TOLERÂNCIA DE PONTO
Estolano, amigo de longa data, dos tempos da instrução primária, vizinho do mesmo bairro, na passada sexta-feira santa telefonou-me a dizer que “eu não vou trabalhar, mas a minha mulher vai”. Ele é cristão, católico, apostólico, romano, e a esposa é muçulmana.
Como o comunicado concedendo tolerância de ponto durante todo o dia de sexta-feira, era destinado aos “cidadãos que professam a religião cristã”, a esposa do meu amigo Estolano não teve outra alternativa senão ir trabalhar.
O Governo, através da Ministra do Trabalho, Emprego e Segurança Social (MITESS), Vitória Dias Diogo, concede para toda a Sexta-Feira Santa, tolerância de ponto a todos os trabalhadores e funcionários públicos que professam a religião cristã.
Quando chegou ao serviço deu de caras com as portas fechadas. Não estava ninguém. Ou melhor … estavam os seus/suas colegas que professam a religião muçulmana. Ah … estava também o elemento da segurança privada que, mesmo sendo cristão, não teve direito a esta benesse concedida pelo nosso Governo.
O patrão, que professa a religião cristã, nem se preocupou em criar condições para que as portas do seu estabelecimento fossem abertas. Esqueceu-se do público e também que naquele local não trabalhavam só cristãos.
Uma das empregadas decide telefonar para o patrão a informar que “aqui na loja, muita gente está à espera”. Que venham amanhã – foi a resposta do zeloso patrão.
Naquela sexta-feira santa, como dizia o meu colega e amigo Marcelo Mosse, num dos seus escritos “alguns dos não cristãos que forem ao trabalho acabarão não trabalhando … de facto. Para que serve, e para quem serve então, uma tolerância de ponto todo o dia, que não abranja todo o trabalhador, independentemente da sua religião?”
E agora pergunto: como vai ser no dia 5 de Julho de 2016, dia do Eid-ul-Fitr, uma festa religiosa que assinala o fim do mês de jejum?
Vai ser tolerância de ponto o dia inteiro? É que se não for, estaremos perante a situação de “dois pesos, duas medidas”.
João de Sousa – 30.03.2016