José Manuel Ferreira Crespo de Carvalho e Sousa, nasceu em Nampula, em 03.04.1951, como os seus pais eram funcionários públicos, o seu pai Engenheiro Agrónomo e a sua mãe Farmacêutica, “percorreu” Moçambique de Norte a Sul.
Depois de Nampula foi ainda bebé para Quelimane, onde faleceu a irmã mais velha com apenas 4 anos por insolação na praia de Zalala, foram todos de seguida para o Umbuluzi, para a estação de investigação agrária, onde o seu pai foi director, a sua mãe foi colocada como directora na farmácia do Hospital e depois como inspectora do exercício Farmacêutico.
Aqui fez a 1ª e a 2ª classe na Escola da Estação Agrária. Aqui também iniciou a vida de atleta, pois a mãe era visitada por um nome grande do hóquei em patins, um dos irmãos Adrião que a convenceu a deixar os filhos treinar (ele e o seu irmão) nos “infantis” do Ferroviário. Tinham 6 e 7 anos respectivamente. Fizeram quase um ano de treinos e até diziam que tinham jeito para os patins…
No primeiro ou segundo jogo já mais a sério, Crespo deu um encontrão a um dos amigos “adversários” ele caiu sobre a tabela e partiu um braço com fractura exposta. Os seus pais que assistiam ficaram “aterrados” e aí acabou essa modalidade para os dois. Depois foram para a Beira, para a Escola Eduardo Vilaça onde fez a 4ª classe. Já na Beira, inicia a actividade desportiva no judo e na ginástica. José Crespo afirma: “Sempre era mais calmo.”
Entretanto o seu irmão foi atropelado na rua diante da casa onde viviam e morreu. Já andavam no Liceu Pêro de Anaia no 1º e 2º ano. Continua no judo (cinturão laranja) e na ginástica. Vieram a Lisboa numa licença graciosa (quase um ano) e José Crespo vai para a natação no Algés e Dafundo e faz judo, sendo treinado pelo Mestre Japonês – Kobayashi.
Fez o seu 2º ano no Liceu Camões. Voltam para a Beira, novamente para o Liceu Pêro de Anaia e novamente para a ginástica e judo. No Liceu participava sempre nos jogos com bola (futebol de salão, andebol, vólei e até basquetebol (onde não tinha jeito nenhum, era sempre corrido com as 5 faltas em pouco tempo).
O grande Prof. de Educação Física Dr. Loriente Pereira só gostava de ginástica, onde constituiu uma classe especial de ginástica, com grande êxito, mas não ligava aos outros desportos. Com 14/15 anos um dia José Crespo com uns amigos do Liceu a caminho de um jogo no campo do Ferroviário, viram que havia um torneio escolar de atletismo da MP no campo do SLB e foram lá espreitar. Alunos do Liceu a competir nem um, pois não tinha sido divulgado tal evento. Como o Dr. Loriente era só ginástica e quando muito vólei era natural. Quem organizava esse torneio era o Prof. de Educação Física da Escola Técnica conhecido pelo Sr. Tenente, marido da grande Prof. de Matemática Dr.ª Fernanda Estrada. Como o conhecia bem, foi lá perguntar se eventualmente poderiam entrar pelo Liceu no torneio. Não tinham ali equipamento algum, nem tão pouco as camisolas do Liceu. Como se andava sempre de calções e de sapatilhas, perguntaram se poderíamos entrar assim mesmo (com a roupa que tínhamos vestido).
Só um do grupo levava camisa é que teve que pedir emprestada uma camisola. Assim entrou José Crespo nesse mesmo instante na prova de 60 metros juvenis e lançamento de peso e um colega no salto em altura e comprimento. Tudo com roupa de rua!!! No dia seguinte lá entraram com as camisolas do Liceu que foram buscar à escola. José Crespo vence os 60 metros e os 150 metros e fica em 2º no lançamento do peso. Um outro colega – Luís Rodrigues ganha o salto em altura e comprimento e um outro ganha os 3000 metros.
