COMPARANDO MEMÓRIAS DA VIDA ESCOLAR COM ANTÓNIO LOBO ANTUNES
Por Nelson Silva
Li há dias as recordações de António Lobo Antunes sobre os seus tempos de escola, publicadas na página de fãs, aqui no Facebook, sempre com o entusiasmo de quem o lê, mesmo sobre coisas feias, como é o caso.
Horrível, com um somar de correctivos e enxovalhos despropositados e humilhantes, que lhe marcaram a memória negativamente sobre o período da primária e do secundário, no que diz respeito a uma série de professores e aos seus métodos, descritos de um modo como só ele sabe fazer. Eu, ao contrário, não tenho quase lembranças desses mesmos períodos, que correram com tal normalidade, que quase me faz esquecer que por lá passei, embora também tenham decorrido no período de antes do 25 de Abril.
Da escola primária, melhor, da primeira classe, no Colégio João de Barros, encostado ao Parque José Cabral, agora dos Continuadores, no Moçambique independente, o que me lembro melhor é do imenso quintal, com umas árvores no meio, onde – os rapazes – corríamos e jogávamos futebol à vontade, enquanto as meninas saltavam à corda e corriam também, jogando à cabra-cega. Das lições e da professora, nada retive. Justifica-se, porque tinha só quatro anos e meio quando lá entrei, acompanhando uma prima mais velha. Ah! O meu tio era do Benfica e, às 2ªs feiras, antes de sair de casa lia o desporto dos dois jornais que tinham sido colocados de madrugada por debaixo da porta, para saber se o seu clube tinha tido um deslize, o que o colocava de mau humor a subir toda a Av. 31 de Janeiro, onde eu morava, até ao Parque José Cabral, onde nos deixava à minha prima e a mim. A minha mãe recolhia-nos no final da manhã, fazendo o percurso contrário, primeiramente, com a minha prima a ser deixada em sua casa.
Daquilo que eu já considero a Escola Primária, a João Belo,
recordo-me do director, Faustino Gouveia, que me fez, logo de entrada, um exame para ver se eu tinha conhecimentos para ingressar na 2ª classe. Era um homem com altura e austeridade, mas afável simultaneamente, cujo aparecimento no recreio ou nos corredores, nos deixava algo inibidos. Deixava os castigos mais severos para o subdirector, o professor Renato, um baixote gorducho – que, ainda eu lá andava, substituiu o director, entretanto promovido a inspector escolar – que mordia a língua enquanto distribuía reguadas quando se deparava, em qualquer lado da escola, um comportamento menos apropriado. Conheci outra faceta dele, mais tarde, como vovô babado, quando acompanhava os netos à escola de natação do Desportivo, onde eu era monitor. Dos professores, nada.
Da escola elementar, Joaquim de Araújo,
onde fiz o que é hoje a 5ª e 6ª classe e para onde ia a pé ou de autocarro desacompanhado, percorrendo uns 10 quarteirões, sem temor de pedófilos e quejandos, recordo-me do amável director, Dr. Rebelo Bastos, do professor de educação física, Vilela, que diversificava as suas aulas, entremeando a ginástica, com toda a sorte de desportos, do porteiro com grande corpanzil – o Sr. Picão – que distribuía uns “caldos” nos cachaços dos que chegavam tarde às aulas ou se comportavam mal nos longos corredores e das palmatoadas – proibidas naquele grau de ensino, mas nunca questionada por pais e superiores – do Dr. Pinto Martins, professor de Português bastante velhote e quase cego, em particular de uma que me calhou, por estar distraído e não ter sido capaz de seguir a leitura de um texto, a partir do sítio onde um colega o tinha deixado. Dos outros professores, mesmo nada.
Na Escola Comercial Dr. Azevedo e Silva
e do Instituto Comercial, recordo o baixinho, mas imponente professor de Português, Dr. José Augusto Vinhal – mais tarde director – que me incentivava, referindo-se aos meus textos com elogios motivadores, lembro-me de uma professora de Inglês, já com alguma idade, em cuja aula tínhamos um comportamento bem relaxado, de uma outra professora de Inglês, alta, delgada e muito pintada – já no Instituto – que me dispensou das aulas, porque frequentávamos a mesma discoteca ao fim de semana, prometendo-me um 14 pelo incómodo e do Dr. Silva e Sousa, alto com a barriga quase a rebentar o seu fato “safari” e de voz grossa, professor de Contabilidade – que me preparou para o futuro – que, como director do Curso, apareceu uma vez na sala para nos invectivar pelo nosso comportamento numa qualquer aula, designando a turma J, a última turma do Curso em que me inseria, como o vagão J que, segundo ele era o último vagão de uma composição ferroviária e que transportava toda a m…a. Dos outros professores, também nada.
A diferença de recordações entre mim e António Lobo Antunes da frequência dos respectivos ensinos primário e secundário, deve mesmo ser o calor e a humidade de África, que amolecia o espírito a todos, mesmo aos professores, talvez uma pedagogia diferente destes, como diferente era a nossa vida em África ou ele era – foi, com certeza – mais atento e sensível ao ambiente escolar que eu, enquanto estudante.
Como nota de rodapé, esclareço – para que não fiquem dúvidas – que, com este texto, não me quis comparar a António Lobo Antunes, no que refere à qualidade ou estilo de prosa, apenas as nossas respectivas memórias de idênticos períodos de vida.
Um Comentário
Chiu weng
Fiz o mesmo percurso escolar.estreei a Joaquim de Araújo, e finalmente para Comercial até ir para tropa em Boane.