COLOCAR O GUIZO NO GATO
Há coisas que não consigo perceber e que para mim não tem qualquer explicação. Alguns locutores da Rádio Moçambique, (e não só) “atropelam” as mais elementares regras gramaticais. Atropelam o português que é a nossa língua oficial. E mesmo assim, ninguém, ao nível da nossa estação pública de radiodifusão, se digna chamar a atenção para os atropelos que estão a ser cometidos. Com a ajuda da minha colega e amiga Luíza Menezes, fui tomando nota, de há uns tempos a esta parte, desse conjunto de irregularidades.
Os locutores fazem questão de nos manter informados sobre as horas, o que me parece importante para quem escuta e tem na rádio o seu farol orientador para as tarefas que tem de realizar diariamente. Às vezes pergunto a mim próprio: “que horas são” ? E do meu receptor vem a resposta: “são 9 horas e mais 14 minutos” ou “estamos com 8 horas e mais 45 minutos”. Quem disse que as horas se anunciam assim ? Teimosamente alguns locutores fazem chegar a informação horária ao ouvinte (erradamente) desse modo.
Felizmente a Rádio proporciona-nos o contacto directo com o ouvinte, o que, diga-se de passagem, é bom. O ouvinte participa, opina, critica. Por vezes, por deficiência de comunicação perde-se o contacto com o ouvinte. E aí, o locutor apressadamente diz que “infelizmente a linha caiu”. Isto para não falar daqueles comunicadores que decidem “abrir as linhas para os ouvintes”.
Mas há mais. A semana passada, ao sintonizar o Jornal da Manhã da Rádio Moçambique, ouvi uma informação vinda duma capital provincial. O jornalista lia uma notícia que falava de “diarreias, que devem ser combatidas consumindo muitos líquidos”. Com que então “diarreias” ? Quem escreveu decidiu colocar a diarreia no plural. Quem leu, (se calhar foi a mesma que escreveu) idem. A julgar por esta inovação linguística, não tarda muito e teremos “malárias”, “sidas”, “colesteróis” e por aí fora.
Há locutores que, quando contactam com o ouvinte pelo telefone, pedem para “afinar o seu rádio”. Afinar o rádio não tem nada a ver com reduzir o volume do rádio, porque afinal é isso que se pretende, por forma a evitar o retorno sonoro que provoca ruídos desagradáveis numa emissão “em directo”. Prova provada de que alguns dos nossos comunicadores não conhecem o “sentido das palavras”, que por sinal foi um programa de referência da Rádio Moçambique.
Uma outra dum jornalista que fazia a cobertura das celebrações do Primeiro de Maio. “A marcha foi desaguar na Praça da Independência”. Desaguar, tal qual um rio ! A marcha acabou por se transformar em rio. Ao ouvir esta frase fiquei sem saber quem estava a meter água.
No canal desportivo da Rádio Moçambique e particularmente nos relatos desportivos, sou forçado a ouvir frases como esta: “ganhou por uma bola sem concorrência” ou então “empataram a zero golos”.
O desrespeito pelas normas gramaticais básicas leva alguns locutores a dizerem barbaridades como por exemplo: “previna-te das doenças”.
Muitas vezes os nossos comunicadores acabam por ler como está escrito, o que significa que o nível de atropelo é duplo. De quem escreve e de quem lê.
Por onde anda afinal uma tal comissão de avaliação de qualidade, que segundo sei, existe na Rádio Moçambique ? Existe para quê ?
Lamentavelmente o que se passa na nossa Rádio Pública acontece também nos nossos canais de Televisão e nos jornais. Para mal dos nossos pecados, infelizmente parece-me não haver ninguém interessado em “colocar o guizo no pescoço do gato”.
João de Sousa – 23.10.2013
Um Comentário
Braga Borges
João, estou a lembrar-me dos primeiros locutores que apareceram depois da Independência, e que davam a temperatura das capitais de distrito, em “graus centímetros.”
Pior, era aquele locutor que dizia ao soarem as 12 badaladas:
Atenção,… é doze horas.
De imediato era corrigido pelo colega que era ainda mais inteligente:
Camaradas, quando ele diz ” é doze horas, deveria ter dito, “são…meio dia.”