Deus é branco? – Por Isomar Pedro Gomes
Luanda – Há dias a caminho do Hojy-yá-Henda, a bordo (como habitual) de um dos machimbombos da TCUL Viana vila – Cuca, (privilegio este meio de transporte por ser o mais barato e acessível aos pobres para rotas longas, mau grado a ‘sardinhada e a catingada’), um dos vários azulinhos que ‘palmilham’ as nossas estradas, os nossos emblemáticos táxis colectivos, chamou a atenção do público, exibindo no seu ‘traseiro’ o seguinte dístico:“DEUS É BRANCO, MULATO É ANJO, PRETO É DIABO”
Tal dístico é óbvio levantou as mais diversas celeumas entre os passageiros do machimbombo e creio entre todos os ‘observadores’ e transeuntes por onde o dito azulinho (mini mbombó) ‘rasgava’ o seu ‘popó-show’. Raciocinei com os meus botões e os meus botões comigo, as causas que levaram o proprietário do ‘popó’ ou do ‘chauffeur de praça’ a mencionar e exibir tal ‘desgraçado ou ditoso (?!)‘ rótulo. Na busca mental das ‘causas’, não pude deixar de comparar o modo de vida de hoje e o da administração colonial, quando o País e a grossa maioria dos países do continente Africano, era administrado por indivíduos maioritariamente de raça branca, provenientes da Europa, “os tais colonos”, poderia África ser comparada a um paraíso? A quem diga que sim, e eu não discordo dele! “Colonialismo caiu na lama!” Lembram-se deste célebre estribilho 1974-1977? A JÓIA COLONIAL Angola, era mundialmente conhecida como a Jóia do império Português e exibia majestosa, todos os pergaminhos de tal título, o Quénia a par da África do Sul, a jóia Africana do império Britânico, Algéria a jóia Africana do império Francês e o antigo Congo-Belga a jóia do mini-império Belga. Tais países Africanos – no contexto do outrora – prosperavam a olhos vistos (a maioria deles encontravam-se ainda na idade da pedra), as respectiva comunidades autóctone idem em aspas, os índices de desenvolvimento humano dos autóctones inegavelmente estavam lenta e seguramente subindo, as obras dos colonialistas ainda perduram pela África adentro. Verdade seja dita, o esclavagismo e as guerras de “kwata-kwata” fizeram irremediáveis estragos em África. Mas também não é menos verdade, que a falta de unidade, ambição, irresponsável individualismo e a sempre necessidade de estúpida e insanamente guerrearem, fazerem verter sangue (entre nós Africanos), tornaram bem-vinda “la pax romana” isto é promulgado a força do chicote e da bala, pelos Europeus. As então, gerações de jovens africanos instruídos (pelas respectivas franjas ou instituições da administração colonial) organizaram-se politicamente e fizeram soar a acusação de que os Europeus estavam a sugar as riquezas do solo pátrio em benefício exclusivo das nações colonizadoras, desconsiderando totalmente os interesses dos nativos e das colónias, transformando os autóctones em miseráveis na sua própria terra; “eles vieram com a Bíblia, nós tínhamos as terras, no fim eles ficaram com as terras e nós com a Bíblia” disse Robert Mugabe, nacionalista e guia da libertação do Zimbabwe. Organizaram-se contra o invasor, protestos, revoltas, guerras, chacinas, a história regista que o movimento e actuação dos ‘mau-mau’ liderado pelo indomável Jomo Keniata, foi um dos mais cruéis de África e o que chamou a atenção da comunidade internacional, para a necessidade da urgente descolonização de África. Claro a violência gera violência, os resultados hoje fazem parte da história. A resposta colonial a violência nacionalista africana, sempre foi comedida, por exemplo, se a força policial Portuguesa no 4 de Fevereiro e posteriormente no 12 de Março de 1961, respondesse com o mesmo demonismo com que o MPLA ‘respondeu’ ao chamado Fraccionismo do 27 de Maio 1977, muitos dos actuais dirigentes, não existiriam, e provavelmente não haveria movimentos de libertação, durante muito tempo. O ÊXODO Passado cerca de meio século, que a maioria dos países Africanos ‘arrancaram’ na ponta da espingarda a independência das potências colonizadoras (seguindo a lição do camarada Mao Tsé-Tung), se fizermos o balanço, quais foram os ganhos que os respectivos países e povos obtiveram, poucos são os Países Africanos que diremos, saíram indiscutivelmente a ganhar. “Quando é que a independência afinal vai acabar?”