Notas de viagem a Goa
Por Nelson Silva
Regressei da Índia há dois meses, com o compromisso – para com o meu amigo Samuel de Carvalho, do BigSlam – de escrever umas linhas sobre o meu último destino, Goa – que tanto nos diz, a nós portugueses e, claro, aos goeses da diáspora, mas, a necessidade de analisar com cuidado o que vi, levou-me a atrasar a entrega deste trabalho. Sobre a minha viagem à outra Índia, publiquei várias notas na minha página do Facebook que, se for de interesse para qualquer dos meus Leitores destas linhas, poderá ler em: www.facebook.com/profile.php?id=100017896951776
Dizia-se no século XIII que, “quem viu Goa não precisa ver Lisboa”, frase que hoje causará alguma perplexidade a um português que a visite pela primeira vez nos dias de hoje. Hoje, Goa e Lisboa estão muito separadas e apenas umas quantas zonas de Pangim, onde vivem famílias goesas com ligações a Portugal e algumas hindus que se aperceberam da vantagem em manter as fachadas das suas casas iguais às da vizinhança goesa para, no conjunto, oferecerem aos visitantes a estupefacção do inesperado, que motiva a visita e a permanência em pequenas residenciais e as refeições em restaurantes que respeitam a gastronomia goesa.
Exemplo maior são as Fontainhas, um bairro com quase todas as fachadas que tipicamente representam a construção colonial portuguesa e fugindo às pinturas a verde alface, roxo e amarelo canário das novas moradias hindu.
Passando pelas ruas estreitas e empedradas, não pude deixar de me emocionar ao ouvir sair de uma janela com tabuinhas a voz da Amália. Era uma casa portuguesa, com certeza, afirmado pelo azulejo com o apelido português, firme na frontaria da casa.
De resto, em Pangim – e outras zonas de franco crescimento que visitei – floresceram prédios, alguns com volumetria que me lembrou Albufeira, com cores fora do padrão que portugueses e goeses partilharam, em arquitectura que foge totalmente ao que foi o modelo no território durante o domínio português.
Tem mal? Muitos entendidos dirão que não, porque as cidades evoluem. Eu até compreendo o argumento, mas parece que os tais entendidos esquecem a importância para o turista proveniente de outras partes da Índia, da Austrália e da Rússia – os fornecedores dominantes de turistas para Goa que, de repente, são confrontados no continente indiano, com um inusitado pequeno Portugal. Caso único por ali, como é Macau na China, cujo governo bem trabalha para a sua preservação, percebendo a importância da diferença.
Após a integração de Goa na soberania indiana, houve a preocupação de lhe aumentar a população hindu, com largos milhares de novos habitantes, provenientes de zonas limítrofes de Goa, a maioria analfabeta, arrancada à agricultura e que agora trata de sobreviver com biscates e actividades menores durante a “season” do turismo – de Outubro a Maio – permanecendo, durante a monção em território goês, se ganhou o suficiente para comer ou regressando à agricultura no seu território original. Há, claro, os que trouxeram o suficiente para montar negócios relacionados com o turismo, que são os que constroem edifícios que eu acho não se enquadrarem na Goa que conheci há cerca de 15 anos.
Portanto, Goa começa a parecer-se com o resto da Índia, não só pela nova edificação, mas também pelo número de pessoas que circulam nas ruas e estradas, a pé, de bicicleta, de mota de carro, de tuk tuk e de autocarro, num vai e vem que não se percebe, porque se verifica em horas estranhas para começar ou acabar qualquer actividade produtiva.
O rio Mandovi, para além de pontes, é atravessado por ”ferry-boats” gratuitos,
que transportam gratuitamente pessoas e veículos que entram e saem da capital a um ritmo fantástico, transportando também os turistas que vem das zonas de praias, como Calangute e Candolim, e que, para além da capital, buscam também Velha Goa, onde se encontram inúmeros edifícios religiosos, entre eles a igreja de S. Francisco de Assis,
ao lado do museu Arqueológico, a Catedral e a Basílica do Bom Jesus,
que acolhe os restos mortais de S. Francisco Xavier, que diariamente são visitados também por incontáveis hindus. Mesmo aí, as autoridades cogitaram substituir os edifícios de traça portuguesa por outros mais a seu gosto, talvez – sei lá – criar uma imagem de diversidade.
Evidentemente, que o comércio ambulante acompanha esse fluxo de pessoas, postando-se em locais estratégicos dos percursos. No todo, não surpreende que as ruas e as estradas estejam pejadas de lixo, porque não há suficiente estrutura para, atempadamente, a recolher. “Lixarada”, aliás, como se vê nas ruas e estradas do resto da Índia e que há 15 anos, quando a visitei Goa pela primeira vez, não me pareceu tão evidente.
Esta invasão de hindus em Goa, tem ocasionado desencontros, uns civilizados com os cidadãos locais a serem preteridos em concursos de diferentes tipos e outros de disparatada selvajaria, como o arremesso de pedras a católicos, à saída de Igreja, num domingo em que eu ainda ali me encontrava ou danificação de cruzeiros católicos, colocados em locais públicos, como aconteceu recentemente.
