Pelé, Eusébio e Louis Armstrong…
Por António Botelho de Melo
Quando eu tinha para aí dez, onze anos de idade, três das minhas referências incontornáveis em Lourenço Marques eram – quiçá curiosamente, se se atender a perfumada dialética pós-colonial agora vigente – negros ou afins: Pelé, Eusébio e (o exmo. Leitor está sentado?) o cantor e trompetista norte-americano, Louis Armstrong, pois eu adorava jazz (e música clássica) e o Pai Melo tinha dois discos soberbos dele – High Society e Satchmo the Great. Ainda hoje os oiço.
Quando soube que Louis Armstrong tinha morrido (em 6 de Julho de 1971) fiquei absolutamente desolado e a família até pensou que me tinha dado uma coisa má. Quando souberam a razão, desatou tudo a rir, o que me deixou desolado e furioso.
Pelé era então um deus do futebol e para mim só comparável ao Eusébio, que era uma estrela da nossa terra, adorado por brancos e pretos, para, imagino, suprema irritação dos futuros Libertadores.
Quando o meu Pai treinou o Nova Aliança, pequeno e venerando clube do Xipamanine, com doze anos de idade, por mais que uma vez fiz de operador de câmara e fui projectar num lençol branco pendurado à porta duma cantina que ficava no meio do Xipamanine um velho filme do Mundial de 1966, em que comparecia metade do bairro, e sempre que aparecia o Eusébio no écran a multidão perdia completamente a cabeça (hum se calhar era proto-nacionalismo anti-colonial?).
Na altura tive durante uns anos um pequeno macaco, a que dei o nome de Pelé. Adorava-o, mas ele conseguia aterrorizar a Mãe Melo com as suas traquinices e por isso vivia banido da casa (excepto à noite quando discretamente o metia no meu quarto via uma janela). Um dia fugiu e não voltou.
Muitos anos depois de ter parado de jogar futebol, Eusébio permaneceria no firmamento português e (menos, devido à política, tiques pós-coloniais e ressabianço por ele achar melhor estar no lado português, ou seja o lado errado da paliçada) moçambicano durante décadas, até morrer em Lisboa a 5 de Janeiro de 2014. Sem referências emotivas comparáveis a não ser a Amália e a Irmã Lúcia, os portugueses carpiram e sepultaram-no solenemente no Panteão Nacional, um monumento algo grotesco inventado pela I República onde agora (ah ah) cobram bilhete para entrar.
A dez euros cada entrada, o Eusébio vai ter que esperar para receber uma visita minha.
E agora (29 de Dezembro de 2022) morreu o grande Pelé, nome formal Edson Arantes do Nascimento. A dois dias da atribulada transição de Bolsonaro de volta para Lula da Silva, aquilo foi um bocado confuso mas lá lhe fizeram as honras da casa.
Todos serão por mim recordados com respeito e afecto.
8 Comentários
Luis 'Manduca' Russell
Vivam,
De vez em quando venho aqui ao Big Slam numa tentativa de ‘recuperar’ algumas partes da vida que foi abrupta e inexplicavelmente interrompida por umas pessoas que me expulsaram (‘at the stroke of a pen, out of the barrel of a gun’) da minha Terra Natal quando ainda era uma criança.
Começo por dar os parabéns ao António Botelho de Melo por mais um ‘post’ tão bem escrito na nossa linda língua pátria e agradecer o esforço de todo(a)s em manter vivas as nossas memórias – um grande Kanimambo! Curiosidade: porquê Big Slam? Acho um nome excelente, só estou a tentar satisfazer a curiosidade…
Sobre o tema de hoje, o Eusébio era amigo do meu pai e visita lá de casa. No início, eu era muito pequenino e não percebia quem ele era, era apenas mais um dos amigos do meu pai, só me apercebi da sua dimensão muito mais tarde, quando a minha idade permitiu. Sabia que era jogador de futebol porque o meu pai (já depois de alguns copos) voltava sempre à mesma conversa, que ele devia ter ido para o Desportivo (GDLM) – nosso clube do coração – e o Eusébio respondia sempre que tinha tentado mas não o tinham aceitado no GDLM, etc. etc., vira o disco e toca o mesmo…
Falando agora de discos propriamente ditos, ou seja quanto à música, lembro-me de ver lá por casa, ainda em Lourenço Marques, discos do Martinho da Vila, da Gigliola Cinquetti, James Last, muito jazz, incluindo Louis Armstrong (portanto, de todas as cores e feitios, como a nossa família e amigos), que eram do meu pai. Nos últimos anos, numa onda saudosista, andei a tentar comprar discos desses grandes artistas, em lojas, em feiras de velharias, no OLX, etc., para acrescentar essas memórias de infância à minha ‘discoteca’. Enfim, coisas da vida…
Um grande bem haja para todo(a)s!
Luís ‘Manduca’ Russell
josé Neves zeca
Antes de mais, obrigado por me ter aceite neste grupo.
Gostei das notícias.
Eusébio um grande jogado de renome internacional
Manuel Martins Terra
Caro António, referenciaste três grandes estrelas de uma constelação de luxo. Quiçá os dois maiores futebolistas de sempre do seu tempo, porque outro tempo virá, e o grande Louis Armstrong, cantor e trompetista, o maior “craque de sempre” de sempre do jazz que cantava e encantava as grandes plateias que tiveram o prazer de o verem dar show, Gostei da tua alusão ao Campo de Xipamanine, onde o teu saudoso pai e o teu irmão Mesquita, fizeram do Nova Aliança uma equipa sensação com aqueles putos talentosos, que fizeram tremer as melhores equipas do Campeonato Distrital. O grande Eusébio, morreu amargurado com os políticos do seu país, confiscando-lhe com o dinheiro que ganhou em Portugal, envergando a camisola do Benfica e da Seleção Nacional, o prédio que mandou construir na Av. Caldas Xavier, junto à entrada para o Bairro da Mafalala. Pele, Eusébio e Louis Armstrong, partiram, mas quem tem memória certamente jamais os esquecerá. António Botelho de Melo, um grande abraço para ti do amigo Manuel Terra.
ABM
No original estava “Now That’s Jazz” do filme High Society Mas este dá.
Vitor Teixeira
Sempre em forma Zé. Adorei que me recordasses essa história contada quando eu pequenino a ouvia em tua casa. Grande Abraço
José Manuel Bulcão Pereira
Saudades de ver o Eusébio jogar no campo de terra onde hoje está a Igreja da Munhuana. Morava na Caldas Xavier, por cima da segunda secretária da FAZENDA. Todos os sábados lá estava vendo Eusébio, descalço, dar seu show.
E, acabou casando com minha vizinha e amiga Lolita, grande ginasta.
Grande abraço a todos os VERDADEIROS PORTUGUESES.
Luiz Branco
Nem mais António
Clotilde Melo
Grandes referências não só a nível de LM mas mundiais. Foram ídolos e exemplos para todos nós