– Indagou desesperado/desapontado um septuagenário angolano nos idos anos 78-80, fatigadérrimo da guerra estúpida, de tanta crueldade e injustiça praticada pelos seus patrícios (do regime e da oposição), denominados de nacionalistas de primeira água. Poderia África ser hoje comparada ao Inferno ou ao Purgatório? Qualquer um deles serve, Paraíso; NUNCA. Pouquíssimos países Africanos (menos do que os dedos de uma mão) podem aproximarem-se a tal eleição. “HOJE até a Bíblia tiraram-nos, e as terras continuam a não pertencer ao povo” – sintetizou Morgan Tchavingirai, descrevendo a desgraçada e extrema penúria do povo zimbabweano, respondendo ao guia imortal ainda vivo, que diz ter ressuscitado mais vezes que o próprio Jesus Cristo. Zimbabwe no período citado por Bob Mugabe, era o celeiro de África, o povo era detentor de um dos mais elevados IDH do continente. Por exemplo em Angola. Por vezes quando nas datas históricas, oiço e vejo pela TV, indivíduos a mencionarem o que o “colono nos faziam”, sinceramente não sei se, choro de raiva ou se me mato de ‘risada’, “porque o colono fazia…blá-blá-blá” – dizem eles – hoje faz-se o pior. O colono se fez, quase que o desculpo, é ou foi colono, é branco não é meu irmão de raça, etc., agora quando o meu irmão Angolano, preto como eu, (ex-companheiro da miséria e das ruas da amargura) faz o que viva e denodadamente repudiávamos do colono, esta ultima ação dói muitíssimo mais do que a ação anterior, dilacera e mutila impiedosamente a alma. Por isso, logo após as independências Africanas, verificou-se o segundo êxodo – o primeiro foi dos brancos a abandonarem África – milhões de Africanos, abandonaram com angústia na alma e os olhos arrebitados de descrença a África, a maioria arriscando literalmente as suas vidas (o filme continua até aos nossos dias), seguindo os outrora colonos, porque chegaram a conclusão que afinal não é verdade o que apregoa o político Africano; “eles prometeram-nos o paraíso e dão-nos o inferno a dobrar” disse um jovem africano em Lisboa nos anos 78-80 num programa da RTP. Há mais africanos hoje na Europa do que Europeus em África, porquê?! A JUSTIÇA EUROPEIA Os Europeus, muitos deles depois de chacinados em África pelas revoltas africanas, de regresso aos respectivos países embora destroçados de dor e amargura, receberam de braços abertos muitos dos antigos carrascos, dando-lhes um lar e emprego decente e uma vida digna, que jamais tiveram nos países de origem; Paz e sossego duradouro. O contrario era possível? Se ainda hoje 37 anos depois do fim da colonização, os dirigentes Angolanos (por exemplo) ainda desculpam-se na presença colonial Portuguesa em Angola, para justificar a Pobreza e outros pesares que “estamos com ele” eles não são, nunca serão culpados, mas o colono (37 anos depois), SIM, estou seguro que, quando Angola festejar o 50º aniversário, os dirigentes Angolanos, ainda estarão a rogar pragas ao colono Português. HOJE ouvimos falar de relatos arrepiantes de governação de ‘preto-para-preto’ em muitos países africanos; Incompetência criminosa, bajulação estúpida como doutrina, ganância e egoísmo exacerbado (primeiro eu – sempre), mentira como regra, assassinatos indiscriminados, prisões em massa, inexistência de liberdade de expressão – a ‘Bíblia’ citado pelo Morgan Tchavingirai. – (inclusive, gritar; “estou com fome” é crime passível de perder a vida. Kamulingue e Kassule, são a prova viva do facto), vida miserável, falta de empregos, corrupção endémica, justiça injusta e totalmente parcial, cadeias (horrorosamente infernais) a abarrotar de jovens provenientes das classes desfavorecidas, hospitais que mais parecem hospícios, escolas que mais parecem pocilgas etc. etc. O paradoxo, é, se HOJE em África, usufruímos de um bocadinho de liberdade com sabor a vida, é precisamente graças aos Europeus, isto é aos brancos, que desenvolveram uma nova ordem de conduta internacional e instituições internacionais que vigiam sobre o globo incluindo obviamente África. As sanções internacionais e outras medidas de contenção paira sobre os dirigentes Africanos, e então, estes por sua vez, fingem praticar a democracia, não porque eles gostam