Recordando Egipto 1991 “Ouro tão suado nunca perderá o brilho”
O ponto alto da nossa participação nos Jogos Africanos de 1991 foi o triunfo suado das meninas do basquetebol, derrotando o Senegal por 75-67. Sob orientação de Luiz Cezerilo, com a Esperança Sambo a marcar a diferença, as senegalesas não foram “pera doce”, o que propiciou uma das mais loucas noites de festa do desporto moçambicano além-fronteiras.
Foi a mais numerosa participação moçambicana nos Jogos Africanos, com a presença de 35 atletas.
A Seleção feminina brilhou ao mais alto nível, chegando ao ouro na noite de todas as loucuras. As nossas meninas realizaram 4 jogos, vencendo-os todos.
A NOITE LOUCA
Os moçambicanos que foram aos Jogos, mais alguns estudantes, estavam em Alexandria, na “noite louca” de todas as decisões. Com alguma perspicácia conseguiu-se ganhar o público local, que lotava por completo o Pavilhão, à espera da final masculina em que jogava a turma anfitriã diante de Marrocos.
Foi uma partida muito emocionante. Cezerilo, o treinador, coadjuvado por Vítor Morgado, alternaram sistemas, jogaram todos trunfos. Esperança Sambo e Aurélia Manave, cada uma ao seu estilo, eram as armas principais. Ao intervalo, o resultado estava a nosso favor, por 8 pontos de diferença.
Na segunda parte, a prioridade foi gerir, com sacrifício e entrega, a vantagem, face a uma equipa muito tarimbada e com uma média de alturas bem superior à nossa.
E quando soou o apito final, choveram abraços, beijos e… lágrimas. Marcelino dos Santos então Presidente da AR, fez “sair da cartola” umas garrafas de champanhe para um brinde em terra de abstémios.
Foi uma jornada louca, louca, louca. O regresso de uma parte da delegação, “residente” no Cairo, deu-se em ambiente festivo, numa noite que só acabou com o raiar do dia.
Enquanto há vida há esperança… Sambo! Escrevia um jornalista senegalês, especialista em basquetebol, que nunca os seus olhos haviam sido maravilhados por uma jogadora de estatura “txote”, tão imprópria para o basquetebol, como a que na altura era a base da Seleção Nacional: o seu nome? Esperança Sambo.
O Senegal era o “papão” da modalidade. De um lado, Luís Cezerilo e a sua turma. Do outro, quatro técnicos senegaleses e a sua forte equipa. As instruções eram simples: anular a base moçambicana como única forma de vencer o jogo e, consequentemente, a competição.
Moçambique ganhou. E de que maneira. Esperança marcou e desmarcou as colegas. Jogou e fez jogar. No final, já com o ouro ao peito, veio uma homenagem singela: a jogadora/base adversária, após ter sido completamente anulada pela moçambicana, foi buscar o seu fio de ouro e colocou-o no pescoço da moçambicana, como homenagem a uma atleta que, com muita lealdade, marcou a diferença.
“Flashes” da final
+ Mal começou a final feminina, a claque moçambicana destacou um líder: Simão Mataveia, basquetebolista masculino. E as canções que a claque moçambicana entoou, fizeram o público egípcio aderir. Gritou-se até à rouquidão. E perguntava-se na delegação: Porque não acontece isto nos jogos dentro do país?
Nos primeiros minutos a “coisa” esteve feia. As senegalesas não vinham para brincar. Mas Cezerilo também não. Nunca se sentou no banco, acompanhou toda a partida ao longo da linha, de tal sorte que numa ocasião esteve quase a intercetar um passe de Aurélia e, da linha lateral, tentar o cesto.
+ À medida que o jogo se aproximava do fim, os nossos batimentos cardíacos aumentavam. Ernesto Júnior capitão da Seleção masculina, da bancada, não se calava: “ó Aurélia, faz-te à falta. Joaquina olha os ressaltos. Telma, não vires as costas à bola”. A intenção era boa, vá lá saber se ajudou ou não…
+ Jorge Amade, treinador de pugilismo e conhecedor profundo das leis do boxe e pouco das do basquetebol, interrogava: “mas afinal quanto tempo dura uma partida de basquete? Vinte/vinte? Mas esta primeira parte já vai em 30 minutos”. E logo a seguir: “afinal vale dar cotoveladas? Joaquina dá-lhe um carolo”. E quando o Senegal empatou, veio a proposta: “vamos lançar no jogo o pugilista Lucas Sinóia, com uma peruca, e com indicações bem precisas”!
+ Amade Mogne (quem o não conhece),
tarimbado nestas andanças, numa altura em que o marcador nos era desfavorável, foi dizendo: “é sempre assim. Estas miúdas gostam de nos fazer sofrer. Mas enquanto tivermos a Esperança Sambo podemos dormir tranquilos. Ela vai resolver o jogo nos últimos minutos”. E resolveu, de facto.
+ Estamos a um minuto do fim. Há “pressing” das senegalesas, as nossas basquetistas trocam a bola, “queimam” os 30 segundos. Ernesto Júnior troca abraços e confidencia aos jornalistas: “já podem mandar o trabalho para a terra. O ouro é nosso”.
Renato Caldeira – 17.05.2021
2 Comentários
Manuel Martins Terra
Uma grande seleção nacional de basquetebol feminino, que nos jogos Africanos de 1991, realizado no Egito, conquistou a cobiçada medalha de ouro e elevou bem alto o nome de Moçambique. Um momento histórico, aqui evocado pelo Renato Caldeira, que com grande emoção descreveu uma noite que jamais será esquecida. Que o Basquetebol moçambicano, continue na senda dos grandes êxitos.
josecasilva20@sapo.pt
Lembro-me de muitos basquetebolistas, joguei no Clube Ferroviário de Quelimane e no Sport Quelimane e Benfica, com Jõao Domingues, José Luis Ven Den Berg, Flávio Figueiredo, Nelson Costa, Geneto, Bangú Ruas, Bélico, Ivo, Raúl Hassamo, Sérgio Oliveira, Chico Sobral, Chico Rafael, João Gonçalves, etc…..acompanhei sempre o basquete desde o Norte ao Sul de Moçambique Lembro-me de ver este nosso grande Amigo Samuel Carvalho jogar no Ferroviário de LM Lourenço Marques, vi muitos jogos derbys da capital, o Quen Guy da Académica, o Sporting, o Malhangas-Malhangalene, o Desportivo, etc…..o basquet femenino começava a ganhar estatuto….Parabéns às minhas conterrâneas campeãs….um beijo para todas ELAS, e para todos basquetebolistas com quem joguei e defrontei um ABRAÇÃO saudoso. Para si também Samuel, grande jogador. Bem Hajam.