Fedo: dançarino-rei da Marrabenta
Se a atribuição do epíteto de Rei da Marrabenta a Dilon Djinge ou a outros artistas pode levantar contestação e polémica, como músicos, em relação ao falecido Alfredo Caliano da Silva poucos discutirão a coroa de maior dançarino daquele ritmo… e não só!
Aos laurentinos mais velhos, o apelido Caliano, traz imediatamente ao pensamento duas coisas: a Mafalala e os músculos. Isto porque “os Calianos” no final da década 60 criaram, no coração do já citado e populoso bairro, um ginásio que superava nos concursos de ginástica e halterofilismo o Ginásio de Lourenço Marques, dotado de melhores condições.
Entraram, treinaram e dali saíram fortes, imponentes e musculados, para além do mentor – Armando Caliano (irmão do Fedo), Carlos Barral, Zeca Craveirinha, Gilberto da Conceição, Isaías da Silva e muitos outros.
Mas mais do que criar homens musculados, o ginásio da Mafalala representava um local de afirmação e luta anticolonial, uma mostra concreta de que os suburbanos, com menos meios, conseguiam melhores resultados que os “meninos bonitos” da cidade de cimento. Mas o Fedo, nado e criado no popular bairro onde Eusébio viu a luz do dia, apesar de não ter deixado – como ele dizia – de levantar algumas latinhas na sua juventude, tinha outras paixões: a dança, a ginástica, o futebol e o atletismo. Por esta ordem!
Dança: aptidão-mãe
Ginástica na Associação Africana,
atletismo no Sporting,
futebol no Munhuanense Azar, mas dança um pouco por todo o lado, preencheram a vida do Alfredo Caliano da Silva. Na Marrabenta era o rei, mas estava sempre pronto a demonstrar a sua mestria noutros ritmos. O sorriso, a simpatia e a facilidade em fazer amizades tornaram-no uma figura muito popular. E se é verdade que as suas habilidades lhe permitiam impor-se nas suas várias paixões, foi na dança que o Fedo se afirmou como um talento nacional. Começou muito cedo – fala-se na faixa etária dos 12/13 anos – e dançou a vida toda.
E mais do que isso, deu o melhor de si na transmissão dos seus conhecimentos às novas gerações, criando escolas de dança para crianças nos bairros periféricos, sempre com a indispensável companhia e apoio da sua esposa Elarne. Foram muitas as histórias de vida e de dança que conhecemos do Fedo, tantas que não caberiam nestas linhas.
E quantas mais ouvimos na residência do casal, a partir do grande número de pessoas que empreenderam uma autêntica romaria no último adeus a uma das figuras mais populares e emblemática do país. Era caso para se dizer, naquela altura e com propriedade, que quem não conheceu o Fedo não era laurentino!
A marrabenta uniu-os!
A sua esposa e companheira de mais de 40 anos de vida foi, quase em permanência, o seu par na Marrabenta. E também fazia atletismo. Chama-se Elarne Tajú.
Começou a dançar aos 8 anos e, aos 20, moça de dotes físicos “prendados”, ficou presa aos encantos do Fedo. E como tudo aconteceu? Nos concursos de dança, os menos dotados iam avançando, tentando demonstrar os seus dotes, até chegar a hora dos consagrados.
Dizia-se que o Fedo e a Elarne faziam batota, porque ensaiavam em casa. Será? A verdade é que tudo neles era harmonia, cadência de movimentos, sensualidade! Lindo, lindo, lindo! Soavam os primeiros acordes, a Elarne meneava as ancas, o Fedo fazia um compasso de espera, rodava sobre si próprio e o resto… acontecia. Eles deixavam-se conduzir pela música, com “soupless”, alheando-se de tudo e de todos.
Sem esforço, sem movimentos bruscos, com doçura! O desporto e a dança ocuparam grande parte das suas vidas, com a Mafalala – bairro que nunca abandonaram – sempre no coração.
Veja o vídeo seguinte:
Faleceu há uns anos (16 de junho de 2014). Em tempo de despedida, as palavras emocionadas da Elarne:
“Não devo ficar triste, porque ele era alegre e sempre disse que não gostava que nós sofrêssemos. Vou fazer o que ele sempre fez: tentar irradiar alegria, sobretudo aos mais novos”.
Renato Caldeira – Junho de 2021
2 Comentários
Marina
Sempre bom recordar… momentos e pessoas que pertenceram ao nosso passado. Obrigada
Marina Chang
Obrigado BigSlam adorei esta reportagem de ver todos os que marcaram uma época inesquecível, e mais ainda adorei ver a foto do meu falecido primo Gilberto da Conceição em pesos e halteres. Bem hajam 👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽🙏🏾🙏🏾