecer que não sabe lidar com a situação insurreccional …”, acrescentando que este silêncio abriu caminho a várias especulações.
Neste vídeo ressalta ainda:
– A surpresa (ou talvez já não o seja) que as suas conclusões/críticas nos possam suscitar, utilizando o analogismo entre o comportamento das toupeiras e o do poder dominante em Moçambique;
– A marginalização do povo moçambicano pelo poder governativo. No caso em apreço, a ausência de informação, em geral, e sobre a situação de guerra em Cabo Delgado, em particular. Logicamente, deve-se exceptuar a informação que possa perigar a segurança; nem tal informação é prioritária para as populações, mas sim as que têm a ver com o seu viver no dia-a-dia e a segurança das suas vidas.
Pierre Vilbró – Julho 2020
6 Comentários
Nelson Barata
Para mim, que não percebo nada de política e de geo-estratégia, parece-me que a solução reside numa mobilização dos cidadãos Moçambicanos em idade viril e que residem nas principais cidades que, ao invés de viverem de expedientes, tráficos e propinas, serem, obrigatoriamente, mobilizados para o Exército já que lhes cabe por obrigação defenderem o seu país de nascimento. Depois, talvez coordenados/comandados por estrategas militares versados neste tipo de conflitos.
Passaria também, por uma interventiva mudança da capital do Estado para uma região próxima do conflito, de forma a não deixar ao abandono população que vive a 2500/3000Kms do centro decisório. (Há que defender a riqueza emergente do subsolo). Tudo isto, estará efectivamente, dependente de ajustamentos no que respeita a comodismos e corrupção do poder instalado. Não sei se isto seria para mencionar
João Coelho
Jaime Barão, o apoio internacional não é desejado por quem governa e desgoverna aquele País. Se essa ajuda vier e for eficaz, vai descobrir coisas que, há quem não quer que se saiba. Não se esqueça que os distúrbios começaram a sentir se em 2017 e o próprio governo negava a sua existência e, quem tentasse apresentar evidências(leia se jornalistas), desaparecia. Foi ou não assim?
Guilhermina Martins
É com tristeza que digo… É O REVERSO DA MEDALHA.
Atrás de mim virá quem de mim bem dirá.
Jaime Barão
É com muita tristeza que vejo o que vai acontecendo em Cabo Delgado que bem conheci durante 24 meses. Hoje estão a pagar as orgias com que os comandantes foram comprados, e este problema começou há cerca de 4 anos, do governo ninguém deu ouvidos ao Tché de Montepuez, (chefe religioso) que alertou para o aparecimento desta seita. Moçambique não tem exército para guerra de guerrilha, e quem apoia os chamados insurgentes são as populações Macuas, A rivalidade tribal entre Macondes e Macuas é ancestral. Para quem passou pela guerra colonial sabe que quem apoiava a frelimo eram as populações que se encontravam nos aldeamentos. Não percebo primeiro a indiferença da ONU, assim como não percebo o não pedir ajuda internacional como fez o Sudão, Rep. centro Africana, Nigéria na luta contra o Boko Haram
Carlos
https://web.facebook.com/xirinda/videos/vb.100001157045364/2944864238895449/?type=2&video_source=user_video_tab
José Luciano André
Que mais dizer sobre Cabo Delgado? Tristeza para uma grande Província que conheço uma vez que vivi vários anos na fronteira – Namapa-Eráti com diversas deslocações a Cabo Delgado,diversos Concelhos .Infelizmente foi povo que nasceu para acabar tristemente apesar da riqueza no seu Distrito. Que surja uma recuperação breve é que muito sinceramente desejo.