FACE 2 FACE
Um dia destes, quando dei por mim, estava a rememoriar as canções que eu coloco semanalmente no “fio da memória”, esse programa de Rádio que há 25 anos é transmitido aos domingos no canal nacional da Rádio Moçambique.
E ao estar cara a cara com gente que felizmente ainda faz música que se ouve com prazer, recordei-me do momento em que sonho e realidade ocupavam o mesmo espaço. Viajei pelo tempo em que os corações pulsavam ao som do “yé yé yé” ou das baladas românticas da jovem guarda brasileira que falavam do sonho comum de milhões de jovens: a namorada, o carro, ou o beijo no cinema.
No tempo em que os rapazes ainda pagavam a conta do “milk-shake” das meninas. Tempo de longos suspiros e grandes amassos. Tempo em que os Beatles cantavam “Help”,
que Erasmo Carlos fazia sucesso com a “Festa de Arromba”
e Joe Cocker era estrela do Festival de Woodstock de Janeiro de 1969.
Todas estas coisas que fizeram a meninice e a juventude de muitos de nós vão estar sempre presentes na nossa vida. O gosto dessa fruta chamada “juventude” é algo que vamos sentir sempre.
Há sensivelmente duas semanas viajei pelos meus tempos de juventude. Esqueci-me por completo dos músicos que cantam em “playback”. Na maior parte das vezes mal. Sem sincronismo entre a parte musical e a voz.
Caminhei lado a lado com a música “ao vivo” que a gente ouvia e que hoje parece estar votada ao esquecimento e com a qual nos deliciavamos nos bailes do Atlético, dos Naturais, da Associação Africana, dos Mútuos, do Malhangalene, do Indo Português, da Casa das Beiras ou dos Lisboetas e por aí fora.
Dos tempos em que as nossas vidas eram abrilhantadas pela música “ao vivo” do conjunto de Renato Silva, presença obrigatória aos domingos, “em directo” do estúdio-auditório do Rádio Clube de Moçambique, dos Night Stars,
dos Rebeldes,
Inflexos,
Djambo,
Corsários,
I Cinque di Roma,
Quinteto Académico,
João Domingos
ou Blue Twisters.
Esse mar de lembranças que alguns músicos da nossa praça me (nos) proporcionaram, voei com o “Fly me to the moon” de Frank Sinatra
e deliciei-me com o “Smile” de Nat King Cole que nada mais é do que a versão do tema composto por Charlie Chaplin, em 1936, para o seu filme “Tempos Modernos”.
Deambulei pela mestria do teclado de António Carlos Jobim que musicou um poema dedicado à sua “Teresa da Praia”, magistralmente interpretada, tempos depois da gravação original por Dick Farney ou Emílio Santiago.
Lembrei-me do “September Morn” escrita por Neil Diamond de parceria com o francês Gilbert Becaud.
Andei pelo México ao tempo de “cucurucucu paloma” e por outras variantes dos sons da América Latina.
Embrenhei-me na “rapsódia moçambicana” e recordei-me de João Wate, (Nidjibaleli Nkata) e do Wazimbo com o seu “A Lirandzo”.
Wazimbo – Nwahulwana (1988)
Estive Face 2 Face (cara a cara) com o Arturinho (Garrido Júnior), com o Ildo Ferreira, com o Maurício e com o Renato Quaresma e com a música que eles tocaram e cantaram, feita especialmente “para maiores de quarenta”. Música “ao vivo” que infelizmente, nesta sociedade em que vivemos, parece ser coisa do passado.
João de Sousa – 10.07.2015