ERROS DE PALMATÓRIA
Estávamos na década de 60. A década da contra-cultura. Dos Beatles. Da droga. De San Francisco (da flor no cabelo) de Scott McKenzie. Do Festival de Woodstock, para onde, em 1969 convergiram nomes como os de Joan Baez, Melanie, Santana, Credence Clearwater Revival, Janis Joplin e tantos outros que fizeram da pequena cidade rural de Bethel a capital da “música e paz”.
Seguíamos tudo isso pelos jornais que se publicavam na então cidade de Lourenço Marques.
Meu pai era assinante dum desses jornais. Todos os dias, excepto aos domingos, pela mão do ardina, o jornal ia parar a nossa casa, ali na Malhangalene. Um dia destes batem à porta. O meu pai pergunta: “quem é” ? Do lado de fora veio a resposta: “Sou o jornalista, venho trazer o jornal”. Era o ardina trocando as voltas à sua própria profissão. De jornaleiro passou a jornalista.
A propósito de jornalistas, permitam que vos conte esta história. Na passada quinta feira estava eu sentado no Centro Social da RM, à hora do pequeno almoço, em amena cavaqueira com alguns dos meus colegas, quando recebo um telefonema do meu amigo Lázaro Mathe, uma figura intimamente ligada ao desporto que já foi presidente do Munhuanense Azar. É ele que me alerta para um parágrafo inserido num semanário da nossa praça. Era um artigo dedicado a Mário Coluna.
Lázaro Mathe fez questão de ler ao telefone esse parágrafo. Eu fiquei de boca aberta. Nunca tinha lido tanta asneira junta. Comentei com os colegas que estavam à minha volta.
Fui à esquina e comprei o jornal em causa. Procurei o artigo. Chamou-me a atenção o facto do nosso “monstro sagrado” ter sido recordado por aquela publicação em duas páginas, cheias de informação sobre a sua vida de menino de Magude, da sua vinda para a então Lourenço Marques, da sua ida para Lisboa. Eram retratos do futebolista, treinador, dirigente e também com pormenores daquilo que foram as homenagens prestadas a Mário Coluna que infelizmente nos deixou fisicamente no passado dia 25 de Fevereiro.
Duma forma geral, embora reconheça que alguns erros gramaticais de palmatória continuam a ser cometidos por alguns (felizmente poucos) dos nossos escribas, gostei do artigo. Surpreendeu-me no entanto, tal como aconteceu com o meu amigo Lázaro Mathe, o facto de nesse artigo se referir que “Coluna na companhia do seu afilhado Eusébio e ainda de tantos outros compatriotas, como é o caso de Matateu, Hilário ou Vicente, conquistou o único troféu importante que os portugueses conseguiram na sua história. Refiro-me ao Mundial de 1966 na Inglaterra”.
Os menos informados, nomeadamente alguns dos jovens de hoje, que infelizmente não conheceram a trajectória desportiva de Mário Coluna, quando lerem esse parágrafo, vão pensar que a afirmação feita pelo jornalista é correcta, quando não é. Quem disse ao ilustre escriba que Matateu tinha jogado no Mundial de Futebol de 1966?
Quem disse a este jornalista, cujo nome até vem na ficha técnica do jornal, que os portugueses conquistaram o único troféu mais importante do Mundial da Inglaterra ? Matateu não jogou em 1966 e nesse ano a Selecção Portuguesa de Futebol ficou em terceiro lugar (vitória por 2/1 sobre a União Soviética)
numa competição que foi ganha pela Inglaterra, sendo que o segundo lugar pertenceu à Alemanha.
Quando decidi enveredar por esta profissão de escrever, inicialmente para a rádio e posteriormente para os jornais e revistas, ensinaram-me, entre outras coisas, que o jornalista deve pesquisar muito antes de escrever seja o que for. O jornalista que escreveu este parágrafo sobre Mário Coluna, todo ele cheio de imprecisões, pura e simplesmente não pesquisou.
Da mesma forma como há médicos e médicos, engenheiros e engenheiros, professores e professores, também há jornalistas e jornalistas. É pena que em vez de informarmos, alguns, que se dizem jornalistas, teimam em desinformar.