da democracia, porque temem o “Deus branco e o seu braço punitivo”. Porque se dependêssemos totalmente dos governos de “preto-para-preto” seguramente, não seria possível viver, na vasta maioria dos países Africanos. O protótipo Africano da UE (União Europeia) a chamada UA (União Africana) é uma mentira descabida, a UA é uma instituição falida, decrépita, débil e ‘estaladiça’ (como a bolacha ‘chinesa’ de água e sal) que ninguém leva a sério, uns poucos países africanos esforçam-se por dar credibilidade a UA e ao continente, houve até quem propusesse a seguinte designação DUA (DesUnião Africana), por exemplo quando teremos um Tribunal Internacional Africano? Se os tribunais da maioria dos Países membros é do “faz de conta”, os Africanos instituíram também uma espécie risível de Parlamento Africano, que ações pratica tal PA já desenvolveu em beneficio dos Africanos? A UA é um club de “compadres” velhacos ditadores, egoístas que sonham com Paris, Londres, Estocolmo etc, ao mesmo tempo que transformam os respectivos países em autênticos ‘buracos negros’. As independências em África foram ‘feitas’ para algumas centenas de indivíduos africanos, em detrimento de centenas de milhões, cada vez mais miseráveis. Nunca a Europa ‘recebeu’ tanta riqueza de África como após a chamada “independência dos Países Africanos”, os novos-ricos africanos, apressam-se a ‘esconderem’ os produtos da sua criminosa delapidação na Europa para o gaudio dos Europeus, contrariando aquilo que eles próprios evocaram e prescreveram na convocação para a luta de libertação nacional. “Eu ir a Portugal algum dia?.. NUNCA!.. Nem morto!”.- (1980 na idade de ouro do partido único) Disse, erguendo o punho direito bem alto em sinal de sacro-juramento, em pleno comício em Benguela, um dos então carismáticos dirigentes da “Revolução Angolana” que prescindo de citar o nome, hoje ele próprio, não só é frequentador assíduo e brioso de Portugal e “empresário português” como também é o orgulhoso presidente de uma agremiação desportiva portuguesa em Angola. Quase meio século depois, podemos dizer que o IDH dos povos africanos subiu ou regrediu? Somos melhores tratados hoje pelos nossos irmãos dirigentes? Os ideais que nortearam a luta de libertação colonial ainda estão vivos e recomendam-se? Muitos dos nossos jovens usam orgulhosamente tecnologia de ponta os ipod, ‘aichatissa’ e ‘aipad’ fazem a banga da juventude, mas o meio que lhes rodeia é nauseabundo e desolador. O Stress agudo e o AVC matam tanto quanto a malária. FILANTROPOS DA HUMANIDADE A mais recente iniciativa de alguns dos milionários do planeta, comoveu muita gente. Há algum Africano entre os homens que protagonizaram tal feliz iniciativa? Todos eles (os citados filantropos) são homens que dedicaram a maior parte da sua vida na produção de riqueza, não o ‘tiraram’ de algum saco azul, nem tão pouco delapidaram o erário público nacional, mas, sentiram-se na necessidade de “repartir com o necessitado” de todo o mundo. Ontem, os milionários Africanos orgulhavam-se de ‘aparecerem’ na revista forbes e congéneres, hoje face a iniciativa acima mencionada, publicam como que envergonhados; “não somos milionários” chegam ao ponto alguns de dizerem que o que têm é produto do salário. ÁFRICA DO SUL Fiquei arrepiado com as imagens da actuação da polícia Sul-Africana em Dobsonville (será esta a cidade?!) que vitimou o jovem moçambicano Mido Macia (MM), na flor da sua juventude (27 anos). Imagens próprias de uma ‘cena’ do Faroeste no século XIX ou da era do Drácula no país da Draculândia. Quando vivi na África do Sul, tinha um medo atroz e justificado da polícia Sul-africana, principalmente dos pretos. A maioria do polícia Sul-africano preto chega a ser muito mais impiedoso e selvático que o mais impiedoso policia Sul-Africano branco. O polícia preto (na sua maioria) é absolutamente xenófobo, perverso, contra a lei, corrupto e desalmado. O policia branco, estou certo não faria tal coisa, e muito menos os tais policiais pretos fariam isso se MM fosse branco. A xenofobia na África do Sul, é extremamente incentivada e alimentada pela polícia Sul-africana e é planificada nas esquadras de polícia, um dia hei-de descrever as minhas experiências