25 de Abril_E Depois?!
40 anos depois, a Câmara Municipal do Porto opta por festejar a conquista da liberdade com uma mostra construída a partir do célebre cartaz da pintora portuguesa, Maria Helena Vieira da Silva, radicada em Paris, a partir de onde sentiu o cheiro dos cravos e o respirar da liberdade.
Aos quarenta e seis anos, tento reprojectar o 25 de Abril através da «mulher, o mais sublime dos ideais», segundo Victor Hugo de Paris (França), e mau grado tudo isto, o gosto ainda de preservar cá dentro uma diligente e eterna saudade do Futuro!
O mote é dado pela pena imaculada de Sophia de Mello Breyner, que adornou magistralmente o sentir de um povo inteiro naquele dia:
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo.»
Agora, indeleve e profundo, o ontem, o hoje e o amanhã, chegados aos 40 anos da data, um retrato do País para memória futura, «Dos Desmemoriados da História», por Ana Cristina Leonardo (in Expresso_18Abr14):
«_Isto afinal terá sido tudo um grande equívoco. Como naquelas peças teatrais em que há sempre gente a aparecer e a desaparecer de cena. Segredos, mal-entendidos, quiproquós. Cómedia de enganos. A miséria nunca existiu. A guerra nunca existiu. A PIDE nunca existiu. Se descontarmos o facto de não se poder falar de politica (e quem é que quer falar de política?), até nem seria mau. Não havia barbudos (apesar das mulheres terem bigode), não havia greves no Metro (e isto depois de aparecer o Metro, lá para 1959…), não havia crianças obesas (e quem é que vai engordar com uma carcaça de marmelada, que doces só em Badajoz?). A paisagem era paradisíaca. É verdade que muitos estrangeiros notavam as gentes de pés descalços, a falta de esgotos, a escassez das estradas, a rudeza do trato. Mas o que é isso comparado com a virgindade de um planalto com vista, ou bucolismo de uma praia sem ninguém à vista? Machismo? Mulheres maltratadas, humilhadas, espancadas? Ora! O José Cardos Pires foi um excelentíssimo exagerado quando escreveu “O Delfim”. Fome? Corrupção? Ora! Então não eram os políticos de antanho mais sériso do que os de hoje em dia, que aquilo de passarem do governo da nacção para o governo dos bancos era por mérito e aptidões comprovados? A fazer 40 anos o 25 de Abril –e já faltou mais para chegarem aos mesmos do 5 de Outubro (tudo morto e enterrado, incluíndo esta que vos escreve) -, eis-nos enfiados de cabeça no caldeirão revisionista da História. E se antigamente era mote de taxista, o “antigamente é que era bom”, pois agora até Durão Barroso veio lá da Europa lembrar a cultura de excelência dos tempos da outra senhora. Evocou o homem os princípios de “exigência, rigor, disciplina, trabalho” (que ele recorda perfeita e naturalmente, do alto dos seus 58 anos), a um passo de tropeçar, não fora a réstia de decoro que compõe a falta de vergonha, no “Deus! Pátria! Autoridade!” e assim sucessivamente, como diria o João César Monteiro, que sempre era um bocadinho mais velho. Quanto ao analfabetismo disse nada, e sempre atingia quase 30%, corria a década de 70, andava o Durão Barroso no Liceu Camões, esse Olimpo de excelência a que acediam os eleitos, que isto da democracia sempre era uma chatice que “uns safanões dados a tempo” substituíam com evidente eficácia, garantia sabiamente Salazar. E assim chegámos aos 40 anos da data.
Classistas como sempre, retrógrados e sem memória.»
Admirável prosa, o Portugal no Estado Novo, ao Democrático Estado de hoje, vale a pena reler e sugar o tutano a tão distinto e meticuloso escrito. Bem haja, Ana Cristina, sou fã!
Para terminar, a história de Carolina, 30 anos, nascida em Hamburgo, na Alemanha da senhora Angela Merkel, filha de pais emigrantes, mas ainda bébe chegou a Aveleda, Bragança, Trás-os-Montes, coração da Terra Quente. Estudou no Conservatório do Porto e no Ciclo Portuense de Ópera, canto lírico. E agora canta fado, o nosso fado, e encanta com o «Bairro Divino», descarregando fortemente a pura e límpida mensagem, que espelha o tempo que corre desenfreado, voraz, a ditadura dos mercados:
A revoltante maldade duns poucos
Espalha o ódio à sua volta
E faz da terra um inferno de loucos
Onde a razão se revolta!»
Afinal de contas isto anda tudo ligado, uns partem lutando para vencer, outros regressam lutando para vencer (tudo porque a Carolina lembra o melhor do antigo, acrescentando a modernidade que agora sentimos vontade de escutar, in Antena_1, «Os Dias da Rádio»), como dantes, talvez hoje, também o hoje, 40 anos depois, a poesia continua na rua!
A poesia está na rua, ela continua pela rua, continua no nosso ponto d’encontro, com um deslumbramento e prenúncio bom, sentido e audaz de Pedro Barroso, «Longe D’Aqui»:
Por isso, amar mais e diferente.
_Viver mais e diferente.
_Exigir mais e diferente.
_E lembrar os heróis esquecidos que diariamente arrostam o peso milenar da Cultura Portuguesa, ao sabor de um viver sem subsídios que lhes sai do suor do rosto, mas mãos, do sono e do pensamento.»
Então, 25 de Abril_Sempre!
Aos beijos e abraços, PauloCraveiro_oBispo, v/Devoto Incensador de Mil Deidades_25Abr14.
Um Comentário
Carlos Hidalgo Pinto
Foi um momento de democracia que instituiu a liberdade (de expressão, associação e de eleições livres), o que implicou a necessidade de construção do edifício legal democrático, de levar a cabo um processo reformista, baseado nos poderes político, executivo e legislativo, assim como no poder judicial. Entretanto a descolonização que deveria ter acontecido uns 15 anos antes, foi um não-momento para muitos portugueses. Nessa altura, O Centro da Europa continuou a olhar o País como periferia, em vez de ter aplicado logo, um Plano Marshall, de maneira a compensar e reparar as centenas de milhares de pessoas, sujeitas a um êxodo forçado. Neste momento é imperativo haver desenvolvimento, sendo língua portuguesa algo de importante na actual fase de globalização e de interdependência em que nos encontramos.