O director na altura dos caminhos de Ferro da Beira e por inerência do cargo presidente do clube Ferroviário, Eng. Duarte Silva que era amigo do seu pai, veio falar com o Crespo para começar a treinar no Ferroviário, onde havia já lançado a secção de atletismo. Foram colocadas dúvidas quanto à obtenção de autorização pelos seus pais, mas ele prometeu que iria falar com eles e assim foi. Quanto à ida e vinda do treino estava assegurada pela carrinha do clube que faria esse serviço.
Passa a treinar no CFM e a ter como treinador o Sr. Vasconcelos Tavares e o Cap. Herman Shults. Como colegas de equipa, as irmãs Manaca (Angélica e Helena) a Kathleen Binda, a Maria João, a Eulália Mendes, o Armando Amendoeira, o Fausto Archer, o Chico Ferreira e muitos outros… Passados 15 dias houve umas provas onde bate então o recorde provincial de juvenis. Assim, 6 meses depois de começar a treinar foi duas vezes a LM, uma num torneio provincial da MP e outro no Provincial de atletismo no estádio do Desportivo. Neste provincial ficaram instalados no Hotel Universo, mais conhecido pelo “Mira mortos” (por estar situado em frente ao cemitério).
Nessa noite choveu torrencialmente e pela manhã foram ao estádio onde a pista estava completamente ensopada. Não poderia haver provas com a pista (de cinza) naquele estado. Um dos dirigentes (Silva e um outro) tiveram uma ideia luminosa: foram buscar uns jerricans de gasolina e todos colaboraram a espalhar a dita gasolina pela pista, especialmente onde havia poças de água. Atearam-lhe o fogo e quando a gasolina acabou as pistas já estavam razoáveis. Lá se fez a cerimónia da abertura dos provinciais e o Sol Africano fez a secagem complementar das pistas, à tarde começaram as provas como o previsto.
Neste provincial fala várias vezes com o Sr. Matos, que o convidou a treinar com ele, quando viesse para a Universidade. Dois anos mais tarde vem para a faculdade de Medicina, foi ter com o Sr. Matos que era treinador da A. Académica Moçambique e que treinava no Parque José Cabral. Era perto da Faculdade e perto de casa. Treina ainda na rua do antigo Sheik (havia um conflito qualquer na utilização das pistas do parque) e os “balneários” eram numa vivenda nessa mesma rua. Mais tarde começaram a treinar nas pistas do Parque. Foi por isso atleta da AAM mesmo depois do Sr. Matos ter deixado de ser o treinador oficial. Compete sempre nos 60, 80, 100 e 200 metros e nos 4X100 nos torneios “internacionais” e nos campeonatos até 74, com algumas pequenas ausências, quando os exames apertavam.
Relato de uma história contada por José Crespo: “um belo dia ao chegar ao parque onde se ia realizar um torneio o Sr. Matos vem falar com o José Crespo para integrar a estafeta de 4X400 pois um dos habituais da selecção estava doente e não poderia correr. Nunca tinha corrido em competição os 400 metros, mas tinha que ser. Foi o primeiro a partir e lá foi a todo o vapor até aos 300 metros e muito bem colocado, aí acabou-se a gasolina, mas tinha que fazer a reta final (junto às bancadas), só ouvia ao longe os incentivos do público e colegas, mas as pernas só andavam por automatismo, via a pista parada e ele a andar para trás. Mesmo assim entregou o testemunho não muito atrasado em terceiro lugar.
Ganharam a prova graças aos outros, especialmente ao José Magalhães que foi o último dos 4 e que limpou o atraso. Foi arrastado para o meio do relvado a ver tudo em duplicado e a sentir o coração a bater a mil. Só ouvia o Senhor Matos a dizer-lhe “não pares não pares”. Lá recuperou ao fim de uns minutos. Disse logo que nunca mais correria os 400 metros.
Em 1971 fez o curso de juiz árbitro e de monitor de atletismo. Fez parte igualmente da Associação de Monitores de Atletismo de Moçambique, onde o grande animador era o Prof. António Vilela.
