Recordando o Rui Arez, no basquetebol do SLB…
Despertado do meu torpor pelo meu “Coach”, anglicismo agora em vigor, para a lusa palavra treinador, Prof. Eduardo Monteiro que em tempos que já lá vão, foi técnico de basquetebol do glorioso S. L. Benfica.
Disse-me ele, há uns dias atrás, para pôr em texto, umas palavras acerca do meu colega de liceu de equipa e amigo Rui Paulo Arez Fernandes, “vulgo” Rui Arez, nome desportivo.
Ora, sendo fácil a escrita acerca dele difícil se torna discorrer, ou dizer quem ele é no capítulo pessoal, porque não convivemos muito.
Desportivamente falando, o caso é diferente porque ambos jogámos Basquetebol, no ”milénio passado”, tanto em Moçambique, como em Portugal.
Chegou em 1975 à Metrópole, perdoem-me porque para nós era assim que se chamava Portugal aquando da descolonização, e é o único jogador de basquete de Moçambique que conheço, nascido na capital do planalto “maconde”, Mueda.
Para quem não sabe, Mueda era o centro da maior e melhor plantação de algodão Mundial, tendo sido também, palco e cemitério de várias guerras, a de 1914/18, ainda lá existem vestígios do cemitério Alemão, e foi o ponto mais quente da guerra colonial em Moçambique.
Assim sendo, quem e porque raio, iria nascer ali em 1956?
A explicação é por seu pai ter sido alto funcionário da administração da Colónia de Moçambique, por isso ao nascermos, já éramos “privilegiados”, tomávamos banho e lavávamos as mãos em água de Colónia.
Quando ele chegou ao Benfica, por volta de Abril de 75, ainda entrou nas contas da equipa júnior para disputar alguns jogos da fase regular/final, em que fomos vice-campeões Nacionais. Nessa altura, perdemos o Campeonato Nacional de Juniores para uma das grandes equipas do FC Barreirense (A. Mota, Freire, Gameiro, Ramos, Silva) e outros cujos nomes não lembro, e em cujo ginásio/salão de festas… sim… era onde se jogava, pintaram um campo que para além de estreito nas laterais, levava espaldares e uma fila de cadeiras encostadas à parede. Tinha um palco onde, uma tabela lá instalada, era “abanada” na 2ª parte pelo público afeto, caso o visitante estivesse taco-a-taco com eles.
Era assim que se perdia no Barreiro, nos tempos do “verão quente”, nós do SLB, éramos os “fachos” porque eles, público, pensavam que éramos profissionais…
1º F C Barreirense, 2º Sport Lisboa e Benfica, 3º Associação Académica Coimbra, 4º Leixões.
Nessa época de 75/76, o Rui fez grandes jogos quer a efetivo, quer a suplente porque no lugar dele existia, também, um “calmeirão” Guineense o Carlos Robalo grande jogador de bola ao cesto.
Época 1975/76 – Seniores SLB
Em cima: Jaime Jorge (S), Vítor Galvão, Rui Arez, José Parente, Carlos Robalo, Aniceto do Carmo, Vasco Galante, Carlos Cachorreiro e Prof. Eduardo Monteiro (T).
Em baixo: Rui Serafim, Nelson Barata, Luis Saraiva, José Araújo, Carlos Bernardeco, Carlos Costa Leite.
No liceu Padre António Vieira, o Rui não era de se sentar na relva para não sujar as calças, era um dos mais fervorosos adeptos de MPB (música Popular Brasileira), muito em voga na altura com os grandes compositores/letristas Jobim, Chico, Caetano, Gil, Jorge Ben, Vinícius, Toquinho, Bethânia, paixão essa que também partilhava com a Isabel Craveiro Lopes, neta do marechal, ex-presidente da República.
Sim, o PAV era um liceu de “betinhos” da zona de Alvalade/Roma/Av. Brasil, no Pote d’Água, encravado entre uma densa mata (onde muita juventude, foi feliz) e um “bidonville”, bairro de (barracas).
Por causa do cabelo, toda a gente pensava que éramos “irmãos”. O 7º Ano (12º agora), o Rui fê-lo com uma “perna às costas”, partilhámos todas as disciplinas à exceção de Física, porque ele seguiu engenharia e eu, economia.
Aí, também tínhamos uma equipa temível, todos juniores e juvenis de equipas de referência, além dele, do Rui Serafim e de mim do SLB, o Carlos Freitas e o Rogério SCP, mais alguns jogadores federados que nos ajudavam nos jogos mais difíceis, normalmente, contra o Liceu D. Diniz onde pontificava o Carlos Lisboa e outros jogadores também federados.
