Vivências de um jovem no seu crescimento!
Desporto-Escola de virtudes
Ricardo Filipe Santos Martins
Nasci na Beira, em 17 de Julho de 1957, na Casa de Saúde do Macuti,
bairro onde cresci.
Primeiro filho de uma família de classe média da burguesia citadina,
à qual se vieram juntar duas irmãs.
Vivi sempre com pais e avós paternos que foram marcantes no meu processo de crescimento. Pai nascido na Beira em 1929, mãe lisboeta que teve o primeiro contacto com África em julho de 1956 quando se casou com meu pai nesse mesmo mês na Catedral da Beira.
Meu avô ferroviário ( inspetor de cais), minha mãe na qualidade de secretária assistente do Director dos CFB, e meu pai funcionário da Shell/BPque tendo estudado na África do Sul,tinha assimilado uma cultura inglesa que acabou por influenciar o ambiente de nossa casa nos hábitos quotidianos.
O crescimento até aos cinco anos foi em casa com avós e empregados tipo, “piquenino”, cozinheiro e mainato. Entre brincar, correr, jogar e nadar…o Clube Náutico, o Estoril e as Palmeiras limitavam os movimentos de passeio e exercício lúdico-recreativo.
A primeira instituição escolar que frequentei foi o pré-escolar do Colégio Luís de Camões, da D. Alda.
Calção cinza/azul, meia alta e camisa branca com gravata clássica de risca.
No Macuti, junto à Igreja, funcionava a Escola Primária, onde concluí o ensino básico com “distinção”.
Os primeiros contactos com bola surgiram muito cedo, sendo o pé esquerdo o mais utilizado por já ser tradição de família…tal como pai e tio…entre as praias do Clube Náutico, ao capim do bairro por detrás do hospital.
Terminada a 4ª classe matriculei-me no 1º ano no Colégio D. Gonçalo da Silveira,
vulgo Maristas e terminei lá o 2º ano do ensino preparatório, entre os nove e os onze anos. Disciplina, método, orientação e forma colectiva de integração, com bons princípios de moral e consciência cívica foram-me incutidos.
Sempre tive grande disponibilidade para a actividade física, em particular para a ginástica, natação e movimentação com bola.
Nas palmeiras, no Sporting da Beira iniciei a actividade física com o professor Alberto Paço, um líder exigente e preparado para torcer os maus hábitos de postura corporal e relaxamento. Convivi com destacados atletas que representaram a Ginástica ao nível da cidade…
Os primeiros sintomas de aptidão para o basquete, mini, iniciados e juvenis…começaram com uma bola de ténis de mesa (ping-pong), que tentava “encestar” nas caixas de correio, por detrás das portas principais de casa, no envio à distância para as “platibambas” onde se colocavam os vasos de flores e quer com a mão esquerda quer com a direita desenvolvia movimentos “ambidextros”.
Nos Maristas, com a dinâmica dos irmãos Ilídio, Cordeiro, Francisco e o capitão…. convivi com colegas mais velhos, Flores, Luís Oliveira, Murta, Pinto…que me motivaram para a modalidade. Pular, encestar, correr e tabelar, eram as alternativas que nos intervalos compensavam a tensão dos estudos teóricos e por vezes de insucesso escolar. Nesta dinâmica o processo de crescimento segue o seu percurso normal.
O quotidiano era caracterizado pelo despertar bem cedo, cerca das 5/6h, matabicho por volta das seis e meia, chegada à escola por volta das 7/7e meia, cinco aulas de manhã, almoço no colégio ou regresso a casa…para uma tarde intensa de exercício físico…ginástica, natação..e/ou treinos de basquetebol…
Na puberdade e já no escalão etário de iniciados, os treinos decorriam ao final da tarde três vezes por semana. Treinava durante a semana às segundas,quartas e sextas para um jogo de competição ao sábado à tarde ou domingo de manhã.
Grandes figuras do basquetebol Beirense, integrados em equipas como o Ferroviário, Desportivo, SLB, Atlético Chinês, e Sporting da Beira, onde eu praticava, tinham a hegemonia da modalidade.
Ricardo Martins – 1972
Ricardo Martins (primeiro do lado esquerdo) junto de familiares e amigos chegados
Concluído o 2º ano do Ciclo Preparatório, nos Maristas, entrei para o 3º ano dos liceus, no Pêro de Anaia.
O meu dia a dia estava dividido em 4 partes distintas: aulas, estudo, actividade desportiva e recuperação física e psíquica.
