O mestre Zé Pardal nasceu na Covilhã, nas faldas da Serra da Estrela, a 1 de Março de 1923. Aos 12 anos foi para Moçambique, onde viveu até 1975.
Foi professor do ensino secundário e médio, o que lhe permitia quatro meses de férias por ano, e que coincidiam com a época da caça, a sua grande paixão de sempre.
Zé Pardal começou em miúdo como passarinheiro, passou mais tarde à caça menor, caçou antílopes e aos vinte anos abateu o seu primeiro elefante. Como ele dizia, essa era a sua sina e foi à caça dos elefantes que mais se dedicou durante trinta anos.
A maior parte das suas caçadas foram como caçador desportivo, mas também guiou alguns safaris, principalmente como caçador oficial para alguns convidados do governo pelo facto de ser membro da Comissão Central de Caça, função em que por vezes também tinha de fazer o controle de animais problemáticos.
O mestre Zé Pardal fez parte do Conselho de Protecção à Natureza, sempre foi um conservacionista, e até ao fim dos seus dias revelou uma sensibilidade e conhecimentos espantosos nesta área. Talvez por isso, também tenha sido membro honorário da South Africa Hunters and Preservation Asssociation, uma prestigiosa organização de caçadores, biólogos e cientistas que defendia a caça e a protecção da natureza.
Para além de tudo isto o mestre foi representante em Moçambique do Conselho Internacional da Caça e medidor oficial de troféus do Rowland Ward.
Mas acima de tudo o mestre Zé Pardal foi um grande caçador, daqueles que caça da codorniz ao elefante com ética e paixão. As suas caçadas foram-nos por ele relatadas em dois excelentes livros, “Cambaco I, Caça Grossa em Moçambique” e “Cambaco II, Memórias dum Caçador Africano”, que também foram traduzidos e publicados em Espanha e nos Estados Unidos.
Nestes dois livros de leitura fácil, porque o mestre tinha sem duvida o dom da palavra escrita, podemos acompanhá-lo nas suas caçadas atrás dos elefantes. Sentir o seu enorme respeito pelos bichos, pelo mato moçambicano e as suas gentes, a sua amizade e cumplicidade com os pisteiros, sobretudo com o grande Jimo.
Nestas obras, cada elefante é objecto de análise, o meio em que se encontra, o comportamento, a arma e a munição utilizada. Aqui entramos noutro campo onde este senhor foi um verdadeiro mestre, a balística.
Num tempo em que a informação não estava disponível como hoje em dia, o mestre interessou-se por este tema, não só carregando as suas munições como concebendo e inovando projécteis, as sólidas monolíticas e as sólidas tipo hollow point. Estas últimas precursoras em termos de conceito, das triple shock, das GMX ou das Kalahari, que são produzidas na actualidade por alguns dos maiores fabricantes de munições.
O mestre tinha uma das colecções de munições mais completas que existem e era uma delícia ouvi-lo falar “das suas meninas”, quando as mostrava, explicava curiosidades e relatava as aventuras que viveu com algumas delas.
Este senhor tinha um culto vincado pela família. Nas suas caçadas fez-se acompanhar muitas vezes da sua mulher, a dona Maria Amélia, uma senhora com a coragem de uma leoa e que com ele formou um casal extraordinário. Para além disso, ensinou os seus filhos a caçar, como o leão faz com as crias. Quantos de nós podemos dizer o mesmo? E a falta que faz gente nova, entre os caçadores…para continuar a haver caça, são necessários novos caçadores.
Por tudo isto estamos agradecidos ao mestre Zé Pardal. Obrigado por ter partilhado connosco a 300 HH, a 425 Westley Richards, a 458 WM a 450 e a 460/500. Obrigado pelas histórias dos leões, dos búfalos, do Xijipana e por ter deixado escapado alguns elefantes, principalmente o Matepo, ou já não haveria elefantes e eu não teria caçado o meu.
