As Minhas Memórias da Revista “Tempo”
A memória do coração elimina as coisas más e amplia as coisas boas, é que graça a este artifício conseguimos suportar o peso do passado”.
Gabriel Garcia Marquez
Tem-nos brindado o nosso “Bigslam” com memórias de um tempo que me traz à memória memórias de um saudoso tempo, vivido em Moçambique, que não volta atrás, apesar de António Mourão, na sua canção “Ó tempo volta para trás!”, proibida depois de 25 de Abril, tivesse tido essa ilusão.
A propósito do último “Baú das Memórias”, aqui publicado, sobre o jornal “A Tribuna”, ocorre-me a pessoa do fotojornalista Ricardo Rangel, já falecido, um verdadeiro “gentleman” que, anos mais tarde, viria a exercer essa função na revista “Tempo”.
De modo mais intenso, recordo o jornalista João Reis a quem devo uma dívida de enorme gratidão por ter publicado um artigo meu depois da revista “Tempo” se ter recusado a publicar várias cartas minhas em resposta a artigos por si publicados sobre o uso e costume do tratamento por “dr.”
Mais precisamente, em 14 de Fevereiro de 1971, mercê do espírito de justiça de João Reis, ao tempo director-adjunto do órgão de informação “A Tribuna”, conhecia a luz-do-dia o meu artigo intitulado: “Ainda a legalidades do tratamento por “dr.” ou uma estranha interpretação do código civil”.
Toda esta polémica teve como motivo o facto de eu ter defendido publicamente: “O que consigna o uso do costume do tratamento por Dr. não é, através da tradição escolar portuguesa, a obtenção, ‘stricto sensu’, de uma carta de curso universitária mas, ‘lato sensu’ a de um curso superior universitário ou não”.
E apresentava eu o exemplo dos diplomados pelas antigas escolas superiores de Medicina de Lisboa e Porto, anteriormente a 1911, cursos superiores não universitários (a exemplo do INEF, de Arquitetura, da Escola Naval e da Academia Militar ) que eram tratados por “drs.”, antes mesmo da criação da Faculdade de Medicina de Lisboa.
E para que todo este processo não ficasse no segredo dos deuses (ou demónios?) ou dos arquivos da revista “Tempo”, publiquei o livro (com uma edição de 1.000 exemplares que se esgotou em poucas semanas), com o sugestivo título “Sem conTEMPOrizar” e o subtítulo (1972): “A razão de um longo silêncio ou a minha resposta às revista ‘Tempo’ (e ao Sr. Rui Cartaxana)” .
Nesse meu livro de oitenta e tal páginas, na página inicial, transcrevi, intencionalmente, o seguinte:
“Chama-se liberdade de imprensa o direito exclusivo que têm certos potentados ou certos malfeitores, graças à sua fortuna ou às suas chantagens, de influir na opinião do país. O problema não está, evidentemente, em impedir a liberdade desses homens, mas em pôr a imprensa ao alcance de todos de maneira que os argentários não continuem a possuir o monopólio da opinião” (Raul Proença, “Seara Nova”, 1928).
Entretanto o mundo continuou a girar, passados anos, o meu querido amigo e antigo aluno, Paulo de Carvalho, encontrando-se em Macau, apresentou ao Dr. João Reis uma das minhas filhas aí a trabalhar como magistrada do Ministério Público.
Possivelmente terá vindo à baila a minha saga com a revista “Tempo” (Paulo Carvalho o poderá testemunhar).
Entretanto, se, porventura, o Dr. João Reis tiver conhecimento deste meu texto aqui lhe deixo a minha homenagem e o meu profundo reconhecimento a um Jornalista que não teve medo de enfrentar “argentários que pretenderam possuir o monopólio da opinião”.
E porque aberto “O Baú das Memórias” elas surgem em catadupa lembrando-me eu, com muita amizade e saudade, um amigo já falecido, Augusto Cabral, professor eventual de Educação Física (que dividia essa docência com a gerência da “Casa da Sorte”) na “nossa” “EIMA” e que viria a ser, depois da Independência de Moçambique, professor universitário e director do “Museu Álvaro de Castro” onde, antes de 1975, tinha sido reputadíssimo taxidermista seu irmão Fernando Cabral.
No meu livro, supracitado, escreveu Augusto Cabral, homem de cultura multifacetada, a seguinte apresentação (de que extraio excertos, pp. 11 e 12 do meu livro):
“No que respeita às motivações que levaram o meu Amigo Rui Baptista a publicar o seu trabalho compreendo-as cabalmente na medida em que, também eu, fui vítima do ´fair-play’ com que certos profissionais da Imprensa nos não permitem defender os nossos pontos de vista.
