“O ladrão de Wadi-Alfa” – Por António Fonseca
Em 1952, três equipas de basquetebol moçambicano, deslocaram-se a Portugal: o Sporting, o Desportivo e o Ferroviário.
Os organizadores dos Torneios de Basquetebol fretaram um DC-3 (Dakota) da África do Sul, para nos levarem até Lisboa.
Como éramos vinte e sete passageiros e o Dakota fora projectado para 21, o proprietário do avião, antecipadamente avisado do número de passageiros, retirou os bancos e colocou, em seu lugar, uns mais leves, com lonas, nos assentos e nas costas.
E… o DC3 levantou voo, para irmos pernoitar em Elizabethville, no antigo Congo Belga.
No dia seguinte, o nosso avião, que mais parecia um cargueiro, foi solicitado para realizar uma nova tarefa, que era levar um motor para uma aeronave retida, por avaria, em Tabora, na Tanzânia.
Por esse motivo, tivemos de mudar de avião, no percurso até aquele local e regozijámo-nos por fazer esse trajecto num verdadeiro avião de passageiros, mas, logo depois, voltámos ao cargueiro, para prosseguir viagem.
O itinerário estava assim projectado: Lourenço Marques, Livingstone, Elizabethville (ex Congo Belga), Tabora (Tanzânia) Kartum (Sudão) Wadi-Alfa (Sul do Egipto), Tobruk, Ilha de Malta, Argel, Gibraltar e Lisboa.
Pelas dificultades do raio de acção do Dakota, tivemos que ir aos saltinhos e viajávamos só de dia.
Pernoitámos três noites.
A viagem levou três dias e iniciámos, então, outra etapa: Tabora, Kartum, Wadi-Alfa no sul do Egipto, Tobruk e Ilha de Malta, onde pernoitámos.
No dia seguinte, o Dakota dirigiu-se para Argel, sobrevoando o Mar Mediterrâneo.
Tínhamos cerca de hora e meia de voo, quando, de repente, pararam os dois motores.
Fez-se um silêncio de morte.
O falecido José Gomes e eu sentávamo-nos nas últimas cadeiras, tendo à nossa frente um espectáculo inesquecível.
Ninguém falava… Ouviam-se os membros da tripulação aos gritos e as caras dos nossos colegas e, com certeza, as nossas também, haviam-se modificado.
Que pensamentos iam em cada um de nós, ninguém pode imaginar.
Não tardaram dois minutos e tudo voltou ao normal. Respirámos de alívio.
Porém, ao aterrar em Argel, o nosso Dakota furou um pneu, visto que a pista havia sido feita em tempo de guerra e, quando o avião fazia o táxi para o Aeroporto, como o piso era de ferro, zás… lá se foi uma roda do avião!
Era a hora de almoço e a rapaziada, enquanto se mudava o pneu, que levou bem umas três horas, contentou-se com umas sandes.
A próxima etapa era Gibraltar e depois Lisboa.
Todos os jogadores viajavam de fato de treino.
Quando chegámos a Wadi-Alfa, fomos alojados num esplêndido hotel, nas margens do rio Nilo.
Sempre que viajava como desportista, e, quando as toalhas do hotel tinham inscrito nelas o nome de marca do mesmo, sentia-me sempre vocacionado, a título de lembrança, de surripiar uma.
Narrei esse facto, durante a viagem, aos meus colegas e referi até as toalhas que já tinha em casa, como colecção.
Acontece que, por aquelas bandas, desde Kartum, havia notado a forma desconfiada com que os trabalhadores nos olhavam e controlavam. Contavam tudo, os cinzeiros, os copos e as chávenas, etc.
No dia da saída do hotel, enrolei a minha bela toalha com o timbre de marca do Hotel, no meu corpo, por dentro do meu blusão do fato de treino.
Estávamos já no autocarro, prontos para partir para o Aeroporto, quando aparece o Gerente, a correr, direito a nós, referindo que faltava uma toalha num quarto.
Silêncio absoluto…
O Tenente Lopes Praça, do Desportivo, levanta-se e solicita, a quem, porventura, tivesse desviado a toalha, o favor de a devolver, porque se não o fizesse rapidamente, iríamos atrasar o nosso voo que era, nesse dia, um voo de muitas horas.
Colocou-se a questão ao Gerente, que, para resolver o problema, teria de nos informar qual era o quarto onde se verificara a falta da tal toalha de banho.
Veio um trabalhador do hotel, comunicar, em voz baixa, ao gerente o número do quarto roubado e, este, por sua vez, informou-nos, em voz alta, que a toalha desaparecera do quarto tal, quarto esse, que era o do falecido Oliveira Dias, que não teve outra hipótese, senão ir abrir a mala e devolver a toalha.
A minha continuou enrolada no meu corpo até ao Aeroporto, onde depois a transferi, sem problemas, para a mala.
A partir dessa altura, o Oliveira Dias ganhou a alcunha de… “O ladrão de Wadi-Alfa”