Ainda na Beira joga também futebol que o atraía e porque os juniores do Ferroviário tinham necessidade de um jogador, que corresse rápido pelas laterais, como defesa direito. Começa, portanto, a jogar futebol a defesa direito a convite do treinador dos juniores da altura o Sr. José Lomba (Zeca Lomba) que era capitão da equipa de seniores. Joga nos juniores três épocas. Na equipa jogavam o Zeca Ribeiro (veio para o Sporting), o Francisco Ferreira (seu parceiro no atletismo), um irmão Manaca Dias e o irmão mais novo do Nené. Nas outras equipas jogavam, o Shéu e o Nené (S.L.B e Ferroviário da Manga), o Borralho, o Toninho Almeida, o Ratinho (veio para o Benfica, depois do Nené) ….
Foi depois convidado a ser “treinador/seccionista” da AAM, aceita e treina muitos atletas. Foi também professor eventual de Educação Física no Liceu Salazar a partir do ano de 1970, onde o professor efectivo era o Prata Dias. Forma uma secção de atletismo nesse Liceu e de aí saíram alguns bons atletas. No escalão de juvenis ainda conseguiram várias vitórias.
Na época convive e faz amizade com vários professores de Educação Física, entre eles o Prof. I. Tadeu, o Prof. Rui Baptista, Prof. Boaventura e de outros que já não se recorda do nome.
Casa em 13 de Setembro de 1974 em LM, com uma colega e vem para Portugal em finais de Junho de 1975. Já em Lisboa ainda tenta treinar, mas a vida não permitiu…
Resultados do atleta:
1967
04.06.1967 – Desporto Escolar
60 m Juv. – 1º lugar – 8,0 seg.
25.06.1967 – Torneio da Associação dos Desportos da Beira
80 m Juv. – 1º lugar – 9,7 seg.
250 m Juv. – 1º lugar – 33,1 seg.
05 e 06.08.1967 – Campeonatos Provinciais de Atletismo Seniores e Provas extras em L. Marques
80 m – 1º lugar – 9,7 seg.
250 m – 3º lugar – 32,5 seg.
24.09.1967 – Torneio Regional de Iniciados e Juvenis
80 m Juv. – 1º lugar – 9,7 seg.
250 m Juv. – 1º lugar – 33,0 seg.
06.12.1967 – Festival de Homenagem a atletas e aos Pioneiros do Atletismo na Beira”
José Crespo – Prémio de Juvenis Masculinos.
08.12.1967 – Festival de Homenagem aos Pioneiros do Atletismo
60 m Juv. – 2º lugar – 6,9 seg.
15.12.1967 – Torneio de Atletismo na Beira
80 m – 1º lugar – 9,2 seg.
250 m – 1º lugar – 32,6 seg.
1968
21.07.1968 – Torneio Regional de Juvenis
80 m – 1º lugar – 9,5 seg.
250 m – 1º lugar – 32,6 seg.
11.08.1968 – Provas Abertas
80 m Juv. – 1º lugar – 9,5 seg.
14.08.1968 – Campeonatos Regionais de Juvenis
80 m – 1º lugar – 9,5 seg.
23.09.1968 – Festival “Fausto Archer”
80 m Juv. – 1º lugar – 10,0 seg.
21.10.1968 – Torneio “Primeiro Passo” e Provas Extras
80 m Juv. Extra – 1º lugar – 9,2 seg.
27.10.1968 – Pré-Critério e Provas Extras
80 m Juv. – 1º lugar – 9,5 seg.
21.12.1968 – Entrega dos CAA
José Crespo – CAA
1969
05.05.1969 – Corta-Mato de Juniores (5.000 m)
José Crespo – 6º lugar
13.07.1969 – Torneio de Abertura
100 m – 1º lugar – 11,9 seg.
28 e 29.09.1969 – Dia do Recorde
100 m – 3º lugar -12,1 seg.
Em Lourenço Marques quando veio estudar para a Universidade e em representação da Académica de Moçambique sob a orientação do Treinador António Matos.
