Memórias de Alexandre Franco… e um Benfica LM x Sporting LM que ficou para a história do basquetebol moçambicano!
O Benfica ganhou ao Sporting, naquela que foi a melhor e mais saborosa vitória na minha carreira como treinador.
Como a grande maioria deve saber, eu comecei no Basquetebol como jogador que foi proibido de jogar, alegadamente por ter um problema cardíaco. Comecei no Sporting, pela mão de um treinador que nunca esquecerei, o José Lopes, depois de outro treinador famoso na altura, o Alberto Correia Mendes, me ter rejeitado no Desportivo. Esta a grande verdade. E como o mundo tem coisas fabulosas, passados muitos anos, quando Alberto Correia Mendes foi nomeado treinador da Seleção Nacional de Moçambique para os jogos da Independência, não só me convidou para seu Adjunto, como no fim da série dos jogos contra a Zâmbia contou numa reunião final com os jogadores a história da “rejeição” do Alexandre quando ele tinha apenas 14 anos de idade (lembram-se, com certeza, de que naquela altura tínhamos que esperar pelos 14 anos para podermos jogar basquetebol oficialmente).
Bom, vamos regressar ao que interessa. Como jogador-proibido de jogar, não deixei o basquetebol e passei a ser, primeiro seccionista e depois tradutor de treinador (quando chegou a Moçambique o primeiro basquetebolista americano Steven DeLapp). Ainda hoje tenho a medalha de Treinador Vice-Campeão de Portugal, quando em 1970 perdemos com o Benfica de Lisboa, em Luanda, numa final que nunca mais esquecerei, pois a 5 segundos do fim ganhávamos por um ponto e tínhamos uma reposição pela linha lateral, com o Nelson a entregar a bola a Sérgio Carvalho, que se tivesse segurado a bola durante 5 segundos, éramos campeões, mas não, optou por arrancar para o cesto. Fez “passos”. A reposição foi feita pelo Benfica para com um lançamento do meio campo e com o nosso gigante John Hucks a olhar para a bola debaixo do cesto, sem nada poder fazer e a mesma entrar, sem “espinhas”, para dar o campeonato ao Benfica. Simplesmente inacreditável.
Época 1969/70 – Seniores
(Campeonato Nacional em Luanda – Vencedor Benfica de Luanda)
• Campeão Provincial Moçambique • Vice-Campeão Nacional
Em cima: Steven Delapp, Sérgio Carvalho, Mário Albuquerque, João Romão, John Hucks, Nelson Serra, Alexandre Franco (Treinador).
Em baixo: Fernando Martins, Fernando Fernandes, José M. Pinto Sousa, António Mora Ramos e Victor Morgado.
Só posteriormente tirei o curso de treinador, com o americano Bill Fitch. Com um diploma na mão e sabendo que no Sporting a “prata da casa” não servia, eis que os senhores Machado e Luís Branco, do Benfica de Lourenço Marques me convidaram para criar o departamento de Basquetebol do Sport Lourenço Marques e Benfica. Era um desafio complicado e difícil, mas aceitei. Isto de passar do Sporting para o Benfica, não era fácil.
Na primeira época disputámos apenas os campeonatos de Juvenis e de Juniores. Na temporada seguinte, com alguns jogadores Juniores a atingirem a idade de Seniores, disse aos senhores Machado e Luís Branco que seria uma boa ideia criarmos uma equipa Sénior, pois não só tínhamos alguns Juniores a subirem de categoria, como poderíamos ir buscar alguns jogadores de outros clubes, aqueles que nos seus clubes também sentiam que “a prata da casa” não servia. Concordaram sob a condição de trazermos um americano, pois eu não estava na disposição de ser “esmagado” por equipas como as do Sporting, do Desportivo, do Ferroviário, do Malhangalene, ou mesmo da Real Sociedade,
Foi então que chegou Mahlon Sanders, depois de uma pesquisa que fiz com a ajuda de alguns amigos, entre eles Steven de Lapp e Bill Fitch, eis que chegou aquele que foi um jogador fora-de-série, digam lá o que disserem.
