A XENOFOBIA
Em plena campanha eleitoral parece haver indícios de atitudes xenófobas. Estava em crer, porque vivi de perto esse fenómeno, que isso acontecia na África do Sul. Certamente que estamos todos recordados do que aconteceu em Maio 2008. Centenas de moçambicanos e cidadãos de outras nacionalidades, nomeadamente zimbabweanos e oriundos da região dos Grandes Lagos foram alvo de ataques bárbaros (espancados, agredidos com catanas, e queimados com gasolina de alto teor de inflamação, etc.) perpetrados pelos negros sul africanos e que resultaram em 42 mortos e centenas de feridos.
Recordo-me de na altura, na companhia do Embaixador Fernando Fazenda e do Ministro dos Negócios Estrangeiros Oldemiro Baloi, ter visitado os locais de refúgio dos atingidos que eram acusados de traficar drogas e de tirar os empregos dos sul africanos, num País onde o desemprego e a pobreza extrema afectam 40% da população, percentagem bastante elevada se compararmos a cifra deste indicador com a do Japão, que é de 4%. O desemprego na África do Sul deixa naturalmente o executivo de Jacob Zuma muito preocupado.
Na altura e recordando-me agora das entrevistas que fiz, os nossos compatriotas deixaram ficar registos sonoros que ainda hoje faço questão de mantêr no meu arquivo pessoal, da inusitada e requintada barbárie que estavam a ser praticadas.
A xenofobia parece estar a acontecer entre nós, a julgar por um informe, em jeito de comentário, que foi publicado pelo meu amigo e colega Lázaro Mabunda e que transcrevo com a devida vénia:
“Delegado do MDM em Nacala fez um discurso assustador para quem quer conquistar o voto do eleitorado. Disse que os moçambicanos em Nacala compram açucar, arroz e outros bens aos congoleses, malianos, etc … em detrimento dos cidadãos moçambicanos. Um discurso xenófobo, que incita xenofobia. Um delegado não pode fazer um discurso xenófobo como este. Este delegado assusta. Em Moçambique há lugar para estrangeiros. Temos de respeitar os estrangeiros, porque também os nossos compatriotas no estrangeiro são respeitados. O que o delegado do MDM deveria fazer era dizer-nos como irá fazer por forma a que os moçambicanos tenham a mesma competência nos negócios que esses estrangeiros.”
Mas pelos vistos as coisas não se ficam por aqui. Uma senhora, de seu nome Caroline Ennis, cuja nacionalidade desconheço, relatou um facto que ela viveu, em Ricalta (Marracuene) por alturas da Facim. Diz ela que “esta linguagem constitui discurso de muita gente. Não é só dos membros dos partidos políticos. No dia em que fui à Facim verifiquei dois casos separados de indivíduos estrangeiros que eram afastados dos locais onde exerciam a sua actividade de venda informal, com frases como esta: vai para o teu País”. Eu fui uma das visadas. Um outro senhor atingido com atitudes de xenofobia foi um cidadão de nacionalidade portuguesa.”
Quero acreditar que estes foram casos isolados. Nem por isso deixam de ser negativos e preocupantes. É dever do Estado garantir a integridade física, patrimonial e moral a quem esteja a viver (temporariamente ou com carácter definitivo) dentro das suas fronteiras nacionais. Se me basear no Cristianismo, maltratar estrangeiros, constitui um dos pecados capitais, a par de maltratar viúvas, maltratar as crianças e órfãs e não pagar a quem tenha trabalhado para nós. Amanhã esta profunda apatia em relação aos estrangeiros, pode virar uma bola de neve. E quando dermos por ela, é capaz de ser tarde.
João de Sousa – 17.09.2014