Agora que estou a tornar isto mais pessoal, queria confessar-vos uma coisa, aquilo que em vida tive oportunidade de confessar ao mestre. Sabem, quando ando lá pelas planícies infindáveis do Maputo atrás das Impalas e dos Xangos, lá para os lados de Goba, nos Montes Lebombo, atrás dos Kudos, nos tandus de Marromeu atrás das Pala-palas, ou atrás dos búfalos e dos elefantes nos leitos secos do N’wanetsi, do Rio dos Elefantes ou do Limpopo, sinto que ando mais do que atrás da caça, sinto que ando no rasto de um gigante, esse gigante, esse cambaco, é o mestre Zé Pardal.
Obrigado mestre, obrigado por nos ter mostrado que a melhor maneira de ser feliz na vida é ser simples e bom…
Kanimanbo Xinhanhana, Kanimambo Xibama-unculo!
Autor: João Corceiro
O nosso saudoso mestre Pardal faleceu no dia 5 de janeiro.
Paz à sua alma !
José da Cunha Pardal – Por Celestino Gonçalves
Zé Pardal para os amigos e Mestre Pardal para as sucessivas gerações de alunos da Escola e Instituto Comercial de Lourenço Marques (actual Maputo) que o tiveram como professor – é uma figura que dispensa apresentação especial para quem viveu na capital de Moçambique durante os últimos quarenta anos do período colonial, dada a sua popularidade alcançada tanto na área do ensino como nas actividades da caça!
Para além de se ter tornado um excelente caçador de elefantes, o Zé Pardal dedicou grande parte da sua vida em Moçambique à defesa e conservação da vida selvagem do território, como vogal dos organismos de tutela e consultivo deste sector, respectivamente, Comissão Central de Caça e Conselho de Protecção da Natureza. Para estas funções ele fora nomeado em representação dos caçadores, facto que, só por si, lhe granjeava a admiração e respeito dos muitos milhares de praticantes do desporto caça.
Não é demais afirmar que o Zé Pardal fez parte de um punhado de excepcionais caçadores de elefantes que actuaram em Moçambique no século passado, de entre eles me ocorrem os nomes de alguns, como: Harry Manners, José Afonso Ruiz, Orlando Cristina, Manuel Maria Nunes, Virgílio Garcia, Pierre Maia, Gustavo Guex e Francisco Daniel Roxo.
Em relação a todos estes o Zé Pardal leva a vantagem de ter sido um estudioso de balística, sabendo como melhor utilizar as armas e munições para determinadas situações ou posição dos elefantes, chegando ao ponto de, ele próprio, fabricar e carregar os seus projécteis, balanceando-os em função dos estudos de impacto e perfuração que ao longo dos anos foi fazendo. Este aspecto tornou-o conhecido e respeitado no mundo da caça e por isso muitas vezes solicitado a proferir palestras e escrever artigos de grande craveira científica. É, ainda hoje, um assíduo colaborador da revista portuguesa “Calibre 12”!
Conheci o Zé Pardal em 1955, exactamente durante as provas de concurso para fiscal de caça, a que concorri e ele era membro do respectivo júri na qualidade de vogal da Comissão Central de Caça.
Antes disso ouvira muitas vezes falar dele e as referências que tinha levaram-me a ter por este homem um elevado respeito e admiração.
O nosso relacionamento institucional, iniciado depois da minha entrada para os quadros da fiscalização da caça, em 1957, depressa conduziu a uma amizade que se mantém até aos dias de hoje e inclui a sua simpática esposa, a Maria Amélia.
Alguns anos depois do seu regresso a Portugal, resultante da independência de Moçambique em 1975, visitei o casal na sua confortável residência às portas de Lisboa e foi um desfiar de recordações!
Posteriormente, em 1995, voltei à sua casa para o felicitar pela sua excelente obra “Cambaco I”, cujo volume levei debaixo do braço para o indispensável autógrafo, que foi assim:
Os anos passaram ligeiros como o vento nas estepes africanas e eis que estamos no ano da graça de 2008!
Entretanto, em 1996, o Zé Pardal publicou o “Cambaco II”, outro sucesso que correu mundo visto que foi traduzido, tal como o “Cambaco I”, em duas das principais línguas universais: inglês e espanhol.
Por descuido meu não adquiri esta segunda obra na altura em que foi lançada. Depois dessa fase desapareceu do mercado e só agora, com a nova visita que lhe fiz, passou a fazer parte do meu acervo graças à generosa oferta do autor, que previamente lhe colocou a sua chancela por baixo de uma simpática dedicatória,também assinada pela Maria Amélia !
