Recordando Dana Michahelles e os seus desenhos de Lourenço Marques dos anos 60 e 70
Dana Michahelles (1933-2002) nasceu em Florença – Itália, e era filha de artistas. Seu pai era o pintor florentino RAM (Ruggero Michahelles), seu tio era o pintor futurista Thayaht e seu bisavô era Hyram Powers, um escultor americano neoclássico.
Frequentou o Instituto de Belas Artes de Florença, mas aos 15 anos partiu para a África onde permaneceu por 27 anos em Moçambique, criando uma identidade artística contrastante. Constituiu família, trabalhou muito, nunca deixando de pintar.
O trabalho de Dana é relativamente desconhecido na sua cidade natal.
Irão ser selecionados alguns dos seus trabalhos, que podem ser considerados narrativas, paisagens urbanas e documentação visual que ilustra a vida como ela era vivida. Muitas pessoas se lembram dela desenhando nas ruas com seu bloco de papel e suas canetas em Lourenço Marques (Maputo), em Lisboa, na cidade do Cabo e em Florença. Para todos, ela deixou a impressão de ser uma artista tranquila e de grande talento. Dana fazia os seus desenhos no meio das pessoas, rodeada de ruídos, vozes e movimento.
Ela colocou no papel a arquitetura que a impressionou, com uma linha decisiva e forte para representar as partes pesadas e estruturais, ao mesmo tempo que foi capaz de capturar um mundo efêmero em constante mutação e movimento, de pessoas – das quais ela esboçava de leve, dando a sensação de passagem momentânea e de momentos fugazes, como se pode ver em muitas de suas obras.
Fundamentalmente pelo seu estilo de desenho, trabalhou como desenhista durante 10 anos no atelier do famoso arquiteto português Amândio Alpoim Guedes (conhecido como Pancho Guedes). Foi uma época em que tudo ainda era desenhado à mão; a tecnologia e os instrumentos de hoje não existiam. Essa foi uma vantagem que lhe permitiu desenvolver um fino senso de proporção e perspetiva enquanto aperfeiçoava, ano após ano, uma maneira particular de usar caneta e tinta, sua própria especialização.
Poema de Rui Knopfli, dedicado a Dana e em que menciona a Casa Viegas.
DANA
Pelo trajecto sangrento das acácias,
da Mafalala às areias da Polana,
ou à maré morta da Catembe;
do Ho Ling à Casa Elefante,
da Casa Viegas ao Prédio Pott;
da opulenta sombra do cajueiro
à nobre majestade do eucalipto,
ainda resiste, na memória, uma cidade.
Por tardes de longa canícula,
sentada em seu regaço, a menina
dos cabelos cor de cobre regista-lhe,
com paciente labor, na brancura
do A3, a minúcia do perfil
que esbatido aos poucos, lentamente,
no deserto da memória vai morrendo.
Dele, em tempo, só restará o sal
teimoso que, a algum verso,
há-de emprestar o travo amargo
e o que, no rigor afectuoso dos seu traço,
da insanável ferida oculta,
é, obstinadamente, a visível cicatriz.
O desenho retrata o Kiosk Olímpia, que ficava na esquina das Avenidas da República e Manuel de Arriaga, onde agora está o que resta da antiga sede do BCM. À esquerda fica a Avenida da República. Atrás da imagem do Kiosk vê-se, num canto, uma ponta do Bazar.
Fotos e legendas retirados com a devida vénia do blog The Delagoa Bay de ABM.
- O BigSlam irá publicar brevemente mais alguns trabalhos desta ilustre artista e com o intuito de tentarem descobrir a que local de L. Marques se referem os seus desenhos.
4 Comentários
ABM
Maravilha.
Carlos Silva
Por vezes via na nos passeios da baixa de L.M a desenhar a tinta da china locais de referencia da baixa da cidade.Ainda hoje possuo alguns desses postais pintados por ela,que revejo com muita satisfação e saudade e que infelizmente não teve na altura reconhecimento devido por parte dos laurentinos.Mas nunca é tarde e graças ao imenso trabalho dos mentores do Big Slam,nomeadamente do nosso amigo Samuel,nunca é tarde para divulgar factos ,figuras e acontecimentos de Moçambique que muito orgulho nos deram e dão ,principalmenta da década de 50/60/70.Kanimanbo a todos que contribuem para divulgar os mesmos .
Manuel Martins Terra
Excelentes desenhos da grande artista gráfica, que de forma muito detalhada brotavam dos traços do seu lápis as imagens mais pitorescas da cidade de Lourenço Marques, dando-lhes um realce que só a sua qualidade nata de observadora lhe conferiam uma autenticidade real. Certamente, que a Dana, partiu para Itália com Moçambique, no coração.Parabéns ao Bigslam, por esta evocação.
melo Ughetto
tenho alguns dos desenhos, não sabia quem tinha desenhado a tinta da china. Guardei porque faz sobressair as minhas memórias, pois nasci na ex-Lourenço Marques em 1943 e vivi lá até 1979. Muito bom e muito bem feito, a cidade e as pessoas estão bem documentadas nuns desenhos primorosos
António N.M.Ughetto