João de Sousa – 12.03.2014
4 Comentários
Katali Fakir
Caro Joãozinho,estas coisas é que são gravíssimas, a genuflexão dos “jornailistas”
Ao pontapé!
Método Relvas
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=_Ub1v3wQqx8
Paulo Spranger, repórter fotográfico da Global Imagens (DN, JN e TSF),
levou ontem uns valentes pontapés de Zeca Mendonça, assessor de
imprensa laranja, quando procurava registar para a posteridade a
entrada do Dr. Relvas no Conselho Nacional do PSD.
O que impressiona é que apenas um site marginal faz alusão à agressão.
Nem sequer o DN, o JN e a TSF, para os quais trabalha Paulo Spranger,
denunciam a agressão. Perante a genuflexão dos media, presumo que
deverá haver instituições — como a PGR, a ERC e o Sindicato dos
Jornalistas — que terão uma palavra a dizer.
Um abraço,
Katali
Francisco Velasco
Caro João
Nesta época em que o refazer da História prolifera em todos os cantos do Mundo, adulterando a realidade dos factos, mascarando-os com desinformação e “spins” constantes, que levam a que os agressores sejam consideradas vítimas e estas, por reagirem, acabarem por ser catalogadas como os maus da fita. Tudo isso porque certos profissionais da escrita e porventura da rádio, abdicaram da pesquisa, do jornalismo de investigação, talvez submetidos por forças demasiado poderosas. Passaram-se par o outro lado, pois o emprego ficava assegurado. Mas esse é um mundo complexo.
No desporto, as coisas são mais simples, não obstante certos interesses jogarem pela calada, desvirtuando a “verdade desportiva”. Quando digo simples refiro-me à enorme “metadata” de informação existente nos arquivos dos nossos jornais desportivos diários, que podem ser consultados se pretendermos escrever e deixar um legado correcto. Até eu, que gosto de futebol bem jogado mas que não ligo aos nomes, datas e provas, sabia que o Matateu não tinha jogado no Mundial de 1966, pelos relatos dos jogos que ouvi quando vivia na África do Sul. Os protagonistas desse espantoso 3˚ lugar que me ficaram na memória, foram o Eusébio, o menino prodígio, o Coluna, motor da equipa, o Vicente, que “secou” o Pelé, conterrâneos meus, isso sem desprimor par os outros colegas da nossa Selecção. Suspense e delírio no meu apartamento pela inesquecível reviravolta contra o Coreia
Bem hajas, João, por pores a descoberto estas faltas de rigor na descrição de eventos desportivos. O teu profissionalismo a isso te obriga.
Um abraço.
Joao de Sousa
Obrigado Chico. Um abraco de saudade e muita amizade.
Katali Fakir
Amigo Joãozinho, como sempre um documento de excelência e qualidade, obrigado.
Porém, se permites devagar um pouco contigo como acontecia na roda de amigos em tua casa nos idos e brilhantes anos 60, sou de opinão que erros de palmatória são apenas ligeiros erros e sem gravidade alguma e de somenos importância, e nada mais do que isso. Tanto que “Herrar” é Humano, o que importa é a humildade em reconhecer o erro e consequentemente estar preparado a corrigir e ir aprendendo porque com erros também se aprende e a aprendizagem é um caminho que se vai construindo ao longo da vida. Por outro lado, embora o senhor Mário Coluna, tenha deixado o reino dos mortais, é nosso contemprâneo e como tal e na circunstância a rectificação será efectuada em tempo (como está sendo feita, aqui no BigSlam) e reposta a verdade dos factos bem pressentes na memória de todos nós.
O que mais inquieta na nova ordem mundial é o chamado 5.º poder – A comunicação e informação, esse sim, é um poder cada vez mais perigoso aquando utilizado para manipulação e alienação alucinante da maneira de pensar e sentir das massas através de “jornalistas” que são mais mercenários inconsequentes das informações que divulgam. Entramos numa era em confronto com um desafio enorme, um poder abstracto defensor de uma única verdade que esconde-se em comunidades secretas e governam o mundo e que cada vez mais monotorizam e controlam à distância tudo e todos à escala planetária como se tratasse do Grande Irmão (Big-brother).
Um abraço fraterno
Katali
(Liakatali Fakir)