No SLB época de 1975/1976, a maior parte da equipa fez (juniores/seniores), jogávamos às 8h da manhã de sábado em juniores, (tinha que haver uma diferença de 12h) para podermos jogar na noite do mesmo dia e no domingo à tarde em seniores. Muitas vezes com deslocações à mistura, porque assim era necessário. Nessa época, fomos vice-campeões regionais, tanto em juniores como em seniores, mas, não fomos finalistas nos respetivos Campeonatos Nacionais.
Época 1975/76 – Juniores/Seniores SLB
Em cima: Almeida (M), Carlos Costa Leite, Aniceto Carmo, José Parente, Jaime Gomes, Carlos Cachorreiro, Rui Arez, Eduardo Monteiro (T), Jaime Jorge (S).
Em baixo: Carlos Bernardeco, Vitor Galvão, Nelson Barata, José Araújo, Luis Saraiva, Vasco Galante.
O SLB, a pedido do prof. Monteiro, no final das épocas fazia uma “gracinha” e “mandava-nos passear” uma semana/10 dias de férias (torneios de verão) em Espanha onde todos juntos partilhávamos experiências, criávamos laços de amizade e espírito de equipa.
Em 75/76, fomos a Vigo acampar na Playa del Samil, fazer uns jogos treino com o Dom Bosco de Vigo e com o Obradoiro de Santiago, para além de assistirmos ao Europeu de juniores feminino, onde as Russas jogavam com várias estantes/armários, com mais de 1,90 mts c/barba e bigode…. Deviam ser primas da Uliana Semeonova… As mais bonitinhas eram as Checas e as Húngaras, mas, para falar com elas, só em alemão ou Russo.
Em 76/77, depois de estarmos hospedados 5 dias em La Coruña no Hotel Rias Altas um 4 estrelas de referência, na praia junto ao mar,
para jogarmos um grande torneio no Pavilhão do Estádio Riazor com o Joventut Badalona, Baskonia Victoria (do Bruce Howland que viria a ser jogador do Benfica) e Obradoiro Santiago, onde, à exceção do Obradoiro, levámos umas valentes “coças”, viajámos então para a cidade milenar de Lugo para jogar com o Breogan La Casera.
Calhou-nos ficar o Rui, eu e outro, num quarto do Hostal Gerdiz, uma pensão de morte lenta onde, em vez de estudantes, senhoras estudavam anatomia nalguns senhores, e após troca de olhares na sala de estar, dirigiam-se aos pares, para quartos perto dos nossos, onde se ouviam os “resfolegares” cansados das “presas de caça”.
Até “levantamento de rancho” houve, porque seria suposto termos pensão completa.
O “levantamento de rancho” em Lugo, foi coordenado pelo Robalo que, para além de basquetebolista era cantor de intervenção Guineense e compôs uma simples canção de chamamento à razão, em Espanhol, cujo título era “No Más Sopas Amarillas”, em homenagem a um “caldo aguado amarelo com bolinhas de massa dentro” a que o Chefe do Hostal dava o nome de “sopa”. Foram 3 ou 4 as refeições onde se sentiu “a sua imutável presença”.
Entretanto, na época de 1977/78 somos campeões regionais de seniores, pela 1ª vez, conseguimos a colaboração de um índio Americano de seu nome William Pete Harris, já repetente como jogador do Benfica. (Pena que não tenha ficado a época toda) pois 3 meses depois da sua chegada partiu, para jogar na Holanda nos Nashua Den Bosch.
Época 1977/78 – Seniores SLB
Em cima: Prof Eduardo Monteiro (T), Abílio (M), Nelson Barata, Carlos Costa Leite, José Parente, Carlos Robalo, Pete Harris, Mário Silva, Jaime Jorge (S).
Em baixo: Rui Arez, Jorge Coelho, José Araújo, António José Coelho, José Carlos Coelho, Carlos Bernardeco e Carlos Cachorreiro.
Partilhámos também 2 viagens aos Açores, uma apenas à Terceira, torneio realizado em Angra no Pavilhão do Recreio dos Artistas que em 1980 aquando do terramoto, ficou reduzido a escombros. Aí ganhámos (à Seleção da Terceira por 128-64 segundo me informou o meu amigo Tafé e 92-80 à seleção da Base Americana das Lages). Perdemos depois na Base das Lages no que terá sido a vingança deles por 6 pontos de diferença,
Noutra viagem, onde para além da Terceira ainda demos um salto ao Faial, que resultou na maior “cabazada” (257-38) que alguma vez demos em basquetebol.