Não obstante os anos que já passaram e o profundo desgosto que sentem pelo afastamento forçado de Moçambique nas condições que são conhecidas daqueles que viveram o trauma da descolonização mal conduzida pelos governantes da época, ambos conservam nos seus rostos serenos a felicidade das suas vidas!
O simpático casal – Zé Pardal e Maria Amélia.
Bem me enganei quando, antes de lhe telefonar a anunciar a visita, pensei que iria encontrar o casal abatido pelo peso dos anos e o desgosto de viverem longe da sua terra amada! Pelo contrário, ambos conservam a jovialidade de duas ou três décadas antes, o que me deixou surpreendido, cheio de inveja, mas feliz!
O entusiasmo pela fotografia foi tal que antes da minha partida para o Norte, em 1957, resolvi apetrechar-me do material necessário para um pequeno laboratório amador, assim como de uma máquina de 35 mm que substituíu a velha e anacrónica Kodak 6×6 que possuía. O próprio Pardal me vendeu a sua “Clarus”, uma famosa máquina americana em aço inox, equipada com três lentes, uma delas teleobjectiva ideal para captar imagens a média distância. O bonito e resistente estojo em cabedal rígido, vinha repleto de pertences, tais como filtros, fotómetro, pinceis de limpeza, borracha de ventilação, etc. Era a máquina ideal para me acompanhar nas campanhas do mato que iria ter pela frente, visto que fora concebida para suportar a dureza das reportagens nas frentes de combate durante a segunda guerra mundial.
Uma das minhas fotos favoritas, tirada com a “Clarus” em 1958, em Montepuez. Um contra luz sem filtro, que apesar do desgaste de 50 anos aos trambolhões, ainda mostra a excelência da lente e do sistema de velocidade!
A facilidade que passei a ter, de fazer as minhas próprias fotografias com considerável economia, levou-me, ao longo de quase vinte anos de vivência no interior de Moçambique, a encher álbuns sobre álbuns que deixaram de caber nas exíguas estantes das casas que habitava, depois a encher as gavetas destinadas às roupas e por fim a meter as fotos em caixas de sapatos!
Ao longo de meio século que já passou desde o início dessa fobia, consegui desfazer-me de uma boa parte desse espólio, dando-o aos filhos e às netas, mas ainda vivo atolado nesses arquivos que já cheiram a bafio!
Felizmente que as novas tecnologias do digital acabaram com tudo isso!
A foto que se impunha – os velhos “cambacos” juntos!
Para além das muitas pessoas do nosso tempo que recordámos durante a maravilhosa tarde passada com o simpático casal, uma figura especial mereceu particular atenção: o saudoso Francisco Pardal, irmão do José Pardal!O Xico Pardal (como era tratado pelos familiares e amigos), foi o melhor taxidermista de sempre em Moçambique, com reputação mundial. Teve a sua oficina/atellier na cidade da Beira, centro nevrálgico das actividades cinegéticas de Moçambique. Os trabalhos ali executados em qualquer montagem parcial ou total dos grandes, médios ou pequenos animais, obedeciam à melhor tecnologia das famosas taxidermias americanas e espanholas, graças aos conhecimentos e permanente aperfeiçoamento do Xico nesta matéria. Daí ser muito requisitado pelos mais exigentes caçadores que efectuavam safaris de caça em Moçambique.
O prestígio alcançado pelo Xico Pardal, na área da taxidermia, muito contribuíu para o bom nome da indústria dos safaris de caça no território, que durante os quinze anos que precederam a independência em 1975, foi considerado o destino preferido dos amantes da caça africana. O mano Zé, naturalmente orgulhoso disso, não deixou de lhe prestar a merecida homenagem na sua obra!
Autor: Celestino Gonçalves
Pode ver mais em detalhe no blog:
http://faunabraviademocambique.blogspot.pt/2013/01/122-jose-pardal-minha-homenagem.html
Um Comentário
Maria de Fátima Ruiz
Conheci muito bem o Mestre Pardal. Além de ter sido meu Professor, foi também meu amigo pois eu era sobrinha do então seu amigo o José Pedro Ruiz.