O Mahlon era o exemplo do atleta americano que como basquetebolista sabia que se tinha que treinar muito para se atingir os níveis mais elevados de execução. Treinávamos no campo do Benfica. Lá longe, na Costa do Sol, num campo de cimento, com tabelas de madeira, e onde o vento soprava sempre com muita força, dificultando qualquer treino de uma equipa de basquetebol. Foi então que o Mahlon me pediu se eu conseguia a autorização do Sporting para ele treinar durante as manhãs no Pavilhão leonino. Falei com o então diretor do Basquetebol do Sporting Clube de Lourenço Marques, Domingos Moura, que nos autorizou para que o Mahlon durante as manhãs treinasse no Pavilhão.
O Mahlon vivia num apartamento na Manuel de Arriaga, ao pé da 24 de Julho, isso…, bem perto do Manuel Rodrigues (Cinema), e todas as manhãs ia a pé (nem queria que eu o fosse buscar) desde o seu apartamento, a andar e a correr (bom treino para a sua condição física) até ao Pavilhão do Sporting. Quem conhece a nossa cidade (Lourenço Marques), sabe bem qual a distância.
Sózinho, Mahlon Sanders ganhou grande à-vontade no Pavilhão do Sporting. Nos treinos, à noite, no campo do Benfica, era só uma adaptação dos jogadores ao Mahlon Sanders (muitos serão os ex-jogadores desta equipa que sabem como era exatamente como digo). Recordo-me de conseguir bons basquetebolistas, como o João Ferreira, o Vítor Rocha, o João Silva, o Vítor Agostinho, o Orlando Noronha e alguns ex-juniores, a aceitarem o Mahlon Sanders para defenderem o melhor possível e deixarem que fosse o Mahlon a resolver a maior parte das situações ofensivas.
Treino da equipa sénior do Benfica LM – Victor Agostinho, Alexandre Franco (Treinador) e João Ferreira.
Recordo-me de um jogo contra a Académica, em que o David Adkins (na altura treinador dos estudantes), saiu do seu banco e dirigiu-se a mim, no banco oposto, (em pleno jogo), para me dizer: “Se existisse a linha de 3 pontos vocês ganhavam, a brincar, pois o Mahlon marca a maioria dos seus cestos muito antes daquilo que seria a linha de 3 pontos.”
Benfica LM vs AcadémicaLM no pavilhão do Sporting LM.
Na altura jogávamos sem a linha de 3 pontos. Portanto os cestos de meia-distância ou mesmo de longa-distância apenas contavam os 2 pontos da praxe.
Mas vamos então ao que o Samuel me pediu e sei que vou contar coisas que nunca ninguém soube.
O treinador do Sporting, na altura, era o Luís Pina e esta verdade chegou até mim após o jogo, através daquele que já na altura era o meu Melhor Amigo (e ainda hoje, é o meu Melhor Amigo), aquele que por muitos é considerado o Melhor Jogador Português de todos os tempos, e que eu não tenho a mínima duvida em como foi, indubitavelmente, o Melhor Jogador Português de todos os tempos, Mário Albuquerque. Dizia eu que o Luís Pina na altura, antes do jogo, disse aos seus jogadores (Mário Albuquerque, Nelson Serra, Sérgio Carvalho, Vítor Morgado, João Romão, etc.) para não carregarem no acelerador pois o treinador do Benfica até era um amigo, o Alexandre, por isso não queria que a sua equipa ganhasse ultrapassando os cem pontos. Terá dito, então, o meu amigo Luís Pina: “Não passem dos cem… O treinador do Benfica é o Alexandre que é nosso amigo!”
Época 1971/72 – Seniores
Em cima: Orlando Noronha, C2?, João Ferreira, Mahlon Sanders, Victor Agostinho, Alexandre Franco (Treinador).
Em baixo: João Silva, Armando Monteiro “Jojó”, Victor Rocha, B4?, B5?.
Época 1971/72 – Seniores
Em cima: Alexandre Franco (Treinador), Victor Rocha, Orlindo Lopes, João Ferreira, C5?, Mahlon Sanders, Victor Agostinho.
