VOZES DA RÁDIO!
Chamava-se Villas Boas, o simpático senhor que se sentava numa pequenina mesa, no rés do chão do então Rádio Clube de Moçambique, entre os dois elevadores, que hoje, para não fugir à regra, deixaram de funcionar. Era ele quem via todos os dias um mundo de gente a subir e a descer. Ele era o porteiro. Um homem aprumado na sua farda azul. Um dos 3 porteiros do RCM.
Por ele passavam todos os que trabalhavam no Palácio da Rádio, construído em 1948 à custa da contribuição de muitos ouvintes, segundo um projecto do arquitecto italiano Paoli Gadini e baixos relevos na fachada de autoria de António Duarte com decorações murais de José Mergulhão. Para todos eles, locutores, jornalistas, operadores técnicos ou pessoal administrativo, Villas Boas tinha sempre uma palavra de deferência e apreço. Era ele o responsável por receber os ouvintes que pretendessem participar num determinado programa ou falar com alguém que trabalhasse na casa da Rádio.
Numa bela manhã, como acontecia todas as manhãs, eu e o Eugénio Corte Real
subíamos aquelas escadas em direcção à área de estúdios de emissão em língua portuguesa que se situavam no primeiro andar quando amavelmente o Villas Boas nos perguntava: “não querem utilizar o elevador”? Elevador para quê? – respondia o Eugénio. São só 3 lances de escadas e pronto. Para além de que, segundo o próprio Corte Real “fazer um pouquinho de ginástica logo pela matina, não faz mal a ninguém”.
E lá íamos nós à busca do L2, assim se designava o estúdio, onde eu, o Eugénio Corte Real, o José Manuel Gouveia e o Virgílio Rodrigues Júnior (Gilito) dávamos os bons dias aos ouvintes através do “Bondiazinho” das Produções Golo. Fizemos isso, das 06.30 às 08.00 horas, todos os dias de segunda a sexta feira, durante 10 anos.
No estúdio ao lado (L1) outras vozes da Rádio, responsáveis, no mesmo horário que o nosso, pelo “Tic Tac” das Produções Elmo. Eram as vozes do Fernando Rebelo e da Maria Adalgisa, auxiliados por técnicos de reconhecida competência como eram os casos do Carlos Silva ou do Eduardo Pereira.
Carlos Ribeiro da Silva na cabine do Auditório do Rádio Clube de Moçambique
No mesmo andar, logo pela manhã, a GOLO e a ELMO. Dois programas, para destinatários diferentes mas com um único objectivo: despertar os ouvintes e fazer com que eles cumprissem com todas as suas obrigações matinais, antes de se dirigirem aos respectivos locais de trabalho. Nós no Canal “D”, e eles no Canal “A”.
Num dia do mês de Agosto de 1970, aí por volta das 07.45 horas, a quinze minutos do fim do programa, o Villas Boas (porteiro) liga para o átrio dos estúdios e pede para me chamarem. “Está aqui uma senhora que quer falar contigo”. Pedi que informasse a senhora que só poderia falar com ela uma vez terminado o programa.
Caricaturas da equipa do “Bondiazinho“
E assim foi. Quando cheguei ao rés do chão perguntei ao Villas Boas pela senhora. “É aquela que está ali sentada”. Dirigi-me a ela e apresentei-me. A senhora olhou fixamente para mim e disparou: “pensei que fosse um branco”. Deu meia volta e foi-se embora.
PS: Decidi contar esta história a propósito do 18 de Março, Dia da Radiodifusão em Moçambique. A primeira emissão foi ouvida no dia 18 de Março de 1933, faz hoje 82 anos.
João de Sousa – 18.03.2015