EUSÉBIO: O PANTERA NEGRA FICOU COR-DE-ROSA!
Aqueles pés, que em mais de duas décadas aterrorizaram defesas e guarda-redes pelo Mundo fora, naquele dia tremiam. Decorria o ano de 1985. No Palácio da Ponta Vermelha em Maputo, Eusébio ia ser recebido pelo Presidente Samora. Nos bastidores, correra a informação de que antes, a estrela não tinha vindo assistir ao funeral da mãe, Dona Elisa, com receio de ser considerado um “traidor” e que poderia ser detido.
O “king” estava na expectativa, nos minutos que antecederam o encontro com Machel. O momento chegou. O Marechal, no seu estilo militar, saiu do seu gabinete e a poucos metros do local onde estavam os visitantes, exclamou:
– Eusébio, como te sentes ao regressar à tua terra libertada?
– Feliz, muito feliz, “hossi” (chefe).
Seguiram-se momentos de recordações, com a língua ronga a “baralhar” um pouco os jornalistas portugueses presentes.
– E como está a saúde da tua mãe? – perguntou o Presidente.
– A minha mãe faleceu. Fui hoje visitar a sua campa.
Desde logo ficaram desfeitos alguns equívocos. A certa altura, recordou o Chefe de Estado: “quando eu estava na guerrilha, o Presidente da Coreia do Norte, Kim Il Sung, disse-me: Ó Samora, ganha lá essa guerra aos colonialistas, para tirares de Portugal o Coluna, Hilário e o Eusébio. Imagina que humilharam a minha Seleção, que após estar a vencer por 3-0, acabou derrotada por 3-5, com quatro golos de Eusébio”!
O Pantera Negra, ficou cor-de-rosa. Não sabia que posição tomar: cruzava e descruzava as pernas, ao ponto de ter pontapeado e partido o cálice de champanhe que tinha à sua frente. Isso ocasionou um comentário do Marechal:
– Eusébio, estás em forma! O copo partiu-se à primeira. Fica tranquilo. Na nossa tradição africana, é sinal de sorte.
O que se seguiu foi um diálogo inesquecível, que envolveu a Flora, esposa do jogador e os jornalistas. O Presidente ofereceu uma casa e “ordenou” umas férias no Bilene. E foi dizendo:
– Tens que para cá vir com mais tempo, para visitares as províncias. É muito belo este teu país!
Clica no link seguinte (escrito a azul) para veres o vídeo:
CELEBRAR A VIDA DE EUSÉBIO
A vida do Pantera Negra foi com quase tudo pela medida grande. Homem de grandes emoções, detestava viajar de avião, mas acabou por se habituar. Gostava do seu “digestivo”, mas acabou por restringi-lo ao máximo, por recomendação médica. Até as emoções lhe passaram a ser poupadas, a partir do início da debilitação da sua saúde.
Porém, a vida deste conterrâneo é para ser celebrada. Marcou mais de 700 golos, chorou, riu, emocionou-se, viajou pelo mundo, foi pai de duas encantadoras (hoje) senhoras, teve uma esposa sempre ao lado e pelo menos um neto varão. Morreu aos 71 anos, quando todos esperávamos tê-lo por mais tempo. O choque foi muito grande.
Escrito, falado, “poetizado e endeusado”, Eusébio é agora uma lenda. Mas que não teve fim porque, como dizia o saudoso Carlos Pinhão, jornalista de A Bola, as lendas não têm ponto final.
PEQUENAS HISTÓRIAS DO “KING”
+ A transferência de Eusébio para Portugal criou uma novela entre Benfica e Sporting de Lisboa. A certa altura, um dirigente dos “leões” moçambicanos acabou dizendo: “Não se preocupem que pretinhos como aquele há por cá aos pontapés”. Enganou-se redondamente – dizemos nós!
+ Quando chegou a Lisboa, menino Eusébio usava um “fatito” da Saratoga e face ao inverno da Europa deu-lhe vontade de regressar. Chegou a escrever uma carta à mãe, dizendo que não iria aguentar viver na terra dos “mulungos”. Coluna teve um papel decisivo. O resto… Sobre a mesa foram colocados pelo Sporting 500 contos. Uma verdadeira fortuna na época. Tudo entre quatro paredes. Bastava colocar a assinatura, que as notas passar-lhe-iam para as mãos. Eusébio não assinou. Respeitou uma promessa feita à mãe, apesar de a oferta do Benfica ser bem inferior.
+ Costa Pereira, guarda-redes ido de Moçambique, após ver o primeiro treino do “king”, fez esta declaração: “amigos, um de vocês vai ficar desempregado porque este miúdo será titular. Eu sinto-me confortável porque ele não joga à baliza”. A profecia cumpriu-se. O sacrificado foi o avançado angolano Joaquim Santana.