Simultaneamente com o desporto fazia parte do grupo de escuteiros A51 do Macuti, sujas actividades se desenvolviam durante o fim de semana, preparando-nos para enfrentar as adversidades e a sobrevivência.
A partir de 1969, o empenhamento no basquetebol, levou-me a prescindir de várias actividades próprias de um jovem da minha idade,pois dediquei os meus tempos livres, inteiramente à modalidade.
Para além de atleta dinamizei o minibasquete, os torneios Coca-Cola/Milo, fiz parte do corpo de arbitragem da Associação de Basquetebol da Beira, e integrei-me no Torneio da Juventude de Futebol, patrocinado pelo Eduardo Maia, assistindo as funções de meu pai. Como capitão de equipa, monitor de minibasquete, e árbitro descobri intuitivamente uma das características que ainda hoje mantenho: capacidade de liderança.
Dedicava a estas actividades uma média de 5 a 7 horas por dia o que me levou a atingir índices elevados de destreza e mobilidade de movimentos eficazes na descoberta dos “segredos” da prática da modalidade. Os praticantes infantis do mini, reviam-se em alguns de nós e como tal tínhamos responsabilidades acrescidas na formação integral das novas gerações. Esta dedicação levou a que por vezes, sem dar conta, tivesse gestos e automatismos de um praticante de basquete em sítios e locais públicos como supermercados, livrarias, bibliotecas… que se tornavam caricatos…os tiques sem controle. Com tudo isto, nem sempre o rendimento escolar era consentâneo com as minhas potencialidades pois sobrava cada vez menos tempo para os livros e pesquisas.
Durante estes dois anos fui campeão distrital pelo Sporting com participação activa na média de pontos da equipa. Com o elevado rendimento atingido nos escalões menores foram ultrapassadas fases e potenciada a integração em equipas de níveis mais experientes, sendo que a transição de juvenil e júnior tivessem acontecido precocemente.
Esta antecipação “inadequada”, não era consentânea com o crescimento gradual de um aluno jovem que concluía os seus estudos liceais, provocando disfunções comportamentais com episódios de rebeldia e imaturidade no liceu. Apesar da dedicação excessiva ao desporto, concluí o 7º ano dos liceus sem nunca ter reprovado.
(Baile de finalista do Liceu Pêro de Anaia)
(Baile de finalista do Liceu Pêro de Anaia)
Época 1973/74 – Juvenis do Sporting da Beira
Em cima: Ricardo Martins, C2?, Mota, “Tino”, Jorge Santos.
Em baixo: Sabino Andias, Herberto, Carlos Sousa, Paulo Teixeira, Rui Armada.
Ricardo converte mais dois pontos…!
Aos 16 anos fui confrontado com uma realidade que implicou mudança de cidade, com todas as adversidades daí resultantes, agravadas pela transformação política-social que se sentiu aquando do 25 de Abril 1974 e consecutiva independência de Moçambique.
Deixar o aconchego da casa paterna, ir viver para o lar do Ferroviário e iniciar a vida académica na Universidade de Lourenço Marques, e passar a integrar a famosa equipa do Sporting, campeã em título, foram factores de instabilidade emocional extremamente exigentes.
Senti que o que facilitou a minha integração neste novo meio ambiente foi a adaptação que o desporto, como escola de virtudes, me proporcionou.
As relações de amizade criadas pelas competições com colegas e adversários estreitaram a integração numa cidade de dimensões culturalmente diferente – a capital.
Neste período convivi com novas realidades, atletas consagrados e títulos conseguidos nos juniores e seniores, como campeão provincial e pós independência nacional.
Terminada a minha carreira como atleta prossegui o meu vínculo à modalidade como árbitro nacional e internacional e dirigente da Associação de Basquetebol de Maputo tendo participado na organização do Campeonato Africano de Basquetebol e na elaboração do programa e estatutos do desporto em Moçambique.
Tendo optado pela permanência em Moçambique fui convidado a participar na constituição dos novos órgãos do desporto.
A influência que o desporto teve na minha formação como Homem e cidadão activo e participante, foi fulcral para o meu desenvolvimento e competência ao longo da vida.
A juventude de hoje deveria considerar a actividade desportiva como um meio de se enquadrar socialmente na vida activa do País.
As realizações de convívio entre atletas de várias modalidades desportivas são a prova de que o Desporto aglutina e proporciona momentos inolvidáveis.
Por ocasião do primeiro aniversário do BigSlam,
aproveito para felicitar o site, a sua abrangência e a qualidade de informação que proporciona.
Ricardo Martins – 15.06.2013