Ntxuva ou Ntchuva, o xadrez africano… sabes o que é?
Pelas ruas de Maputo, Moçambique, uma cena se repete. Debruçadas sobre um curioso tabuleiro repleto de concavidades, mãos hábeis passam pedrinhas de um lado para outro sob o olhar atento dos espectadores. Trata-se de uma partida de Ntxuva, o xadrez africano, um jogo de estratégia existente no continente desde antes da dominação da África pelos europeus.
O que é o Ntxuva ou Ntchuva?
O Ntxuva é um jogo tradicional da África subsahariana com origem mais provável no Egito. É uma variante do mancala, família de jogos de tabuleiro com várias concavidades e com o mesmo princípio geral de distribuição e conexão de peças. A partir do Nilo, os mancalas teriam se expandido progressivamente para o restante do continente africano e para o Oriente. “O Ntxuva está presente no dia a dia dos moçambicanos. Hoje, em Moçambique, o Ntxuva faz parte das modalidades do Festival Nacional dos Jogos Tradicionais. É um esforço do governo local para resgatar a nossa cultura”, conta Alberto.
Além de bem cultural, o jogo é considerado parte da etnomatemática, pois compõe o conhecimento matemático desenvolvido por povos não-europeus, aplicado na solução de suas realidades.
Entre as habilidades cognitivas que o Ntxuva desperta estão a orientação espacial, cálculo aritmético e construção de estratégias. “O Ntxuva trabalha alternativas e conexões. Cada casa contendo peças é uma alternativa de saída, uma opção. Cada opção pode ter uma ou várias conexões que levam ao objetivo final: eliminar as peças do adversário e retirá-los do tabuleiro” explica Alberto.
Estas opções e conexões exigem cálculos simples, mas ágeis e volumosos. “Esse volume de cálculos é que estimula o raciocínio aritmético, lógico e estratégico, além da memória das crianças”.
O Ntxuva em sala de aula
O tabuleiro Ntxuva é indicado para crianças a partir dos seis anos de idade. No início, as crianças jogam sem realizar cálculos, isto é, só na sorte. “Com o tempo apercebem-se da necessidade de aprender a pensar, calcular e tomar decisões para conseguirem atingir o objetivo. Uma competência importante para o mundo moderno”, explica o professor.
Ao utilizá-lo em sala de aula, o educador pode trabalhar o jogo de forma coletiva, formando dois grupos de alunos para se confrontar. Desta maneira, estimula a discussão e decisão em grupo. Além disso, o Ntxuva é um jogo inclusivo: mesmo crianças com algum tipo de deficiência podem participar.
É possível trabalhar também a natureza das estratégias envolvidas no Ntxuva: há estratégias para eliminar ou retardar o movimento das peças adversárias; criação de desertos (quando as casas ficam vazias) que impedem a organização das peças do adversário, entre outras. “São estratégias de guerra que permitiram que nossos antepassados conseguissem dominar outros povos e tenham registrado, aqui e ali, algumas vitória sobre os colonizadores. Daí termos nomes como Soundiata Keita e Shaka Zulu como expoentes africanos de estratégias militares”.
Outra abordagem possibilitada pelo jogo etnomatemático é trabalhar com os estudantes o modo de pensar dos africanos, inclusive, no que diz respeito ao seu repertório linguístico. “O educador pode trabalhar os provérbio africanos. É comum nos jogos de Ntxuva os jogadores fazerem citações quando realizam uma estratégia bem-sucedida. Isso é feito só para desestabilizar o adversário.”
Embora hoje o Ntxuva registe uma presença menos forte que no passado no dia-a-dia dos moçambicanos, é possível deparar-se ocasionalmente, pelas ruas das cidades, nos mercados e no campo, com animadas partidas. Sendo um bom jogo para convívio e desenvolvimento do pensamento estratégico, aconselha-se vivamente as escolas e os clubes a divulgá-lo e a organizar competições entre indivíduos, bairros e localidades.
