DEIXA ANDAR !
Estolano é meu amigo de infância. Foi colega na instrução primária na Escola João Belo. Terminada a quarta classe ele foi para a “indústria” e eu para o Liceu. Perdemos o rasto um do outro. Acidentalmente encontrei-me com ele a semana passada. Conversámos. Pusemos a escrita em dia, como soi dizer-se. Conversa puxa conversa e eis que Estolano se sai com esta: “já não sei em que País vivo”. No do “deixa andar”. Um estilo de vida que veio para ficar, mau grado a luta incansável de muito boa gente, no sentido de exterminar esse mal da nossa sociedade.
Estolano diz-me que todos os dias se cruza com o “deixa andar”.
No meio da rua, na repartição pública, na loja, no dumba nengue, no supermercado, na farmácia, no hospital, no quartel, na esquadra de polícia, na escola. Até quando? Ninguém sabe.
Eu também não sei, meu caro Estolano. Pelo andar da carruagem vai continuar por tempo indeterminado. Sei sim que vivemos ou “vegetamos” no país de assaltos, de raptos, de guerra. De roubos. De delapidação dos bens públicos. Da corrupção e anarquia. Dos desmandos. Vivemos num País onde a degradação dos valores cívicos é pão nosso de cada dia. Lamentavelmente ninguém faz nada para reverter a situação. Ninguém diz nada. Ou quando diz, são as tais informações esfarrapadas, sem nexo, muito ao estilo de “conversa para boi dormir”.
Pelo mundo virtual começam a surgir as mais variadas formas de repúdio sobre este tipo de crimes. A propósito de raptos, uma mãe, amiga e colega de profissão de outros tempos da Rádio manifestava a sua tristeza desta forma simples mas direta:
“Estou triste! Não bastava o medo e a impotência perante a possibilidade de um recuo de 21 anos na história da nossa terra e eis que surgem notícias preocupantes sobre uma “guerra” instalada contra todo aquele que sai à rua, vai à escola, ao trabalho, à igreja. Num pais ” sério” cabeças teriam rolado. Nem Defesa, nem Interior, nem Segurança. Nem no mato, nem na cidade. Gostava de clamar por Paz, dizer NÃO à violência, ser quiçá uma seguidora de Ghandi. Odeio que me façam chorar, mas piora um pouco quando fazem chorar “os meus filhos”. Já perderam todos, os poucos créditos que tinham”.
Mostrei este escrito ao meu amigo Estolano. É o desenho duma situação aflitiva que toma conta de nós. Sai-se de casa sem saber se temos o direito de retornar ao nosso lar. Afinal quem está a “deixar andar” ao ponto de chegarmos à situação actual? Ninguém sabe responder. Já não sabemos em quem confiar e nem acreditar. Perderam a bússola. Ficamos sem Norte. Hoje estamos a viver um amanhã que é uma incógnita. Para mal dos nossos pecados estamos atados de pés e mãos por aqueles que se arvoram “donos da razão e da verdade”. Por aqueles que se dizem preocupados com a “fuga” do líder da oposição, esquecendo-se dos cidadãos ausentes dos seus locais habituais, que “fugiram” por terem sido raptados. Por aqueles que procuram a paz fazendo a guerra.
Valeu o 31 de Outubro.
Valeu a manifestação popular, que alguns teimosamente queriam proibir porque segundo eles, as manifestações não resolvem problemas. Porque os oportunistas podiam aproveitar-se do momento para provocar distúrbios. Milhares decidiram contrariar. Foram e não viram por lá nenhum “baderneiro”. Viram, como dizia o meu amigo Machado da Graça, 10 mil, 20 mil ou 30 mil, sei lá. Não importa quantos.
Viram lá aqueles que muitos não conseguiram ver. Porque não foram. Ficaram enfiados no casulo. Não sabem o que perderam. Uma coisa é certa. Se continuarem a intimidar, certamente que “vão abalar o nosso sofrimento e aí “vamos cobrar com juros, todo esse amor reprimido, esse grito contido”. E depois terão de “pagar dobrado, cada lágrima rolada, nesse nosso penar”.
Porque “apesar de você, amanhã vai ser outro dia”. Chico Buarque que o diga.
João de Sousa – 06.11.2013