Recordando o Professor de Educação Física Anastácio Sarmento
E francamente devo dizer que levantar trinta quilos em cada pulso, trepar a um quarto andar por uma corda, saltar a pés juntos um fosso com dois metros de largura, me parece, com relação ao domínio do homem sobre o mundo exterior, uma cousa tão importante, pelo menos, como fazer análise gramatical e a análise lógica de uma oração de Cícero”.
José Ramalho Ortigão (1836-1915)
Viveu Anastácio Sarmento a sua formação académica e múnus profissional num tempo em que só havia em Portugal três universidades, duas em Lisboa, uma em Coimbra e outra no Porto, com um acervo apenas de duas dezenas de cursos superiores. Coexistiam com elas cinco escolas superiores não universitárias: Instituto Nacional de Educação Física, Arquitectura, Escola Superior Colonial, Escola Naval e Academia Militar, todas com grande exigência curricular, prestígio e dignidade (cf., Decreto-Lei n.º 36507, de 17 de Setembro de 1947).
Licenciou o INEF nomes da cultura portuguesa de que destaco, a exemplo de outras vezes, como “primus inter pares”, o nome de José Esteves autor do notável livro: “O Desporto e as Estruturas Sociais”.
Outros nomes houve, numa altura em que se homenageia tantos medíocres e se olvida tanta gente de valor, que da lei do esquecimento têm sido vítimas, quiçá, pela interioridade das terras em que exerceram uma docência digna de louvor. Refiro-me, por exemplo, ao Professor Anastácio Sarmento, dando conta do seu percurso docente e homem do desporto em terra de Viriato, ainda que em breves pinceladas exigidas por um artigo de jornal. Assim:
Precocemente falecido em 1980, o professor de Educação Física, de seu nome completo Anastácio Campos de Aguiar Sarmento, licenciou-se, em 1955, pelo INEF, tendo exercido a docência na Escola Industrial e Comercial de Viseu com uma acção docente prestimosa reconhecida em várias e extensas reportagens e artigos jornalísticos laudatórios.
Em simultâneo, nas décadas 60/70, evidencia-se no desempenho dos cargos de presidente do Conselho Técnico e treinador regional de atletismo com resultados alcançados nas pistas regionais e nacionais de atletismo. Igualmente, responsabiliza-se pela organização de inúmeras provas para atletas federados e simples populares que aderiram a esta modalidade olímpica que se virão a inscrever nos clubes e centros escolares sob a égide da Mocidade Portuguesa.
É em consequência desta sua notável acção que em 1965 um jovem de fraca constituição física, rendido inicialmente à prática do futebol, experimenta a prática do atletismo sob a orientação do Professor Anastácio Sarmento. Era ele Carlos Lopes que viria a participar na sua primeira prova oficial, a corrida de S. Silvestre em Viseu. Nascia, quiçá, em baptismo dos deuses do Olimpo, a medalha de ouro portuguesa alcançada nos Jogos Olímpicos de 1984, em Los Angeles.
Em nome de personalidades para quem a gratidão não é palavra vã transcreve-se este comovente testemunho de Carlos Lopes (Programa da RTP, 1994, “Com peso e medida”, com Nicolau Breyner).
“Eu devo muito ao Professor Sarmento que, infelizmente, já faleceu. O Professor Sarmento, que era professor de Educação Física, é que me levou muitas vezes, mesmo muitas vezes, para a Escola Comercial onde me treinava, dava ginástica, fazia tudo, mesmo quando eu não queria ele mentalizava-me que era possível e que eu conseguia fazer. Desde o início, eu tive a sorte de encontrar pessoas à altura para poder singrar na vida!”
De uma vida plena de dádiva à sua profissão e falecimento de Anastácio Sarmento, quando muito havia ainda a esperar da sua docência, procuro respaldo em Fernando Pessoa:
O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem!”