No reino das… “rapidinhas”
É pouco abordada, porque sensível, a área da prostituição. Em Lourenço Marques, hoje Maputo, a Rua Araújo, atualmente de Bagamoio, continua sendo o reino das rapidinhas. O negócio não se eclipsou. Apenas ganhou novos contornos. Os contactos que eram feitos à noite, agora, mesmo à luz do dia encontram espaço.
Recordar é (re)viver!
São 23 horas. Tempo de ir para a montra. Na chamada Rua dos Pecados, despem-se as capulanas e os lenços, surgem os saiotes curtos e transparentes que realçam o fio dental, destapando as pontas dos mamilos. Ancas e coxas ganham bamboleios, pois irão marcar a diferença, no exercício de atrair clientes. Tudo então se altera, do andar, ao falar… Todas são poliglotas, “spicando” do inglês ao alemão, misturado com changana e bitonga. Não há complexos nem inibições, pois os pontapés na gramática até são um modelo de atração.
O sol já se foi, mas o dia ainda é uma criança no reino, das bebidas ingeridas a contragosto, das danças e estilos forçados! As jovens vêm da periferia, a maioria à socapa dos familiares, muitas delas ainda na puberdade. Saem de casa como boas meninas, por vezes com mochilas de estudante, mas no “triângulo vermelho” operam transformações, vestindo o “fato de trabalho”. Aí, misturam- se com as veteranas. Os cabelos são tratados à medida das posses, desfrisados, substituídos por tissagens ou perucas… tudo, menos a carapinha original.
Ditadura da veterania
Nalguns “cabarets” da rua dos pecados, faz-se strip-tease. O serviço é atrativo e há proteção para os clientes, garantido por musculados, espalhados um pouco por todo o lado. É para lá que convergem os que não se importam de pagar por uma cerveja, mais do dobro do preço no “dumba-nengue”.
Há hierarquia, entre as mulheres. Por exemplo: as “aloiraçadas”, cujo porte, vestimenta e capacidade de impressionar, lhes garantem à partida o acesso aos mais “tacudos”, beneficiam da “cunha” dos seguranças e têm um esquema de relações públicas sofisticado.
Pelo seu estatuto, posicionam-se por detrás do balcão e observam, altaneiras, as concorrentes, usando um ascendente que não permite discussão, por várias razões: o inglês aprendido em muitas horas de “pontapés na gramática”, cá ou na terra do rand, a peruca tratada no cabeleireiro, os seios, imponentes, sobrando dos “soutiens”, a maquilhagem e a desenvoltura, conferida por vários anos no ofício. Gabam-se de ter conta bancária, apartamento e “taxeiro” privativos. Do seu amante de ocasião, já recebem por antecipação uma quantia para desfrutarem na noite. Não raras vezes, socorrem as “novatas” em situações aflitivas, não por solidariedade, mas para vincar diferenças e prevenir veleidades.
No mundo da prostituição, as regras e os escalões são como no futebol: sub-15, sub-18… e equipa principal. Com a diferença de que aqui, as veteranas no ativo são quem estabelece as regras e controla tudo. A concorrência é grande. E por vezes desonesta. O simples facto de alguém possuir uma tez mais clara, uma peruca loira, ou um casaco “chique”, dá-lhe ascendente. Afinal, todas estão ali em busca de um “jackpot”, o que significa um bolso farto, que permita mitigar a fome do dia seguinte e pagar a matrícula escolar dos filhos.
É assim a vida e a sorte das prostitutas na baixa de Maputo, onde as noites se transformam em dia e grande parte das normas que vigoram para lá “desse território” são letra morta. Inclusive, a deliberação governamental que interdita o acesso de menores a locais de diversão noturna. É normal verem-se moças com saias curtinhas, seios em maturação em rosto “imberbe”, exibindo o físico todas as noites.
O drama das taxas
Muitas quando saem de casa, apenas levam consigo míseros trocos para o “chapa”. O resto depende da sorte e da capacidade de seduzir parceiros. De permeio, há que ter em conta as taxas da longa noite, que começam onde se guardam as roupas, passam pelo pagamento a certos agentes de segurança e terminam nos “gangs” de bandidos que atuam mal lhes cheire a “mola”. Estes são os dramas das desfavorecidas, algumas delas que não fazem da prostituição um modo de vida, mas apenas uma forma de sobrevivência e que, nalguns casos, acaba por se tornar hábito, porque única alternativa antes de as rugas aparecerem e os seios se assemelharem a autênticas “sapatilhas”.
E quantas não levam de dia uma vida normal, como estudantes ou trabalhadoras, para, nos fins-de-semana fazerem o seu “biscate”?
Um outro escalão é o das não dotadas de encantos pela natureza, “semi-mamanas”, por vezes já com “pneus” na cintura. Sem encantos, procuram a concorrência através de outro tipo de estratégias, que passam por menores exigências e troca de favores na sua humilde dependência, de quarto e casa de banho. Trazem o parceiro pela madrugada e removem os corpinhos inocentes dos filhos, que dormitam de barrigas vazias.
Aí, cumprem a “função”.