1970
02 e 03.05.1970 – Torneio de Abertura
100 m Jun. – 2º lugar – 11,7 seg.
200 m Jun.- 2º lugar – 24,5 seg.
09 e 10.05.1970 – Torneio Aberto de Inscrição Livre
100 m Jun. – 1ª Série – 2º lugar – 11,7 seg.
4×100 m (AAM) – 2º lugar – 45,8 seg. – (Luis Oliveira, Vitor Campos, Amir Amuza e José Crespo)
20 e 21.05.1970 –Torneio Internacional com a Equipa da Suazilândia
100 m – 1ª Série – 4º lugar – 11,8 seg.
23.05.1970 – Provas Abertas
4×100 m Jun. – AAM – 2º lugar – 45,9 seg. – (Soares Mendes, Victor Campos, Amir Amuza e José Crespo)
06,13 e 14.06.1970 – Campeonatos Regionais de Juniores
100 m – 2ª Série – 2º lugar – 11,5 seg.
Final – 4º lugar – 11.5 seg.
200 m – 2ª Meia/Final – 3º lugar – 23,9 seg.
Final – 5º lugar – 23,8 seg.
20 e 21.06.1970 – Torneio Internacional com a Escola de Potchestroom (Africa do Sul)
100 m Jun. – 1ª Série – 2º lugar – 11,6 seg.
Final – 3º lugar – 11,6 seg.
200 m Jun. – 2ª Série – 3º lugar – 24,2 seg.
Final – 2º lugar – 23,8 seg.
4×100 m Jun. (AAM) – 2º lugar – 45,3 seg. – (Luis Oliveira, Vitor Campos, José Crespo e Soares Mendes)
04.07.1970 – Provas Abertas
100 m Jun. – 2º lugar – 11,5 seg.
25.07.1970 – Provas Abertas
100 m – 4º lugar – 12,0 seg.
200 m – 4º lugar – 23,9 seg.
1971
22 e 23.05.1971 – Taça Fozia Cassamo
100 m – 2ª Série – 1º lugar – 12,0 seg.
Melhores marcas e resultados de José Crespo:
60 m – 7,2 seg.
80 m – 9,2 seg.
100 m – 11,5 seg.
200 m – 23,8 seg.
250 m – 31,5 seg. – Recorde de Juvenis.
4×100 m (AAM) – 45,3 seg. – (Luis de Oliveira, Vitor Campos, José Crespo e Soares Mendes)
José Crespo nos Encontros de Antigos Atletas do Atletismo de Moçambique
I ENCONTRO (07.04.2012 no Restaurante 100 Maneiras do Clube Nacional de Natação)
II ENCONTRO (27.09.2014 no Clube de Ténis de Carcavelos)
IV ENCONTRO (20.05.2017 na Bateria das Lajes da Associação de Comandos em Paço de Arcos)
- José Crespo foi entrevistado pelo BigSlam e oportunamente será publicada neste nosso “Ponto de Encontro!” – www.bigslam.pt
4 Comentários
Manuel Martins Terra
Mais um atleta que Victor Pinho, nos trouxe à lembrança, expondo o seu currículo e trazendo-nos ao conhecimento as adversidades que envolveram a família do José Crespo, um atleta que mostrou a sua fibra no sentido antes quebrar do que torcer . Parabéns, Victor Pinto, por mais esta citação.
Victor pinho
Manuel Terra obrigado pelo seus comentários. Um abraço
ABM
Excelente apresentação. Que odisseia a do Zé.Lamento a tragédia pessoal com os irmãos, que me deixou de boca aberta. Adicionalmente, gostava de saber mais sobre o que aconteceu depois da Debandada. Costuma ser a parte mais complicada e não menos impactante dos nossos percursos e a menos falada (talvez por isso). Mas não menos relevante. Eu sei o que foi comigo e não foi bonito, se bem que no meu caso acho que mais ou menos naveguei entre os pingos da chuva.
ABM
Victor pinho
É dificil pedir aos ex-atletas que nos relatem a sua partida de Moçambique e o que foram o anos depois da saída.