com a corporação policial daquele País, que apesar dos pesares amo muito sinceramente. Fizeram certamente Nelson Mandela, banhar-se em lágrimas. O único Preto que chegou aos patamares dos ‘deuses’. AFINAL QUEM CAIU NA LAMA? Há em algum país da Europa, a amálgama descriminada e promiscua, esgoto a céu aberto, suja e podre de ‘bairros’ que vimos e vemos principalmente nas periferias das capitais Africanas (quase todas elas) principalmente dos chamados; País Especial. Os dirigentes Africanos, nem conseguem combater eficazmente o mosquito, causa do paludismo e malária que dizima à meio século, diariamente milhares de almas (principalmente crianças) pelo continente adentro, as doenças diarreicas (produto da falta de sanidade básica) faz de igual modo uma ‘ceifa’ aterradora. Doenças que o colono quase já tinha debelado como a mosca do sono, ameaçam ‘engolir’ povos inteiros. Tudo isso acontece perante a pecaminosa insensibilidade de um grupinho de “iluminados africanos” (abençoados pelas igrejas) que preferem comprarem castelos de milhões de Euros na Europa e em orgias depravadas (preferem dar de comer os cães), do que ajudar os seus irmãos, que não lhes pede mais do que apenas: BOA GOVERNAÇÃO… Gerirem o erário público para o bem de TODOS e da nação. E há quem tem o desplante de vir a público protagonizar uma perversa peça teatral, choramingando; “O colono blá-blá-blá”. Quanto ao anjo, prefiro não comentar. Deus é Branco? Até posso aceitar, porem de uma coisa estou certo, preto, é que não é de certeza ABSOLUTA!
7 Comentários
Castro Pina
A minha intervenção prende-se com o facto de não ver nenhuma publicação posterior a esta.
O que aconteceu ao Bloguista Isomar Pedro Gomes? Ainda está activo? Foi silenciado? Porquê que não há novas publicações.
Gostaria de ter ua resposta. É uma situação preocupante!
Manuel João Vieira Rocha
Que coragem Sr. Isomar Pedro Gomes. Os meus parabens. Descreve bem o que nos vai na alma.
Kelly
Este senhor escreveu um artigo educativo informativo , muito bem escrito sem erros ortográficos nem papas na língua! A verdade que seja dita !!! , isto sim é que se chama ; profissão jornalista sem filtro de infeitar ! E ste jornalista escreve e decifra a história e a situacão real de como África está, muito melhor que Mia Couto que é considerado e já recebeu tantos prémios e não vi ainda nada de especial nas histórias que ele escreve! Muito bem dito Isomar Pedro Gomes! Se África tivesse só um 10% de jornalistas que dicessem as coisas sem filtros como o Isomar Pedro Gomes , hoje África seria uma potencia e não a miséria governada por ladrões corruptos ignorantes analfabetos descarados sem vergonha! Disse
Alberto Chirinda
Parabéns pelo texto, Isomar! Tenho ido a Moçambique visitar familiares e a realidade é, infelizmente, essa que vc descreve. Aí vc chega a conclusão que aquela classe média negra colonial que conseguiu estudar, fazer a revolução, tomar o poder é a mesma que hoje forma a elite econômica dos nossos países e que, surpreendente, é ávida em saquear o país!! Mas, então, para que foi a revolução? E aí, infelizmente, temos que concordar com o odioso Trump quando diz que essa elite dos países africanos que deixa seus conterrâneos sofrerem e morrerem não é humana. Não são humanos.
João Fidalgo Ribeiro
Grande verdade esta publicação de Isomar Pedro Gomes. Parabéns
Esperança Marques
Bom dia. Acabei de ler a crónica de Isomar Pedro Gomes e fiquei atónita sobre a coragem que houve em aceitar esta obra tão verdadeira, tão densa que tanto diz a todos nós. O artigo é polémico e todo ele mistura a raiva e a coragem de quem é obrigado a falar do que não quer, do que quer esquecer…..Bela obra do Isomar Pedro Gomes, a quem devemos parabenizar por tudo que lemos, e que para mim vai ficar no recanto das obras mais verdadeiras e lindas, para sempre. Obrigada Isomar.
João Mendes de Almeida
Um artigo fabuloso e de uma coragem enorme, que deverá ser lido atentamente por todos aqueles que passaram por África e por todos aqueles, brancos ou negros, que lá vivem. É bom bom saber que ainda há gente assim que consegue, com um misto de coragem e raiva, descrever tão bem o que nos vai na alma. Obrigado irmão Isomar e um grande abraço.