Regras do Ntxuva
- O Jogo é feito de 4 fileiras e de 6 colunas de casas. A cada jogador pertencem 02 fileiras e suas respetivas colunas.
- As fileiras internas são denominadas de Ataque.
- As fileiras externas são denominadas de Defesa.
- As jogadas no Tabuleiro N’txuva são feitas obrigatoriamente no sentido Anti-horário.
- O jogo tem 2 fases. Na primeira fase só é permitido iniciar a jogada a partir de casas com mais de uma peça (2, 3 ou mais); na segunda fase, as casas ficam com apenas 01 peça, aí sim poderá movimentar 01 peça por vez, sendo proibido juntar estas peças.
Objectivo do Jogo Ntxuva:
O objectivo do N’txuva é de que a última peça em mãos caia em uma casa vazia da fileira interna do tabuleiro (ataque) eliminando as peças do adversário. Este objetivo é conseguido por meio de cálculos aritméticos simples e pela criação de estratégias.
Como jogar o Ntxuva:
Um tabuleiro com 46 buracos (pode-se fazer buracos no chão)
Bolas que encaixem nos buracos (Em Maputo muitos senhores usam castanhas para jogar – provavelmente esse é o prémio de quem vence) ou sementes de canho.
1 – Preenche-se o tabuleiro com apenas 2 peças em cada casa.
2 – Pegam-se todas as peças de uma casa e distribui-se pelas casas imediatamente à esquerda, deixando-se apenas 1 peça em cada casa. A casa inicial fica vazia.
3 – Caso a última peça em suas mãos caia em uma casa com alguma(s) peça(s), recolhem-se todas as peças dessa casa e continua-se a distribuição até que a última peça caia em uma casa vazia.
4 – Duas situações podem acontecer quando a última peça cair em uma casa vazia:
4.1 – se a referida casa estiver na fileira externa (defesa), a jogada
termina e é a vez do adversário jogar;
4.2 – se a casa vazia estiver na fileira interna (ataque), e:
4.2.1 – se houver, pelo menos, uma ou mais peças na casa da fileira interna (ataque) ou nas duas casas na coluna correspondente do adversário, eliminam-se essas peças retirando-as para fora do tabuleiro.
4.2.2 – se as duas casas da coluna do adversário estiverem vazias ou a casa interna estiver vazia, mesmo que a casa da fileira externa contenha peças, a jogada termina e é a vez do adversário jogar.
5 – O jogo continua com cada jogador definindo alvos, fazendo cálculos e criando estratégias para tentar eliminar as peças do adversário, sempre obedecendo ao item 4.2
6 – No Ntxuva não há jogadas obrigatórias e é permitida a “fuga” sempre que tivermos as peças ameaçadas pela jogada seguinte do adversário.
7 – Depois de seguidas eliminações e retiradas de peças do tabu- leiro, chega-se na 2ª Fase onde as casas ficam com apenas uma peça. Nesta fase as peças são movimentadas individualmente, de casa em casa, eliminando as peças das casas /colunas do adversário que estiverem na sua trajetória.
8 – O jogo termina quando um dos jogadores consegue eliminar todas as peças do adversário.
Fase Avançada: No início do jogo é possível estabelecer uma regra entre os jogadores para que em cada ataque vitorioso, o jogador tem direito a uma retirada adicional, isto é, o jogador escolhe uma e apenas uma casa e retira as peças nela contidas. Esta retirada funciona como quebra de estratégia do adversário.