No final dessa época tanto o Rui como eu, saímos do SLB, ele viajou para Moçambique e depois para a África do Sul onde se casou e eu, já pai, tive que me dedicar ao trabalho. Fiquei um ano sem jogar, treinando apenas à noite com algumas equipas de 2ª divisão que me permitiram não perder, totalmente, a forma.
Alturas houve, em que passávamos mais tempo juntos do que com as nossas famílias.
Liceu, treinos, jogos, estágios de fim de semana e campeonato Nacional com viagens, por todo o litoral Português, Aveiro, Porto, Coimbra, Figueira, Sangalhos, Algarve, milhares de kms de partilhas, outros episódios e outras digressões tudo isto na companhia do Rui.
Quanto ao Rui Arez, cidadão, marido, pai, arquiteto não poderei falar, mas, o que me apraz dizer é que se ele é como foi no desporto, ainda uma grande escola de virtudes, só se me afigura dizer que é um dos “bons”.
Como Arquiteto, por aquilo que sei, para além de muitas obras que constam do seu portfolio, ele é o responsável pelas aberturas e “renewals “(renovação de lojas) de centros comerciais e retail, da griffe LEVI STRAUSS e representadas, concebidas em “barn style” (celeiro/estábulo) para Portugal e também nalguns países da EU.
Estivemos vários anos entre os 1990 e os 2007 sem nos vermos, mas, após o início dos nossos convívios anuais, passámos a contactar-nos mais amiúde.
Resta-me acrescentar que no final dos anos 80, a minha namorada da altura, era professora na American School e numa festa de School Term, chegou-se um “pirralho” de 8 anos ao pé dela a chamar, miss Katy! Miss Katy! Virámo-nos para trás e vejo o Rui e a Lourdes, era… o filho deles que andava na 3ª Classe e era aluno dela, veja-se a coincidência…
Ano de 1980 – Bank of Lisbon JHB
• Campeão Provincial do Transvaal • Campeão Nacional da África do Sul
• Vencedor Torneio da Páscoa East London
Em cima: Rui Caldas (D. Bosco), Rui Arez (Académica Moçambique), Álvaro Santos “Varito” (Treinador), Niils (holandês) e C5?.
Em baixo: Jorge Simons (Benfica Luanda), Carlos Nunes Silva (Desportivo LM), João Domingues (Malhangalene), Artur Meirim (Sporting LM) e Carlos Simões “Kiko” (Desportivo LM).
Um resumo da tua atividade como atleta:
Recordando os almoços anuais dos Veteranos do Benfica de Basquetebol:
Ano de 2017
Em cima: Prof. Eduardo Monteiro, António Barata, Carlos Robalo, Rogério Santos, Carlos Cachorreiro, Vasco Galante, Mário Silva, Zélia Vaz, Lurdes Roque, Fernanda Vaz, Rui Serafim, António Ferreira e Aniceto Carmo.
Em baixo: Nelson Barata, António Carrufa, José Parente, Rui Arez, Jaime Gomes.
Ano de 2018
Jaime Gomes, António Ferreira, António Carrufa, Rui Arez, Prof. Eduardo Monteiro, José Parente, Luis Saraiva.
- Rui Arez, um colega e amigo que ficará para sempre na nossa memória!
11 Comentários
Luis Rosa Fernandes
Conheci bem o Kiko ,( nº 15 ) , meu vizinho na Sommerchield e Real Sociedade !
Nelson Barata
Agradeço a amabilidade de todos os comentários, mas permitam-me que me dirija a dois deles em particular, um do Ulisses de quem não sei há já bastante tempo, e outro do Tomané Alves, meu adversário no SCP e tb colega de equipa no Clube Tap de quem gostava de obter, se possível fôr, os s/contactos telefónicos. (tenho foto de um Benfica- Sporting p/partilhar)
Noutra situação de comentário, apenas quero expressar que Eça de Queiróz, o mais perto que vai estar de mim, não é através da escrita mas, quando for trasladado para o Panteão Nacional, onde, por mérito e direito, já deveria estar há muito tempo.
Grato e atento
Ulisses Marta da Cruz
Parabéns pela reportagem Nelson.
Bonita a tua homenagem ao Rui.
Um abraço para o Céu e outro para ti.
Tomané Alves
Parabéns Nelson. Magnífico trabalho. Excelente documento. Abração
Nelson Barata
Olá Tomané
Gostava de obter o teu contacto telefónico para partilhar uma foto de um SLB-SCP onde estamos os 2 em 1º Plano, caso estejas interessado. Se tiveres fotos semelhantes também estarei interessado.
