Precisamos de rugas
Por João Adelino Faria – Jornalista e pivô da RTP
(Um artigo de 2014, mas que se mantem atual)
Só há bem pouco tempo percebi que estou a envelhecer. Acontece a todos, eu sei, mas um olhar mais atento ao espelho revelou-me inesperadamente a inevitabilidade. Pela primeira vez vi a verdadeira cor dos meus cabelos brancos. Algo que já lá está há algum tempo mas que os meus amigos têm disfarçado dizendo-me que são apenas sinais de charme. Não são! São sinais de envelhecimento. E porque é que isso tem que ser mau?
A notícia foi dada como uma tragédia nacional. Portugal é dos países com maior percentagem de idosos na Europa. A manchete foi copiada e reproduzida como mais uma desgraça deste país desgraçado. Quase ninguém a questionou ou contrariou, porque há muito que se criou a ideia errada de que ser velho, é mau. Aceitamos estupidamente este preconceito e são, por essa razão, cada vez mais os que tudo fazem para camuflar os sinais da idade. Compreendo que seja assustador perceber que não se renovam as gerações, mas ter um país com muitos velhos não é mau. Vergonhoso sim é a forma como eles são ignorados, tratados e retratados.
Cresce em Portugal a ideia de que ser velho é perder a utilidade para tudo. Alguém a quem o prazo de validade já expirou e que não pode ser utilizado para mais nada. Deixam de pertencer às categorias que a sociedade de consumo considera relevantes e quase desaparecem. Deixam de interessar como trabalhadores, como consumidores, como leitores, como espectadores. Na procura apenas da frescura da juventude, não percebemos que desta forma estamos a perder o que de mais valioso temos. Os mais velhos. Ao contrário de Portugal, em muitas outras partes do planeta pensa-se exatamente o contrário. Os jornais, as televisões, a publicidade e até o mercado de trabalho começam a valorizar os que têm mais idade.
Numa sociedade com menos filhos, os mais velhos passaram a ser necessários. São eles que ainda têm algum poder de compra, descobriram e utilizam a internet de forma mais eficaz e intensiva, consomem mais jornais e televisão e os que ainda podem viajam e gastam muito em lazer. A publicidade e a televisão foram as primeiras a perceber isso. Nos Estados Unidos há cada vez mais marketing dirigido aos maiores de 60 anos. Nas televisão as personagens principais passaram a ter mais idade, e até a Jane Fonda, com uns magníficos 77 anos, é a vedeta de uma das principais séries e fechou um contrato milionário com uma marca de produtos de beleza.
Em Portugal é exatamente o oposto. Aqui vergonhosamente os mais velhos são rotulados, esquecidos e apenas servem para pagar a pesada dívida pública. Em vez de estigmatizarmos os mais idosos deveríamos pedir a ajuda deles, ajudando-os. Têm muito para nos ensinar e alguns são quadros experientes num país de onde quase todos fogem.
Podem não ser os mais rápidos e ágeis, mas a sua sabedoria e experiência ajudam-nos a evitar erros e a ultrapassar dificuldades.
Em vez de os abandonarmos à sua sorte e solidão devíamos contratar avós e avôs. Pessoas que o mercado de trabalho estupidamente rejeitou, não por falta de competência mas simplesmente pela idade. É urgente! Portugal tem de deixar de esconder as rugas e de pintar os cabelos. Precisamos e muito dos mais idosos. E já agora não se esqueçam que os próximos velhos… somos todos nós.
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6 Comentários
José Frias
Não sou velho, mas também já não sou novo.
Tanto assim é que continuo a trabalhar pois por razões várias, entre muitas, achei que era muito novo quando me reformei da Banca.
Cá estou a dar ao pedal continuando a comunicar com as pessoas no meu dia a dia até um dia.
Já dizia um professor que tive e que muito prezei, infelizmente já falecido, ” A vida é Bela”
Mais ainda, à poucos dias a minha Mãe fez 102 anos e sobe os 15 degraus da escada da minha casa, sozinha, obviamente que vou atrás para algum coisa.
Enfim, é preciso é Saúde e o resto é cantigas.
Braga Borges
Cada ruga, é uma estória de vida.
Carlos Hydalgo Pinto
As rugas e a rugosidade provocada pela existência de prédios numa cidade têm algo em comum. Tornam as coisas diferentes e numa época de preponderância tecnológica e de alterações climáticas, a humanidade terá que se inventar de novo e optar por um outro estilo de vida. Talvez surja então, uma maior coesão intergeracional.
Maria de Fatima
Uma triste realidade em Portugal. Negar a experiência a sabedoria por se ter atingido um número de anos. Acaso todos não vamos para la? Em Portugal, vivem num clima de hipocrisia esquecidos do respeito e carinho que nos merece o mais idoso. Até, nos Países, considerados de 3 mundo, como África há mais respeito pelos mais velhos do que em Portugal.
Natália Rodrigues
Obrigada João Adelino Faria pelo belo texto publicado sobre o valor, que este País esquece ou quer esquecer, dos chamados idosos. Tenho observado que eles são um valor inestimável para os mais jovens, cujos empregos absorvem cada vez mais a sua presença e que por isso não lhes resta tempo suficiente para as famílias que entretanto construíram. São esses avós que vão às compras, tratam dos netos e resolvem outros problemas mais prementes.
WANDA SERRA
Nao importa se a idade aumenta.
Idade é só 1 número.
Todas as idades são maravilhosas.
Orgulha te dela.
Todas tem a sua encantadora beleza.