Quelimane, Mais Um Ano De Vida
A 21 de Agosto, a cidade moçambicana de Quelimane, capital da província da Zambézia, comemora o seu aniversário. Desta feita, foram 79 anos de vida como cidade.
Para os que tendo nela nascido, para os que nela tendo vivido, e para os que nela continuam vivendo, o pretexto da data festiva certamente trará às suas lembranças um misto de sentimentos com natureza e profundidade variáveis de pessoa para pessoa. Tudo provocado pelos seus núcleos de convívio e de usufruto diário, como pessoas, locais, edifícios, hábitos e tradições, comeres, festejos, etc., e que ficaram para sempre gravados em suas memórias.
Recordando para todos esses quelimanenses aquela data festiva, transcrevo com a devida vénia dois textos que recebi de dois colegas-amigos. O primeiro, vem identificado como sendo o seu autor, António Barros, pessoa que não conheço:
“Quelimane, terra de paz, de bondade e acolhedora
A cidade que me viu nascer, Quelimane, comemora hoje o seu aniversário. Já se passam 79 anos desde que foi elevada à categoria de cidade. Cidade baixa e alagadiça, continua bonita, mas com algumas “rugas” próprias da idade. O seu crescimento desordenado contribui para o aumento dessas “rugas”. Contribui também para o aumento das suas mazelas o crescimento populacional, tornando-a mais rural que citadina.
“Quelimane, meu amor, tu és a minha querida cidade, rainha da Zambézia, terra de paz e de bondade” – estrofe da letra de uma música escrita por aquele que foi meu professor de canto coral, Tomás Firmino. Quelimane é, sim, uma terra de paz e de bondade, solidária, acolhedora e amiga, que aglutina todos com o orgulho de mãe que acolhe, protege e ama os seus filhos.
Falar de quelimanenses não é falar apenas dos que lá nasceram, mas sim de todos aqueles que, de um ou de outro jeito, se sentem ligados àquela cidade, quer tenha sido na infância quer na idade adulta. Eu falo-vos por experiência própria, com filhos nascidos em outras paragens que, tendo bebido a magia daquela urbe, depois de andarem por Maputo e outros lugares, optaram por fazer ali a vida e se batem por ela como se fossem quelimanenses de gema.
Os meus conterrâneos são alegres e gostam de festejar. Tudo pode ser um pretexto para um encontro de muitos. A comida surge quase por encanto, a bebida também, e, de repente, está toda a gente a bater os pés, numa dança qualquer para exprimir o prazer do convívio. Qualquer data pode servir de pretexto para essa famosa veia festeira. Tudo acontece naturalmente.
O peixe que o rio dos Bons Sinais – que por ali passa – nos dá, temperado com leite de coco e piripíri, e com mumbwacu (manjericão), faz as delícias do visitante. Mucapata, arroz de coco, chatini com todwe e a galinha à zambeziana deixaram de ser culinária local, e todos os moçambicanos deles se apoderaram. O mutchapawe e o soco-na-panga ficaram nas recordações da nossa meninice, quando, na temba, jogávamos à neca e ao narigote, ou à cabra-cega e ao lencinho-na-mão. Matago, micathe, sanana e madugudo, quem nunca provou não sabe o que perde. O togoma, chindu e mathiele são como os frutos do deserto – ásperos por fora, mas doces por dentro. Sura fresca, a sede mata em garganta seca. E que falar do uísque com água de lanho?
Visito regularmente a cidade que me viu nascer e, cada vez que lá vou, regresso com uma lágrima no canto do olho, pois sinto que Quelimane parou no tempo. Com apenas 79 anos de idade, está velha, desdentada, suja, cheia de rugas que a fazem tornar-se ainda mais velha. Parece-me cansada de viver. As casas não são pintadas, o lixo vai-se amontoando em todas esquinas e cria ratos, moscas, mosquitos, que trazem consigo várias doenças, como a malária, por exemplo. É verdade, ia-me esquecendo da anarquia dos ciclistas. Os vulgo táxis-bicicletas. É bonito de se ver centenas de bicicletas transportando cidadãos de todas as cores e feitios, percorrendo as artérias da cidade, dando vida à cidade. Mas eles têm de ser mais disciplinados e devem, acima de tudo, respeitar as regras de trânsito, para não correrem perigo nem porem em perigo os seus passageiros.
Mas nem tudo está perdido. Temos de continuar pensando no presente de Quelimane com um pendor para o futuro.
A terminar esta crónica, não poderei furtar-me à pergunta incómoda, porém necessária: será que todos os filhos da terra, muitos dos quais ocupam posições de destaque nos sectores económico, social e político estarão fazendo algo pela cidade que os viu nascer e de que tanto se orgulham? Será que Quelimane está orgulhosa de nós?
A pergunta não cala e incomoda. E é neste diapasão que quero dizer que há empreendedores quelimanenses que alcançaram o seu sucesso fora da cidade que, embora em pequeno número, procuram abraçá-la com o carinho que ela merece. Esses são e serão sempre bem-vindos. Contrariam a percepção de que muitos voltaram as costas à cidade-mãe, à semelhança dos filhos que, quando adultos, acusam os seus progenitores de serem feiticeiros e lhes querem mal. Como já existem bons exemplos, quero desafiar os restantes a fazerem algo pela nossa cidade para que a celebração dos seus 80 anos seja mais merecida, para que ela se apodere do carinho de todos os seus filhos. Com pequenos gestos e acções, Quelimane pode transformar-se, e contagiar outras cidades da província. Isso exige sacrifícios aos quelimanenses, suas e nossas famílias e suas instituições públicas.
Temos de ser optimistas e lutar. A esperança é a última a morrer. Temos condições para ombrear com outras cidades da zona centro e do país em geral. Entreguemo-nos com espírito de missão e de entrega à nossa terra, à nossa cidade. Temos de cantar novamente “Quelimane meu amor, tu és a minha querida cidade…”
Um bem-haja a todos aqueles que nos permitiram hoje com orgulho dizer: sou da cidade de Quelimane. Mwana muchuabo kankala buruto.
Um abraço fraterno de António Barros.”
Um vídeo que recorda Quelimane:
O outro texto, que passo a transcrever, é da autoria de outro dos meus colega-amigo:
“Meus sinceros parabéns à cidade de Quelimane e suas gentes. Vivi cerca de 3 anos marcantes da minha vida, com muita intensidade e felicidade 1971/4, pois acabei bebendo água de côco, poção essa que tem propriedades magnéticas e de encantamento. Pena as “rugas” acentuadas que já denota nos seus 79 anos, o que para uma cidade é pouco. Quelimane é jovem. Sofre da falta de capacidade e incompetência dos seus dirigentes, como acontece aliás um pouco por todo o País. Não se admite que a capital de uma província riquíssima se encontre no estado em que se encontre, e com gente pobre. Infelizmente, Quelimane regrediu no tempo. É o que se me oferece dizer neste momento, com muita tristeza minha, e reiterar os meus votos de feliz aniversário e… Que venham melhores dias…”
Fim de transcrições.
Veja o vídeo com a vista aérea da cidade de Quelimane em 2019:
Pierre Vilbró, Setembro 2021
2 Comentários
Ana Maria Teixeira Nogueira
Olá a todos
Nasci em Mocuba/Quelimane no ano de 1952. Mas morava em Munhiba e só em 1956
deixamos essa terra. Fomos viver para Lourenço Marques.
Saudades!
Luiz Branco
O Pierre que admiração…o país é hoje o quarto mais pobre do Mundo ( números de várias fontes). Mas continuam a votar nos que os conduziram aí. Good luck