Em baixo: B1?, B2?, João Silva, B4?, B5?, B6?.
O Jogo decorreu com o Mahlon Sanders a realizar a melhor exibição que eu jamais vi num jogador americano, incluindo mesmo aquele fabuloso Frank Martiniuk do Desportivo, ou os que se seguiram, na Académica, no Sporting e no Malhangalene, desafiando o Mário e o Nelson para que discutissem com ele situações de um contra um. Só visto. Depois, a resposta com lançamentos quase junto à linha divisória dos dois meios campos, um inesquecível espetáculo Mahlon Sanders, para chegarmos ao fim como incontestáveis vencedores.
No exterior do Pavilhão, roendo as unhas e sem coragem para ver o jogo, o amigo Machado, que de repente, ao soar o apito final, correu para dentro do campo viu que o seu Benfica tinha ganho ao Sporting e atirou-se em autentico voo para cima de mim, gritando a sua alegria e a sua emoção, numa mistura de gargalhadas e de lágrimas. Só visto. Luís Branco abraçou-se a mim, como se tivéssemos conquistado o campeonato. Mas também aconteceu o contrário, com alguns dos chamados “chacais” a gritarem frases como “traidor”, “melancia” e “nunca me enganaste”… Enfim!
A verdade é que no fim daquela temporada fui convidado para regressar ao Sporting e assumir o comando das equipas de Juvenis e de Juniores, conseguindo com a equipa de Juvenis o maior e melhor recorde de uma equipa de Juvenis, com 42 jogos e 42 vitórias.
Época 1972/73 -Juvenis
• Campeão Distrital L. Marques • Campeão Provincial Moçambique
Em cima: Meirim (Seccionista), Tam Ling, António Marques, Jorge Taborda, Mata, Luis Fernandes, Ventura, Alexandre Franco (Treinador).
Em baixo: M. Coelho (?), António Luis, Mário Martins, Artur Meirim, Bica, Luciano
Na altura, o meu acordo com o Sporting Clube de Lourenço Marques foi: “Não recebo qualquer vencimento, mas no fim de cada temporada o Sporting paga o custo das despesas para eu ir à Europa e aos Estados Unidos tirar cursos de treinador de basquetebol, o que aconteceu, com destaque para os Campeonatos europeus de Juniores, na Europa, e de Seniores em Espanha (1973), assim como duas viagens a Universidades Americanas, onde muito aprendi em “clínicas” com Lou Carnesecca, na Universidade de St. John’s, Hubie Brown, Jack Donohue… e tantos outros.
Nessa altura fui convidado para Selecionador dos Juniores de Moçambique, para uma deslocação que fizemos a Angola. Lembro-me bem como utilizei o teste de Cooper para escolher os jogadores em melhor condição física, principalmente por causa dos jogadores da Académica, onde estava o Beto Correia Mendes. Nunca mais me esqueço que quando chegámos a Luanda e a comitiva ficou instalada no ISEP (Instituto de Educação Física) que ficava na Ponta da Ilha de Luanda, avisei os jogadores que se instalassem nos seus quartos e que uma hora depois nos encontrássemos junto ao autocarro para irmos fazer o primeiro treino no Pavilhão da Mocidade Portuguesa. Todos responderam muito bem, menos o Beto Correia Mendes que não estava presente. Perguntei aos seus colegas da Académica o que se passava com ele e disseram-me que ele tinha por hábito fazer uma corrida antes dos treinos. Pedi ao condutor do autocarro que fosse pela estrada da Ponta da Ilha e partimos à procura do Beto. Passados uns minutos lá vinha ele a correr. Parámos e ele entrou para o autocarro. Na altura, não lhe disse absolutamente nada. Não ia repreende-lo à frente dos outros jogadores. Quando chegámos ao Pavilhão, chamei o Beto à parte e disse-lhe: “Beto, quando eu disser a todos os jogadores que nos encontramos em determinado local, a determinada hora, é para todos, incluindo o Beto Correia Mendes.” Muito calmamente, adicionei: “Mais uma falha e apanhas o primeiro avião para Lourenço Marques!” Daí para a frente contei com o Beto e de que maneira. Quis provar que era o bom jogador que tinha merecido aquela chamada… e mais ainda, muito embora nunca ninguém me tivesse dito seja o que for, ainda hoje, passados estes anos todos, estou convencido que o pai, Alberto Correia Mendes, só me convidou para seu Adjunto depois daquilo que o seu filho Beto lhe terá dito a meu respeito.
