Estava marcada a primeira estranheza de Mariano Barreto quando chegou à Etiópia. Outras duas realidades o surpreenderam: o facto de ser o único país africano com alfabeto próprio (língua amarica) e das horas serem contadas não a partir da meia-noite, mas a partir das seis da manhã e das seis da tarde, ao nascer e pôr-do-sol.
«Uma vez marquei uma reunião para as seis horas da tarde. Apareceram ao meio dia, seis horas antes, e tentaram saber se tinha acontecido alguma coisa comigo. Foi então que percebi que seis horas, para eles, era o meio-dia, ou seja, seis horas após o nascer o sol», conta rindo.
Um país grato aos portugueses
Outra surpresa para Mariano Barreto: «Não estava à espera de um povo que admirasse tanto os portugueses. Um país onde se sente a presença portuguesa», conta.
A justificação remonta a 1529, quando a Etiópia – então bastião do cristianismo em África – foi invadida pelo sultanato de Adão (localizado na atual Somália). Cristóvão da Gama e, mais tarde, Estêvão da Gama (os dois filhos mais velhos de Vasco da Gama) foram em socorro do imperador Galawdewos. Cristóvão da Gama chegou a ser capturado e decapitado por recusa em converter-se ao islamismo. Mas os etíopes, com ajuda portuguesa, mantiveram a soberania sobre o seu reino.
«Os etíopes são orgulhosos da sua nacionalidade. Orgulham-se de nunca terem sido colonizados, ao contrário da generalidade dos países em África. Por isso, não esquecem a ajuda dos portugueses e não é difícil encontrarmos neste país referências ao nosso país, desde cultural a monumental, passando até por duas pontes batizadas com o nome de Portugal», conta Mariano Barreto, num país onde, por contradição, estão apenas registados dúzia e meia de residentes portugueses.
«Hoje, a religião predominante é a ortodoxa, mas existem também seguidores do catolicismo, islamismo e judaísmo. E a convivência é exemplar», conta.
O burro-táxi
Há 20/30 anos, as notícias que chegavam ao Mundo da Etiópia tinha um denominador comum: fome, miséria. E hoje?
«A Etiópia soube entrar num rumo de modernidade. Aproveitou bem ser um oásis em relação ao mundo muçulmano que o rodeia e retirar benefícios da ajuda de grandes países ocidentais, como os Estados Unidos, Inglaterra ou Alemanha. Investiu muito na educação e em dar ferramentas às pessoas para que pudessem ter ao menos um terreno – que aqui é muito fértil – e uns animais. Logo, hoje não há fome na Etiópia. Existe pobreza, mas não mendicidade, miséria», frisa.
O treinador português vive em Addis Abeba, «uma cidade vibrante, em processo adiantado de reconstrução completa, com muitos elementos de modernidade», como por exemplo «alguns dos melhores hotéis de África, avenidas largas, edifícios funcionais», beneficiando ainda da «maior plataforma aeronáutica de África». Aqui fica a sede da União Africana e a maior companhia aérea africana.
E existem os… burros-táxi. «Chegou a falar-se do burro ser uma espécie em risco, mas descobri aqui que não é verdade. O que mais se vê são burros a puxar charrettes muito bonitas e elegantes. Uma espécie de burro-taxis, conta, rindo.
«E existe o… metro de superfície, coisa que não estava à espera de encontrar…», junta.
Turismo de sonho
«A Etiópia está longe de ser apenas Addis Abeba. Como está bem servida de aviões e aeroportos, a mobilidade é enorme. E, garanto-vos, este é um país excelente para o turismo. Aconselho vivamente umas férias, porque junta uma riqueza cultural e museológica de valor incalculável, por ser aqui um berço da humanidade; natureza de cortar a respiração, desde montanha, grandes lagos a selva; resorts do melhor que se pode encontrar no Mundo; hotéis e restaurantes de topo; e um povo inacreditável como ainda não encontrei em parte nenhuma», conta.
«As pessoas são humildes e, até por tudo o que passaram, partilham tudo o que têm. São também nacionalistas, orgulhosas pelo que têm a oferecer ao estrangeiro, que recebem muito bem. Mas, acima de tudo, o que impressiona mesmo é que são pessoas extremamente educadas. Impressionante, acreditem», conta Mariano Barreto.
«Comida? Sou esquisito»
E a comida? Aí Mariano Barreto joga à defesa. «Não aprecio, mas a culpa não é da comida, é mesmo minha. Sou muito esquisito em termos alimentares, gosto da comida o mais simples possível, aqui é condimentada, com muitas especiarias. Em todos os países onde trabalhei nunca me habituei à comida, sou muito ligado à nossa, às coisas simples», frisou.
Na etiópia come-se muita carne… crua sangrada. «Misturada com um rodízio de molhos e especiarias. O curioso, é que a carne está espetada num ferro, ao ar livre, e não se vê uma mosca à volta. Não sei como o que fazem…», comentou, rindo.
Criar as bases do futebol
Mariano Barreto aceitou o convite da federação etíope para «ser mais do que o seleccionador».
«Eles tomaram conhecimento do meu trabalho em África, em especial no Gana, onde tive um papel no lançamento de uma geração de jogadores que hoje brilham ao mais alto nível. Além disso, estou a colaborar na organização interna, regulamentos, inscrição de jogadores, etc, etc, tudo o que seja a base de um futebol mais organizado e profissional», conta.