+ Recém-chegado, o “king” assistiu a um treino do Benfica, a caminho de ser campeão europeu e disse para um colega que “comia banco”, o José Torres: “o Benfica é só isto? Nesta equipa eu jogo. Torres engoliu em seco e, ao jantar, foi dizendo: “vejam este macaquinho. Diz que tem lugar no Benfica. Eu, que estou há mais tempo e até me farto de treinar, ainda não consegui nem ser suplente”. A verdade é que Eusébio, logo no primeiro treino, colocou o técnico húngaro Bella Gutman de joelhos, virado para o céu, a agradecer a oferta divina de um ponta de lança cuja qualidade nunca tinha visto.
+ Fui em serviço a Portugal, o “king” prometera-me uma entrevista. Todas as tentativas a partir da pensão em falar com Eusébio não resultaram. Enviei mensagens telefónicas. O mesmo havia feito relativamente a Nito e Chiquinho Conde. Na minha ausência, os três deslocaram-se à minha procura. À noite, no meu regresso, os empregados estavam curiosos em saber quem era o “famoso” hóspede do quarto 23. Disseram-me: primeiro, veio um rapazito que joga no Estrela da Amadora, o Nito. Após isso, o Chiquinho Conde do Sporting, que até distribuiu autógrafos. Mas depois, o Eusébio??? Afinal… quem é o senhor?
+ Jantei em tempos com Eusébio e o “king” deu-me uma boleia. No meio do frio, nevoeiro, volante à direita, ultrapassagens, “pé pesado” da lenda do Benfica, eu estava apavorado. A viagem parecia durar horas, mas logo me tranquilizei. Pensei: “se eu morrer num acidente agora, pelo menos serei imortalizado por estar ao lado do… “King”.
Renato Caldeira – Julho de 2024
10 Comentários
Manuel Martins Terra
Eusébio a figura mítica do futebol português, quando em 1985 ou seja 10 anos depois da Independência de Moçambique,, viajou até á sua terra natal, era um homem amargurado pelo facto de ter perdido a sua mãe, a pessoa mais querida do mundo e que ele amava como ninguém, e foi visitar a campa onde foi depositada, quiçá para chorar lágrimas que ainda continha em si. Na minha modesta opinião o encontro com Samora Machel, foi simplesmente uma mera ação de propaganda do regime já em declínio, e atrevo-me a dizer que Eusébio nesse encontro , era de igual forma um homem triste e tinha pela frente o Presidente da República de Moçambique, que lhe decretou também a lei das nacionalizações , assim como a milhares de portugueses, extorquindo-lhe um prédio sito na Av. Caldas Xavier, que comprou com o suor do seu trabalho, que brotava do talento dos seus pés. Eusébio, ganhou honestamente o seu dinheiro e não roubou nada a ninguém. Assim sendo, penso que só um cidadão humilde como Eusébio, acedeu estar frente a frente com alguém que o prejudicou, e os sorrisos de ocasião não lhe apagavam o que lhe ia na alma. Concretamente, e falando agora da parte desportiva, Eusébio sempre foi um fervoroso apreciador do futebol italiano, chegando mesmo em 1964, a receber uma proposta tentadora por parte da Juventus, na ordem dos 25 mil contos, e uns dias depois foi a vez do Real Madrid, oferecer algo mais para o contratar. Nessa altura, sim o Estado Novo travou-lhe as aspirações. Em 1968, Eusébio e a sua mulher foram gozar férias para a Itália, a convite do Inter de Milão, com quem já tinha um pré-acordo, que estipulava à época um contrato de 90 mil contos, uma fortuna de sonho. Depois do brilharete dos “Magriços” no Mundial de 1966, Salazar que não ia à bola e pouco sabia de desporto, ´só lhe interessavam politicamente os êxitos desportivos, já não evidenciava de forma mais firme a sua intransigência quanto ao futuro do futebolista, contudo a Federação Italiana de Futebol, depois de ver a seleção transalpina ser afastada em 66, pela modesta Coreia do Norte, decretou a proibição de futebolistas estrangeiros no Cálcio. por tempo a determinar. O avançar da idade (hoje já não é tanto assim) e as lesões, acabaram só no fim de carreira por levar Eusébio até aos EUA, onde representou o Cosmos. Eusébio, sempre.
José Rafael Bento de Araújo e Silva
O KING foi o jogador de futebol que vi com remate mais mortífero. Aliava a potência do remate com a extrema pontaria. Além do mais era dono de uma técnica dinâmica ímpar: bola por ele adiantada ia sempre para o sítio em que ele chegava à dita primeiro que o defesa. Verifiquei que no final de carreira, jogando no meio campo, era exímio a meter a bola nos avançados, em passes milimétricos de trinta e tal metros. E afinal também tinha excelente finta curta.