Ponto alto é de madrugada
Com os corpos cansados e o álcool a atingir o timbre máximo, as que foram “contempladas” procuram desesperadamente atrair os amantes para longe da concorrência. As menos “sortudas” vão baixando o seu nível de exigências, ao ponto de uma sandes, uma cerveja e a eventual boleia para casa, poder valer uma “rapidinha”. Os sonhos do “jackpot” foram-se esvaindo com a noite. Nestes casos, fazem-se juras de amor ao companheiro de última hora, tentando recolher trocos para a salvação do dia…
Este afirma-se “desprevenido”, dá o que entende, sob promessa de novos encontros. Aí, a troca de números de telefones e mesmo de nomes, nem sempre são verdadeiros.
Fica a promessa de uma posterior partilha do leito.
Renato Caldeira – Junho de 2024
8 Comentários
Nino ughetto
Moçambique terra queimada…Bom livro, mas nào disse tudo. Um abraço
Manuel Martins Terra
O Renato Caldeira, trouxe á liça uma excelente reportagem revelando bastante perspicácia e frontalidade, ao abordar de forma elucidativa a realidade do reino prostituição que grassa na Rua Bagamoyo, outrora a Rua Major de Araújo, tão conhecida dos laurentinos e de muitos marujos e turistas. Todos sabemos que a prostituição é transversal a todos os pontos do globo e já há milhares de anos que tem atravessado todas as civilizações, contudo não é admissível que mulheres de idade avançadas e e moças de idade menor, que deveriam ainda estar a estudar se exponham ao engate, e tantas vezes sujeitas às sevícias sexuais e até agressões por parte de aventureiros e malfeitores, e tudo isto perante a cumplicidade e indiferença das autoridades, além de serem exploradas por proxenetas sem escrúpulos. Pelos vistos a artéria que todos conheciam como a mais noturna da cidade, apenas mudou de nome, mas desta feita o bulício em redor do negócio do sexo, começa logo pela manhã. A prostituição, salvo raras exceções é o espelho real de uma sociedade que se alheia da miséria, fome e outras necessidades básicas, por culpa dos seus governantes, a quem compete estimular a educação e promover o bem estar do seu povo. Para isso é que pediram o voto, mas depois o mais fácil é assobiar para o lado e os mais desfavorecidos continuarem abandonados. Ao Renato, um abraço pelo seu trabalho.
Carlos Hidalgo Pinto
A situação das jovens que frequentam essa rua, nao é boa, do ponto de vista sócioeconómico.
Alguma tradição cultural africsna, aponta para uma certa promiscuidade sexual. Daí o facto de alguns “sobas” adoptarem a filiação matrilinear, a fim de assegurar a sua linhagem.
Existem países em que os “clientes” desse estilo de vida, são presos e condenados.
Luis Craveiro Rebelo
Quando jovem, (década de 60/70), frequentei com alguma regularidade a Rua Major Araújo mas com um principal objectivo, Curtir aquele ambiente noturno, bebendo uns copos rodeado de amigos, e apreciar a vivacidade que se respirava naquela rua, transmitida pelos variadíssimos reclames luminosos aqui plantados. Se a noite fosse longa, terminava no “Chico do Bazar” com o melhor prego no pão da cidade de Lourenço Marques.
Orlando Valente
Houve quem escrevesse “MOCAMBIQUE TERRA QUEIMADA”… muitos anos se passaram, muitos anos de sofrimento do povo moçambicano não quero abordar este assunto porque o que tinha de escrever e de muito já sabido por todos nos. Edifícios em ruinas, as dificuldades de uma sobrevivência, denotam uma decadência do pais jamais vista… os animais do jardim zoológico morreram a fome… leva-me a crer que realmente “MOCAMBIQUE TERRA QUEIMADA’ foi algo de PROFETICO e com muita magoa vejo que a minha terra esta agonizando… e a reportagem “RAPIDINHAS, quando meninas da escola para sobrevivência própria e dos familiares, deixam enveredar por esses caminhos… é de lamentar… e chorar…
Nino ughetto
Olà; Depois de 50 anos no estrangeiro, tenho dificuldade na escritura, “desculpem:me”..é bem verdade o que dizes, mas nào é tudo… Nos vivemos uma época boa, certo que jà havia a rua Araujo,; a boite de nuit
” Aquario e o Pinguin, e outros, ..mas com certa decencia( mesmoo que nào houvesse nenhuma)Nos eramos jovens e é verdade que faziamos asneiras , mas era uma outra vida ,, nào sei dizer, mas era diferente do que se passa actualmente em( L.M) Maputo. é triste ,muito triste essa pobresa d’um Pais que era uma maravilha… As mulheres sào e serào sempre vitimas de (certos homens) que nào sào homens em nada ,a nào ser no sexo e na força do poder masculino ou politico..e assim vai o mundo…a decadencia Total d’um Pais corrompido….Poderia escrever ,pàginas inteiras ,mas o que serveria ??? O Pais està jà perdido…
LUIS MANUEL ANDRADE RODRIGUES BATALAU
Nunca fui frequentador da rua Araújo, embora lá tivesse passado muitíssimas vezes. Em todas as cidades existem zonas idênticaa cs. Tenho a certrza que hoje é muito pior. A corrupção, a miséria, a pobreza e a falta de cultura, concorrem necessáriamente para o descalabro, para a prostituição e para a violência.
luiz branco
Eisshhhh