O “refresco”
Já foi há muito instituído no País o “refresco”. Felizmente que nos ficamos pelo chamado “soft drink”. Os que andam com uma sede danada ainda não se atreveram a pedir bebidas sofisticadas e caras. Poderiam optar pelo Chivas Regal (18 anos), pelo vinho da Borgonha (11.200 euros por garrafa), pelos licores dos mais variados, começando naturalmente pelo Alizé Gold Passion, uma mistura refrescante de maracujá natural com o mais fino cognac francês, e acabando na bem mais barata “Amarula”, esse licôr de origem africana preparado com creme de leite e sumo do fruto conhecida por “marula” e comercialmente designada de “spirit of Africa”.
Podíamos ser assediados no nosso dia a dia com toda esta gama de pedidos de bebidas, qual dela a mais cara, apetecível, famosa e sofisticada. Mas não. Os homens e as senhoras do “refresco” que pululam por tudo quanto é sítio, são pessoas modestas. Nada de coisas caras, para não assustar o cliente. Coisas baratas, que se encontram à mão de semear.
Se quisermos ver os nossos problemas resolvidos temos de nos inscrever no circuito do “refresco”. Sai mais caro, mas, na maior parte dos casos, se não fôr burlado de permeio, é eficiente. Tudo feito à descarada e por vezes a mando do próprio funcionário público, que pretende levar para casa mais alguns trocados, como forma de fazer face às agruras da vida, que o deixam sem dinheiro para o pão, para o transporte, para pagar a água, a energia e o material escolar dos filhos. Dinheiro que sai dos bolsos já esfarrapados dos cidadãos que não encontram, na maioria dos casos e salvo raríssimas excepções, eficiência, amabilidade, sensibilidade, compreensão, dignidade, atitude e qualidade do serviço que o funcionalismo público devia prestar e não presta.
A semana passada um dos leitores do Correio da Manhã, enviou-me um email contando uma das suas peripécias. Estava numa repartição pública para tratar duma certidão de nascimento. Assim que se aproximou da porta de entrada foi abordado por um elemento duma empresa de segurança que lhe indicou o que devia fazer. Devia deslocar-se a um guichet (estava mais apinhado que sardinha enlatada), comprar um impresso, preenchê-lo e entregar ao funcionário de serviço. Mas como a fila era enorme, as coisas podiam ficar mais facilitadas, “porque afinal eu estou aqui para ajudar”.
Jeremias Marrongane, assim se chama o leitor que me escreveu, pensou e chegou à conclusão que o melhor era entrar no esquema. Entregou ao elemento de segurança uma certa quantia em dinheiro para ele tratar de todo o expediente e esperou. Esperou sentado porque o tal elemento da empresa de segurança privada (que se dizia estar ao serviço daquela repartição pública) nunca mais apareceu.
Outro episódio ocorreu a semana passada na fronteira de Ressano Garcia.
Rui Garcia, um amigo meu, português de origem, com nacionalidade sul africana, veio a Maputo para visitar amigos e familiares. Confrontado com a enorme fila de pessoas nos guichets da nossa migração, encontrou solução para a rapidez do processo, no contacto com um daqueles “facilitadores” que a troco de alguns meticais ou randes, resolvem (?) tudo num ápice. O meu amigo deu-lhe uma nota de 100 randes. Esperou, esperou e nada. Não havia sinais de que algo estivesse a ser tratado. Entrou nas instalações dos nossos serviços de migração e não encontrou o tal “facilitador”. Tinha desaparecido. Com o dinheiro e com os passaportes dele, da esposa e dos seus dois filhos. Depois duma procura mais aturada foi encontrar os seus documentos atirados no chão, nas proximidades da sua própria viatura.
Maldito “refresco” … a quanto obrigas !
João de Sousa – 27.08.2014
Nota: Em Moçambique, a personagem jurídica do “refresco”, que é como quem diz em Portugal, o “untar das mãos”, ou ainda “a fruta”.