FIGURAS MOÇAMBICANAS DO NOSSO TEMPO – Ricardo Chibanga
O rapaz que veio do calor do bairro da Mafalala,“para o frio da Metrópole”
Tenho de vos confessar:
Assim como não gosto de ver desportos, (será que posso classificá-los assim?) que utilizam a violência como: – O boxe, a luta livre e o kickboxing entre outros, em que os intervenientes andam ao soco e pontapé, e no fim nem sempre ganha o que mais socou ou pontapeou!
Também não gosto de ver tourada. Não sou aficionado. Com touros aceito, mas não aprovo, as “largadas” e “garraiadas”. Lembro-me que, nos princípios dos anos sessenta, a convite do Júlio Costa, fui com um grupo de amigos à “machamba” do Sr. Feliciano António, lá para os lados do Impamputo, assistir a uma garraiada. Mas, na Monumental de Lourenço Marques, só assisti a duas touradas! A primeira foi para ver como era. A segunda para tirar dúvidas.
Concluí que não gosto de ver o homem “rei do mundo”, humilhar e maltratar daquela forma um animal tão “nobre”. E só de me lembrar que os toureiros e cavaleiros para o “atiçar” lhe espetam as bandarilhas, fico “arrepiado”! É por isto que as touradas também não são a “minha praia”.
Possivelmente não sou suficientemente culto para apreciar “tão nobres artes”. Mas ninguém é perfeito!
Recordo-me que na antiga L. Marques, – lá tenho de voltar a recordar Moçambique! Não sei que feitiço tem, porque passados tantos anos a minha memória não esquece. Possivelmente nem vai esquecer! – Quando morei na Av. Afonso de Albuquerque, ao pé da Pastelaria Princesa. E mesmo depois de casar, alugámos uma “flat” no prédio em banda contíguo ao dessa Pastelaria.
Por viver paredes meias, a Princesa (hoje o Mimmo´s) era “o meu café!” onde com os amigos, nos juntávamos para comentar e debater os “casos” do dia.
E fazíamos questão em ser atendidos pelo “Paulinho”, – ( julgo que não era este o seu verdadeiro nome. Mas era assim que o tratávamos!) – porque tínhamos prazer ver a felicidade, admiração e entusiasmo que sentia ao falar do filho – O Ricardo Chibanga.
Dizia-nos que um dia ainda vinha à metrópole para o ver tourear!
Nunca cheguei a saber se esse seu desejo se cumpriu!
Ricardo Chibanga, o único toureiro africano na história da tauromaquia!
Como ele disse:
“… Eu, um rapaz de Moçambique, do bairro da Mafalala, numa das maiores praças do mundo com Don Antonio Bienvenida, que foi o meu padrinho de alternativa. Foi o dia mais feliz da minha vida!….”
Vale a pena recordar, o rigor com que a Ana Soromenho descreve, no jornal Expresso de 16Abr2019, o início das touradas em Lço Marques, e a vida do Ricardo Chibanga.
“[…]..Em Lourenço Marques no início da década de 60, em pleno período colonial, três vezes por ano os grandes toureiros da metrópole chegam à capital de Moçambique, para fazerem as honras na praça de madeira ao pé do aeroporto. Um carro de caixa aberta percorre as avenidas largas da cidade anunciando numa corneta as estrelas de cartaz: Manuel dos Santos, Diamantino Viseu, David Ribeiro Telles, Manuel Conde….
Ricardo Chibanga, um rapaz de 16 anos da Mafalala, o bairro indígena ali mesmo ao lado da praça, não resiste a ir espreitá-los.
Nunca tinha visto nada igual! Enquanto os amigos jogam à bola no descampado e sonham vir a ser jogadores de futebol, ele, sem saber bem porquê, fica vidrado naquele espetáculo estranho e fora do seu mundo. Sobretudo, deslumbra-se com o brilho dos fatos.
Todos os dias andava por ali, até que o homem que toma conta da praça deixa-o ir com um grupo de amigos limpar o capim, montar as bancadas, correr aos hotéis e às praias da Costa do Sol para distribuir panfletos aos turistas, publicitando as corridas. E quando os toureiros regressam a Lourenço Marques, ele finalmente conhece-os…[…]”
Chibanga veio para Portugal com um amigo, nos anos 60 do século passado, por intermédio de Alfredo Ovelha para trabalharem na construção civil. Só que o “bichinho” pelos toiros, fê-lo mudar de vida.
Tendo sido apoiado por várias figuras da festa brava. Entre elas o matador de touros e empresário taurino Manuel dos Santos.
A alternativa de matador de touros foi-lhe dada na Real Maestranza de Caballaria de Sevilha (Espanha) a 15 de agosto de 1971, tendo sido apadrinhado por António Bienvenida, com o testemunho de Rafael Torres.