Mas, para além de tudo, existe a pessoa, o indivíduo, como elemento de uma classe e o que realmente conta sãos os aspectos positivos e válidos e o que também poderei afirmar, sem desmentido de quem quer que for, é que o Dr. Rui Baptista é uma personagem que tirou um curso superior, não para ter um canudo e à sombra deste se instalar comodamente numa secretária à espera do fim do mês, mas, sim, para exercer uma profissão que desempenha com honestidade e incontroverso êxito.
Não é de admirar, pois, que tenha defendido, desde que o conheço (e já lá vão um ror de anos, embora, ambos, ‘sejamos jovens’!) a sua posição em particular e das classe em geral. Defesa essa em que tem sido intransigente, mesmo quando luta sozinho e luta até ao último alento: até quando lhe falha o apoio daqueles que sobre estes assuntos se deveriam pronunciar e o não fazem, limitando-se a colher os benefícios, quando o há, da luta que ele tem travado.
O livro que ora publica é mais uma faceta dessa luta. Quem o ler que julgue da sua razão ou sem razão. Assim, seja capaz de o fazer de espírito aberto e sem ideias pré-concebidas. O que, na realidade, é muito difícil. Mas o autor merece-o. Garanto-vos!”
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E esta atitude prepotente do “Tempo” foi tanto mais insólita, porquanto, em nota da respectiva Redacção, era declarado, urbi et orbi, o princípio ético-profissional que anunciava essa revista como sendo intransigente. Reproduzo esse princípio ipsis verbis:
“Foi nesta altura que resolvemos mergulhar nos princípios que nos norteiam e aí encontrámos com facilidade a resposta: o que o nosso Leitor merece é Informação, é ser informado. Vamos por conseguinte a melhor informação possível”.
Ou seja, a exemplo do ditado português, “Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz”, a revista “Tempo” promovia uma censura interna tão horrenda e férrea, embora encapotada com falsos laivos democráticos, como o “lápis azul” dos coronéis da censura do Estado Novo!
P.S.: “Last but not least”, dedico, essencialmente, este esclarecimento a quem mais me interessa: os meus antigos alunos da EIMA. Alunos que, possivelmente, souberam deste caso apenas através da revista “Tempo” que silenciou a minha voz com cobarde mordaça . Mais do que alunos amigos dedicados que sempre tiveram a delicadeza de sentimentos de me não tocarem num assunto de que conheciam, provavelmente, apenas a versão da revista “Tempo”. Um abraço grato a todos.
4 Comentários
ivone rosa cagicaf
XXsaudades de saber de ti. Zé Não e a ivone rosa irmã do Victor rosa.
Madalena Baptista
Querido Pai, sempre tive uma representação tua como sendo alguém que não se conforma e argumenta de forma conhecedora, fundamentada e justa. Hoje, mais do nunca, valorizo essa tua qualidade, sobretudo quando confrontada com “inverdades ou meias verdades”, pois cresci a ouvir-te dizer, e muito bem, que uma meia verdade é, na sua esmagadora maioria, pior do que uma mentira. Nas minhas idas a Maputo (Lourenço Marques), quando passo pela atual rua Ahmed Sekou Tourè onde fica o prédio Invicta, o espaço da revista Tempo e onde nós próprios vivemos, não consigo deixar de visualizar o livro de capa amarela que escreveste na altura, pois embora ainda uma garotinha, desde logo percebi a importância da tua luta. O maior reconhecimento profissional que um professor pode ter é o e afeto dos teus alunos patentes nos comentários, e que nunca deixam de me emocionar e pensar se alguma vez marquei de forma tão positiva alguns dos meus 🙂
Rui Baptista
Querida Fillha:
A única herança que possuo para deixar aos filhos é essa que tu adoças com o teu carinho filial.
Diz-nos a “vox populi”: “Escola de pais, escola de filhos”. Tu, com o teu exemplo de vida esforçada em caminhos académicos que te conduziram ao Doutoramento pela Universidade Católica de Lisboa , foste mais além atrevendo-me eu a dizer que escola de filhos, escola de pais!
Mas (uma adversativa sempre presente em nossas vidas) porque os diplomas académicos , por vezes, nada dizem do carácter dos seus possuidores, tens dedicado a tua vida docente em prol do ensino em Portugal e Moçambique em verdadeiro sacerdócio que não conhece fronteiras, apenas a doação de espalhar a luz do Saber. Para além do que te escrevi aqui, fica muito mais por escrever.
Jose Joao Osorio Reis
José João Osório Reis Muito obrigado. É sempre bom ouvir falar dos nossos. Bem hajam.