Obviamente, a Igreja protesta e as autoridades vem logo dizer que se desassociam dos eventos descritos e que a sociedade goesa é muito coesa e pacífica, mas alguns elementos ainda não perceberam as vantagens da diversidade. Há sempre uma Investigação sobre os desmandos, mas nunca foram apanhados os autores.
Além disso, as grandes fortunas da Índia acharam que Goa era fantástico para ali estabelecerem uma zona de casinos que, envolvendo também a construção de hotéis associados, o que resultou em torres de muitos andares, de onde se pode ver outros casinos, estes em barcos que copiam os que navegavam no princípio do século passado no rio Mississipi, ancorados no rio Mandovi, ao largo de Pangim, a capital do território.
Como resultado, Goa que desde os anos 60 era considerado um exemplo de paraíso terrestre, agora há um novo tipo de turista, de fim-de-semana – entre indianos, russos e australianos – que procura os casinos, mas não só, o que obrigou o governo local a determinar que massagistas homens só trabalham com homens e as mulheres só podem ser massajadas por mulheres.
Também o manganês obtido no território cria riqueza, mas a forma desordenada e mal controlada pelas autoridades, está a prejudicar a qualidade da água do rio Mandovi, que já está acastanhada e os poderes ligados aos interesses financeiros também vêem com bons olhos a descarga no porto de Mormugão do carvão necessário no estado vizinho de Kerala, que atravessa todo o território goês para chegarem aos locais onde funcionam importantes centrais térmicas.
Pode ser que estas más notícias, sejam minimizadas no futuro, pela intervenção dos interessados nas actividades turísticas e de alguns poderosos que construíram hotéis e boas residências de férias em Goa e não querem, por isso, que os seus investimentos sejam afectados.
O que seria também uma pena para os turistas de diferentes origens que encontram em Goa praias com uma qualidade muito apreciável, quer na qualidade e temperatura das águas, mas também pelo suporte que lhes é oferecido por restaurantes, esplanadas, chapéus-de-sol, nadadores-salvadores, de que são exemplo as de Calangute
e de Candolim,
que tem acesso, a não mais do que 200 metros, tem a rua comercial em toda a sua extensão, nuns 4 a 5 quilómetros, com lojas de têxteis e marroquinaria, hotéis, restaurantes, bares e residências com quartos para alugar. É uma zona muito segura, o que tranquiliza o espírito de quem está de férias, onde um casal pode viver com 40 euros diários, entre dormida, comida e transportes públicos. O melhor período para se gozar este paraíso é de Outubro a Fevereiro, mas o período mais barato é entre meados de Março e a primeira quinzena de Abril, com a vantagem de as multidões já terem desaparecido e a negociação de preços ser ainda mais fácil. Leve a mala ou mochila vazia para comprar roupa ou tudo o que lhe der prazer. Chegar lá, por Mombay, pode custar-lhe uns 600 euros.
Boa viagem!
4 Comentários
Madalena
Lindas fotos de Goa. Matamos saudades.
dario viegas
que linda nossa Goa,agreste e rude na sua paisagem mas o ar que sopra só nos faz bem,longe deste stress que é Portugal,estive em goa ha 2 anos atraz estive em santa cruz
Maria do Carmo Amaral
Gostei muito do seu artigo! As fotos também são muito interessantes! Só um pormenor: talvez tenha havido um lapso no início do texto, uma gralha porventura, entre séc. XIII e XVIII…
Lourdes Elvino Sousa
Sou goesa de gema, nascida e criada em Goa até os meus 17 anos, altura em que saí para continuar os estudos em Portugal. Tenho família e amigos em Goa, visito sempre que posso, para além da necessidade que tenho de sentir as cores, os cheiros,os sons da minha terra, para me revigorar.
Gostei da sua narrativa de viagem a Goa e das bonitas fotografias
Faço, no entanto, um reparo sobre o que me pareceu dizer a cerca da maioria hindu surgida após a libertação de Goa e atrevo-me, ainda, a dar uma opinião
Goa é de todos os goeses, sejam eles de que religião forem, uns em maioria (hindus), outros em minoria (católicos e muçulmanos), mesmo no tempo da dominação portuguesa, mas são todos filhos da mesma Mãe
Se soube e presenciou desacatos contra templos católicos, tenho grande dificuldade em acreditar que sejam feitos pelos meus conterrâneos hindus, os mesmos que colocam colares de flores em cruzeiros da sua devoção, ou participam em algumas cerimónias religiosas católicas. O contrário é que não acontece. Como em todo lado, também em Goa há banditismo e neste caso tudo leva a crer que sejam outros indianos hindus,de estados vizinhos e adeptos de uma Índia como nação hindu e não secular, como tem sido até agora, que sejam os autores desses desmandos
É uma opinião de quem não encontra explicações para este tipo de desavenças familiares
Lourdes Elvino Sousa