Fonte: Centro de Referências em Educação Integral e Revista Xonguila
7 Comentários
Alberto Chirinda
Prezados conterrâneos, gostei bastante de ler vossos comentários sobre o Ntxuva. Sou Alberto Chirinda, divulgador do Ntxuva aqui no Brasil. Tudo porque lá para 2002 o Brasil instituiu a inclusão do ensino da cultura africana no currículo do ensino médio. Só que os professores brasileiros não conheciam nada da nossa realidade e aí muitos perguntavam-me o que podia ser trabalhado em sala de aula. Um dia lembrei do Ntxuva e das características matemáticas/ estratégicas. Fiz um protótipo e trabalhei com meus alunos que gostaram. Aí passavam a novidade uns para os outros até que fui chamado na Secretaria de Educação do Estado do Paraná. Apresentei o Ntxuva e os coordenadores não resistiram ao encanto do Ntxuva. Compraram uns 100 tabuleiros que foram distribuídos por varios municípios do interior do estado para ocupar os alunos nas férias de janeiro. O Prof. Daniel Dias gostou tanto que defendeu O Ntxuva na sua dissertação de mestrado.
Desde 2002 que estamos divulgando o Ntxuva no Brasil. Tem tido boa aceitação.
Os valores obtidos estamos aplicando na compra de livros didáticos (8°, 9°, 10° e 11° classes) e de literatura universal para a formação de uma biblioteca comunitária no Bairro do Benfica, onde eu nasci.
Esse é o nosso projeto.
Gostaríamos que vcs todos nós ajudassem a realizar esse sonho comprando nosso tabuleiro.
Nosso site é: @ntxuva (no Instagram) e Ntxuva ( no Facebook). Email: bantu.ntxuva@gmail.com
Nossos agradecimentos ao bigslam.pt
Saudações.
Selerino Graça
Este jogo na minha querida zambézia, Quelimane e Mocuba, chama-se samugue. As pedras geralmente eram de carcaças de toodue, que é um caracol do matopé, lodo do mar.Estes minis caracóis rastejam nas paredes, (sobem as paredes) deixando um líquido viscoso. Poucos dos meus familiares gostam deste toodue, mas, eu aqui em Portugal já comi, trazido de Moçambique. Eu sei jogar samugue(mais ou menos), o que quer dizer que também me adaptaria ao NTXUVA(Sul Maputo). Não me falem de saudades, sonho, penso, acordo todos os dias a pensar em Moçambique. É a vida Amigos, teremos de viver e morrer com saudades, infelizmente.
Selerino Graça
Dulce Gouveia
Este jogo está mais para o gamão do que para o xadrez e tem uma série de versões próprias conforme o país , estando disseminado pela África, com nomes diferentes e regras parecidas.
Há uns bons anos comprei este jogo com o nome de Mancala (penso que foi no Jumbo, na época natalícia, quando há fartura de jogos e brinquedos ).
Talvez o Toys R Us tenha, uma vez que é uma loja especializada, não como Ntxuva, mas com o nome de Mancala.
BigSlam
O Mancala tem parecenças com Ntxuva, mas não é a mesma coisa. Aqui vai um vídeo para ver a diferença: https://www.youtube.com/watch?v=zYiXGWqb3YY
Braga Borges
Só para jogar em casa. Na rua já não dá. Tá tudo marreco.
Fernanda Cordeiro
Muito interessante! Nunca joguei mas adorava ver jogar! Não percebia nada 😕
Manuel Martins Terra
O Ntxuva é um jogo tradicional africano, que eu vi muitas vezes ser jogado sobretudo pelos anciãos. Creio que era do Bairro da Mafalala, aquele que era considerado na cidade o rei da modalidade. Era frequente assistir-se a partidas renhidas de Ntxuva nos terrenos , onde eram escavados os buracos para a introdução das pedras. Nas obras de construção civil, viam-se os operários no seu periodo de ócio a jogarem entre si. No jogo era visível a concentração dos intervenientes certamente a desenvolverem um exercício matemático. Não sei se porventura, a juventude moçambicana continua a dar seguimento a um jogo tão familiarizado pelos seus antepassados? Na minha modesta opinião, as escolas deveriam ter im papel ativo, na conservação de um jogo tão popular, que obriga a exercitar o cérebro.