O CANDIDATO
Estolano, o meu velho companheiro de Boane, com quem não me cruzava faz tempo, apareceu com a boa nova, em relação a um amigo comum, a quem os vizinhos do bairro onde nasceu e vive colocaram a alcunha de “todo poderoso”.
Já nos tempos da instrução primária ele fazia das suas. Nunca foi o melhor aluno da escola, mas arvorava-se sempre como sendo o que sabia mais. Estilo era com ele. Sempre bem arrumado, camisa branca deixada a corar ao sol naqueles coradores feitos de rede de capoeira e posteriormente lavada com anil, calças à boca de sino, que é como se usava na época, e sapatos de polimento.
Ficou-se pela quarta classe por força de tanto gazetar. Andou por ali a marcar passo, até que um dia, por arte macabra, ouvimos dizer que o “todo poderoso”, depois de algumas lutas bem renhidas, acabava de ingressar no Liceu. Porque morava para os lados do Alto Maé, paredes meias com o Quartel General, foi parar ao António Enes (hoje Francisco Manyanga). E lá, continuava a fazer das suas. Estudar não era com ele. Quando os amigos lhe perguntavam sobre o seu aproveitamento escolar ele fazia questão de dizer que “o ano passado dispensei”. Mentia com todos os dentes que tem na boca. Dispensou nada. Aldrabou, isso sim. Andou a engonhar de tal forma que não passou do primeiro ciclo. Foram reprovações em cadeia. Desistiu.
A vida de desaires trouxe-lhe um desaire maior. A perda dos pais, numa altura em que andava por aí a deambular, com uma mão atrás e outra à frente, à procura dum emprego que lhe permitisse, pelo menos, alimentar-se. Da família, segundo ele dizia, “não recebi apoio nenhum”. Também, orgulhoso como era, nunca pediu esse apoio a ninguém.
O tempo foi passando e o “todo poderoso” conseguiu um emprego num armazém na baixa da cidade. A sua função principal era controlar a mercadoria que entrava e saía. Foi fazendo isso com eficácia. Eficácia tal que meses depois acabou por ser despedido por se ter provado que andou por ali a gatunar. Em 3 momentos diferentes da vida aconteceu-lhe a mesma coisa. Emprego e depois desemprego. Um dia destes, um amigo chegado ao vê-lo nessa situação aflitiva do estilo “chove mas não molha” convenceu-o a inscrever-se “num sítio pá, que nem queiras saber, com a tua lábia, vais conseguir o emprego num abrir e fechar de olhos”.
E foi assim que o “todo poderoso” conseguiu ser membro dum partido político. Por conta da lábia e das tranbicagens foi subindo na vida o que por outras palavras significa dizer que foi também subindo nos degraus do seu partido. Já falava alto e em bom som para todos os seus companheiros ouvirem. Falava da luta armada com tanta convicção como se lá tivesse estado. Reproduzia histórias da guerra de guerrilha. E tão “reais” eram as histórias que quem as ouvisse ficava de boca aberta. Começou a ganhar terreno. Viu o seu nome na lista para deputado na próxima legislatura. De repente verificou que se encontrava na secção dos suplentes. Dias depois já nem suplente era.
“Todo Poderoso” não desiste, nem desarma. Agora perfila-se para membro do Governo. Perdeu a batalha mas não perdeu a guerra. Com dinheiros de proveniência duvidosa, vai aparecendo em tudo quanto é lugar. Vai aos almoços e jantares. Distribui a torto e a direito os números dos seus 3 telefones celulares. Entrega a meio mundo o seu cartão pessoal onde se pode lêr: “politólogo e comunicador”. Faz questão de estar bem perto daqueles que têm o poder de decisão. Dá nas vistas. Se preciso for mete a sua colherada.
E como vive maritalmente, já programou uma visita a Gaza, mesmo antes do natal e do fim do ano, para ali se casar oficialmente. De papel passado pelo Registo Civil e pela Igreja, porque afinal “ser ministro sem esposa oficial” não fica bem.
Oxalá o tiro não lhe saia pela culatra.
João de Sousa