Não foi por acaso que ao terminar aquela digressão que fizemos para defrontarmos a equipa da Zâmbia, nos Jogos da Independência de Moçambique,
Ano de 1975 – Seniores – Selecção Nacional R. P. Moçambique
“Festejos da Independência de Moçambique ” • (Moçambique – 154 x Zâmbia – 94)
Em cima: Alexandre Franco (Seleccionador adjunto), Correia Mendes (Seleccionador), Armindo Costa, Nuno Narcy, Manuel Marreiros, Tam Ling, George Sing, Artur Van Zeller, Samuel Carvalho, Carlos Sousa (Dirigente).
Em baixo: João Domingues, Hélder Luís, António Almeida, Alberto Correia Mendes, António Araújo, Sebastião (Roupeiro).
Alberto Correia Mendes tenha afirmado, depois de ter contado a minha “rejeição” quando o Alexandre Franco tinha 14 anos, disse: “E não tenho problema nenhum em afirmar que depois destes jogos da Seleção de Moçambique aprendi muito com o mesmo Alexandre!”
Tratava-se de um treinador veterano e reconhecido, perante um jovem ainda a dar os primeiros passos na sua carreira de treinador de basquetebol.
Foi quando do regresso de Angola e do termo dessa temporada como treinador dos Juvenis e Juniores, que o então Diretor do Departamento Carlos Serra me convidou para treinador da equipa principal, o que me apanhou de surpresa, isto porque na altura, por razões estúpidas e de atitude jovem sem explicação, eu e o Nelson não falávamos um com o outro. E, quando o Cató me convidou, eu disse-lhe: “Mas, Cató, tu sabes que eu e o Nelson não nos falamos. O Mário tinha partido para Portugal e portanto a grande estrela da equipa era o Nelson. Foi então que o Cató me disse: “Alexandre eu estou a convidar-te para treinador da equipa principal porque foi precisamente o Nelson que me disse que tu eras a única pessoa que podia tomar conta da equipa.”
Época 1975 – Seniores
Em cima: Fernando Silva (Seccionista), Hélder Silva, Tam Ling, Eustácio Dias, Luís Almeida, Belmiro Simango, Alexandre Franco (Treinador).
Em baixo: António Marques, Mário Martins, Luís Dionísio, João Donato, Manuel Santiago, Nelson Serra.
Claro que aceitei e esqueci tudo quanto era um passado recente, incluindo aquela que foi a maior vitória da minha carreira como treinador de basquetebol e que foi o triunfo do Benfica de Lourenço Marques sobre o Sporting de Lourenço Marques.
Aqui fica o meu agradecimento ao Samuel Carvalho, também ele um ícone do basquetebol moçambicano, por se ter lembrado de mim, um tal JAF que existe esquecido, algures no continente norte-americano, mas que terá sempre o Basquetebol Moçambicano no seu coração.
3 Comentários
Dave Adkins
Sím, durante o meus 3 anos em LM, me lembro o jovem Zé Franco como treinador e administrador de Benfica, jornalista de esportes e traductor dos subtítulos do cine. Também acho que Jé foi envolvido com o programa de mini-basquet. Era um homem on the go.
Jorge Taborda
Julgo que o nome que falta na equipa de juvenis do Sporting é ventura. Era um juvenil que deve ter sido registado já com alguma idade …
Lembro-me de quando fomos à beira disputar a fase final, oVentura tinha uma densa barba que levou a alguma confusão.
Admin
Obrigado Jorge Taborda pela informação. Aquele abraço!