Grande abraço para ti
Sergio Braganca Goncalves
Na época 1972 -73 na Academica LM o nosso treinador era o Mário Machado grande jogador (Ferroviário) e treinador.
Carlos Hydalgo Pinto
Trata-se de uma boa descrição do basquetebol nacional da época pós- ditadura. Aproveito para contar algo de interessante, quando no início deste século, me dirigi a uma loja de vestuário masculino, sediada em Queluz. Informei o empregado que era também o dono do negócio, que pretendia comprar um cinto. Aproximou-se, mediu-me a cintura e proporcionou-me o artigo apropriado. Lá me disse que tinha sorte de ser um homem magro, etc, argumentação que fazia parte da cativação dos clientes da sua loja. Lá o informei que aquando da minha juventude, tinha dado uns toques na modalidade de basquetebol amador. Indagou-me onde é que tinha jogado, tendo-lhe respondido que tinha sido em Lourenço Marques. Bem, a conversa mudou de tom e o ex-basquetebolista do Atlético de Queluz, António Inocêncio Simões, la me informou que jogou ao lado de um grande atleta, referindo-se ao meu então ex-colega de turma no Comércio, Leonel Santos. Elucidou-me igualmente, que Carlos Lisboa também passou pelo Atlético de Queluz e que recordava-se das suas excelentes actuações, tanto no A. Queluz e sobretudo, no S.L.B.
Lecionei Geografia Humana, Geografia Económica, Geografia Física, Antropologia Cultural, Introdução ao Desenvolvimento Económico e Social, desde o 7.o Ano, até ao 12.o Ano, no país. Lecionei também a língua portuguesa no estrangeiro, sedo a minha ” alma mater” científica, a Universidade de Estocolmo, onde estudei Geografia (Kultur Geografi) e Economia.
Num dos agrupamentos escolares onde pertenci ao quadro de agrupamento, foi o de Queluz-Belas. A sede de agrupamento é a Escola Secundária Aberto Neto, antigo Liceu Nacional de Queluz. Foi nessa instituição de ensino que me deram a informação, de que o ex-treinador de basquetebol do Atlético de Queluz, Nélson
Serra tinha deixado um Bom legado junto da comunidade basquebolística local. De acordo com a informação recebida, Nélson Serra teve sempre um excelente relacionamento, tanto pedagógico, como desportivo, junto dos seus atletas.
Quanto ao facto de Rui Arez ter nascido em Mueda, palco de cemitério de várias guerras, recomendo a leitura do livro do jornalista Ricardo Marques, cujo título é “Os Fantasmas do Rovuma”. O autor é neto de um antigo combatente durante a I Grande Guerra, precisamente em Mueda. Tanto o meu avô, como um irmão meu, também passaram por essa experiência.
Eduardo Monteiro
O artigo escrito pelo Nelson Barata sobre o Rui Arez e publicado pelo BigSlam está muito bem paginado, quer dizer, tem uma excelente montagem.
O BigSlam não é só uma referência moçambicana, é também um elo de ligação de muitas gerações de basquetebolistas.
Grande Abraço.
Eduardo Monteiro
Laura Seixas
Como o tempo passa depressa … vamos Partindo, mas o melhor é podermos deixar belas histórias de vida para que todos as possam recordar, partilhar e sorrir muito. Apesar de nestes tempos se idolatrar a juventude, nós sentimos orgulho e felicidade por podermos dizer: “somos como o Vinho do Porto!”
Kanimambo Nelson Barata por nos ter proporcionado esta “homenagem” a um campeão da vida que é nosso conterrâneo
ABM
Belo é árduo artigo, não conheci o Rui, mas os “resfolegares cansados das presas de caça”, esta é digna do Eça de Queiroz.
Rogério Machado
Foi com incredulidade, que recebi a notícia de seu falecimento. Muito novo, ainda…
Compartilhamos na África do Sul, o mesmo time – União Portuguesa e inclusive fomos companheiros de trabalho, numa empresa chamada Latin Engineering. Ele, como Inspetor de linha de produção (ainda não era arquiteto) e eu como Preparador de máquinas CNC…
Claro, que nos intervalos laborais, o assunto era… Basquete! Que mais?
Houve assim uma convivência entre nós, que me deixou estarrecido, com sua partida…
Descansa em paz, Rui… um dia, quem sabe, disputaremos altos campeonatos de basquete, na tua nova moradia…
Até lá, acho que meus dois joelhos ficarão bons. Coisas da idade e de ter jogado tanto tempo…