Em Lisboa apresentou-se como matador de touros na praça do Campo Pequeno, no dia 19 de agosto de 1971, tendo toureado ao lado do matador espanhol José Luis Galloso.
“[…]…Uma das imagens de marca do Chibanga, com a qual o público delirava, era ajoelhar-se em frente do touro. A figura do africano adornado com o traje de luces, de joelhos na arena, desafiando o touro com o olhar, deixava em suspenso todas as bancadas. Dizia-se que “Ricardo Chibanga, el morenito matador”, hipnotizava o touro antes de lhe cravar o estoque no alto do cangote.[…]” Expresso de16/4/2019.
“El africano, matador” nasceu em L. Marques a 08.Nov.1942 e faleceu em sua casa, na Golegã em 16.Abr.2019 aos 76 anos, depois de ter sofrido um acidente vascular cerebral.
Momentos da vida de Ricardo Chibanga:
“A glória é a sombra da virtude e acompanhá-la-á sempre, mesmo se esta não quiser. Assim como a sombra, que ora precede ora segue os corpos, a glória às vezes mostra-se visível à nossa frente, outras vezes vem atrás de nós. Quem passa pela Praça de Touros, defronte à Praça da Paz, na cidade de Maputo, nunca pode imaginar que aquele tauródromo viveu no passado momentos hilariantes mas também, e naturalmente, de muito perigo.
Muitos homens escreveram a sua história naquela arena, mas nome há um só: Ricardo Paulo Chibanga, nascido na Mafalala, a 8 de Novembro de 1942, na mesma altura em que outros génios (de futebol) se destacavam, tais como Eusébio, Hilário, entre outros.
O rapaz que viria a dar nos olhos do mundo na sua apaixonante e perigosa festa brava conta na primeira pessoa o seu percurso, numa altura em que a idade e as sequelas do passado tomam conta do génio que girou o mundo fascinado pelos touros.
O jornal desafio, sempre atento aos campeões, percorreu, acompanhado pelo presidente da Casa de Moçambique em Portugal, Enoque João, o distrito de Santarém, cerca de 130 quilómetros a norte de Lisboa, e encontrou Ricardo Chibanga no Concelho de Golegã, ficando a saber do berço do cavalo lusitano na região de Ribatejo.
Saído de Moçambique em 1962, com apenas de 20 anos de idade, Chibanga, como é conhecido, escreveu o seu nome com letras douradas e é, incontestavelmente, nome de referência entre os habitantes daquele município. Com 73 anos, o rapaz que se tornou expoente máximo em touradas falou ao desafio dos seus tempos de acção e, como não deixaria de ser, da vida depois da reforma. Aparentemente debilitado, com cegueira no olho esquerdo e marcas de cornadas no pescoço, encontrámo-lo na estátua em homenagem a Manuel dos Santos, por sinal seu tutor. Dizem que era este o seu local de eleição, onde cruzava com todas as simpatias da freguesia.
De moçambicanidade continuam, pois claro, sinais de um rapaz da Mafalala que dizia sentir saudades da família em Moçambique, embora se tornasse num verdadeiro filho legítimo de Golegã, pelo carinho com que o povo da freguesia o tratava.
Ricardo Chibanga juntamente com outros ilustres “moçambicanos” foram homenageados em novembro de 2017 pela Câmara de Comércio de Portugal e Moçambique (CCPM), presidida por Rui Moreira de Carvalho.
Descansa em paz Chibanga.
A próxima “Figura Moçambicana do nosso tempo”, é também conhecido por esta frase:
…cada um és como cada qual; mas ninguém és como evidentemente…”
Vejam em Novembro a quem me estou a referir?
Para nós, com o BigSlam, o mundo já é pequeno. Muito pequeno!
João Santos Costa – Setembro de 2019
5 Comentários
Anete Chibanga
Muito obrigada por não se esquecer do meu pai e por tão lindo texto ❤️
Pierre Vilbró
João: Gostei muito do teu texto e de teres conseguido dar a conhecer quem foi o grande Chibanga. Parabéns e um abraço.
Pierre
Luis Ribeiro
Excelente artigo. Finalmente fiquei conhecedor do historial desta personalidade. Parabéns e um agradecimento ao autor ( com quem tenho o prazer de privar em algumas almoçaradas) por este seu trabalho.
Eduardo Serrano
Amigo João, contínuas e muito bem a recordar personalidades da inesquecível Lourenço Marques. O Chibanga foi uma delas. Apenas uma vez assisti em LM a uma tourada (se não me falha a memória foi a última) com a sua presença e gostei. Ele era um dos melhores entre os melhores.
Parabéns João, continua.
ABM
Excelente artigo – e enche o olho.
ABM