Com um joelho deficiente a partir de 1966, ainda ganhou 1 Bola de Ouro e 2 Botas de Ouro. A segunda Bola de Ouro foi-lhe “roubada” pela votação num jogador concorrente por jornalista português imbecil, visto ter sido nesse ano o melhor jogador do mundo.
Apesar das lesões no joelho, Eusébio tem lugar naquela meia dúzia de excepcionais jogadores considerados os melhores de sempre. Não fosse isso sou de opinião que poderia ser considerado o melhor de sempre.
Serve este texto para repor a verdade sobre o contrato de Eusébio com o Inter de Milão que na altura era considerado a melhor equipa. Esse contrato era de longe o maior de sempre do mundo do futebol, à época, e o Eusébio só não foi para o Inter porque a federação italiana de futebol, nesse ano, fechou a entrada a jogadores estrangeiros. Não sei porquê passou para o domínio do mito essa história que foi o Salazar que não deixou. O ditador de futebol nada percebia e tão pouco ligava
josé carlos alves da silva
Tudo dito.
Ângelo José dos Santos
Depois de uma boa futebolada na praia da Polana, seguia-se uma boa cerveja geladinha num bar do Bairro do Triunfo e um pouco de conversa: Disseram que nesse dia estreava um miudo dos juniores do Sporting na equipa principal e fui ver, até porque era um Sporting/Desportivo. A defesa do Desportivo não largava o miudo, que só conseguiu dar tres pontapés na bola, só oue, duas grandes defesas do guarda redes e…um golo!!! “Fiquei vacinado”…
Nino ughetto
Bom! Não hê nada a dizer, é verdade que Eusébio foi um grande campeão. Para quem gosta de futebol é sempre agradável de falar de jogadores de talento. Eu, do meu lado, digo…. enfim foram outros tempos, é a vida “tudo passa tudo acaba “. Um abraço.
Pierre Vilbró
A conveniência, o oportunismo e a demagogia são procedimentos muito utilizados pelos ditadores.
A eventual homenagem ao Eusébio não é ingénua e foi conveniente ao aproveitamento da sua imagem e popularidade, numa altura em que o marechal ditador debatia-se com grandes preocupações e graves problemas na sua governação desastrosa, fruto de decisões erradas condicionadas por uma ideologia política retrógrada e castradora.
Ainda hoje Moçambique e os moçambicanos sofrem a s consequências.
Não há que ter medo das palavras, principalmente quando se é livre e descomprometido.
Pierre Vilbró
Pedro Múrias
Se Samora Machel era um Ditador, o que dizer de Oliveira Salazar, que proibiu Eusébio de se Transferir para o Inter de Milão, dizendo que Eusébio, era Património Nacional. E Quando A Inesquecível Seleção dos Magriços de 1966 Alcançou o Histórico 3 Lugar no Mundial de 1966, Salazar recebeu com Conveniência, Oportunismo e Demagogia, a Seleção, e como sabia muito de Futebol disse a Eusébio que o Gênio Moçambicano “Só Marcou Nove Golos!”
Orlando Valente
Sem duvida alguma que o encontro do Eusebio com o Samora Machel e de recordar… realmente a primeira figura (o Eusebio), mudialmente reconhecido comom uns dos melhores futebolistas mundiais, nascido em Lourenco Marques, (Mafalala), dedicou-se ao futebol e trabalhou imenso dentro do desporto para chegar ao palmares onde chegou. Quanto ao encontro com o Samora Machel, francamente nao vejo motivos de publicacao … na realidade foi um encontro casual, Samora Machel, AJUDANTE DE ENFERMEIRO, fugiu de Mocambique, aprendeu a por minas, dar tiros, uma pessoa ignorante, condecorou-se ele proprio a GENERAL, nao satisfeito condecorou-se A MARECHAL… e foi assim… Eusebio e recevido pelo Marechal. Nao culpo ninguem pela retumbante noticia, mas para muitos podera dar razoes de chacota… e como diziam na minha terra “CADA UM E COMO CADA QUAL… CADA QUAL E COMO CADA UM…. EVIDENTEMENTE!
LUIS BATALAU
SIM. EUSÉBIO FOI MESMO O MAIOR. SÓ NÃO FOI TRANSFERIDO PARA UM GRANDE CLUBE EUROPEU PORQUE O ESTADO NOVO NÃO DEIXOU. HOJE SERIA O SUPER!!!
Luis 'Manduca' Russell
Parece que ainda estou a olhar para a bonomia do nosso querido Eusébio, quando ele, em minha casa em Benfica (km 14 da Av. Moçambique), entre um ou outro copo com o meu pai, me dizia repetidamente: “Manduca, meu filho, ouve o que eu digo, não tenhas ‘duda’ nenhuma…’ Memórias felizes de criança…