UMA DATA NA HISTÓRIA – 1 de Setembro de 1948… Renato Caldeira
Nos tempos das “vacas magras”, dos 3 e depois 5 dólares de “per diem”, lá fomos nós (eu e o Renato Caldeira) à boleia do Ferroviário de Maputo, para reportar o que seria a nossa odisseia na Taça dos Campeões Africanos de Clubes, em futebol. Acompanhamos os “locomotivas” desde a saída de Maputo até a chegada ao Cairo, o palco do grande jogo, que, se a memória não me atraiçoa, era contra o Zamalek.
Os pormenores técnicos para a realização do relato do jogo tinham sido previamente acertados por telex com a Rádio Nacional do Egipto, que se comprometeu a fornecer o apoio em equipamento, cabendo à Rádio Moçambique a responsabilidade de solicitar os circuitos de transmissão à Companhia Portuguesa Rádio Marconi, que era na época, a entidade que prestava este tipo de serviço.
No dia aprazado (uma sexta feira) eu e o Renato Caldeira, que eu tinha convidado para fazer os comentários do jogo, chegámos ao local e deparámo-nos com um primeiro problema. As cabines destinadas aos radialistas eram no topo do estádio. Contas feitas, era qualquer coisa como subir (pelas escadas, claro) uns 4 ou 5 andares dum prédio. Lá fomos. No local estava um técnico da Rádio Nacional do Egipto que nos saúda e nos informa que estava ali para dar-nos a assistência técnica necessária. Não foi fácil entendermo-nos com o senhor, porque de inglês “arranhava” muito pouca coisa e nós de árabe não percebíamos patavina.
Naquele tempo o circuito para a transmissão do jogo partia do Estádio para a Central de Comunicações Internacionais do Cairo, seguindo depois para a Marconi em Lisboa, daí para a Marconi em Maputo e depois para os Serviços Técnicos da Rádio Moçambique. Como devem calcular, num esquema de transmissão desta natureza, há muita gente pelo caminho. A língua, pelo menos para os técnicos do Cairo e de Lisboa, era uma barreira quase intransponível. Comecei a ouvir uma “guerra de palavras” em árabe e português, que era difícil de entender.
Quando me é dada a possibilidade de ouvir o técnico da Rádio Marconi, posicionado em Lisboa, este diz-me que “quando começar o jogo você pode iniciar o relato. Já acertei tudo com os seus colegas da Rádio Moçambique”.
Mas como se pode começar um relato sem que eu tivesse acertado todos os pormenores com os meus colegas da RM ? Não faz sentido, disse eu ao que recebi como resposta … “estamos com problemas na linha de retorno por isso você vai ter dificuldade em falar com os seus colegas da RM”.
Eu estava na mão dos outros. Que fazer ? Nada. Rigorosamente nada. Cumprir com o que me tinham dito e nada mais.
Chegou a hora do início do jogo. Comecei o relato. Fui descrevendo o que via. O Renato Caldeira comentava. E assim se passaram os 90 minutos.
Quando chegámos ao hotel recebo um telefonema dum colega meu da Redação Desportiva dizendo: “João, tens que fazer uma informação alargada do jogo para o nosso RM Jornal das 19.30 horas, porque o relato, por razões técnicas, não chegou”.
Resultado: eu e o Renato falámos para o boneco !
PS: o Renato Caldeira, aniversariante de hoje (71 risonhas primaveras neste 1 de Setembro), contou esta história num dos seus livros já publicados.
Renato… companheiro de grandes jornadas, de grandes desafios, de grandes batalhas, acredita que 71 anos na vida duma pessoa é sempre “Uma Data na História”. Recebe um abraço de muita amizade. Comemora esta data com aqueles que mais estimas. Saúde e muitas felicidades.
João de Sousa – 01.09.2019
2 Comentários
Jose Carlos
Muitos parabéns ao Renato Caldeira, de quem sou fã e grande admirador. Acompanho com regularidade o Renato Caldeira no programa televisivo “Do fundo do meu baú “,no canal STV.
Muita saúde para o Renato Caldeira!
Renato Caldeira
Não semeei ventos, mas colhi tempestades… de afectos! Com verdade e do fundo do meu coração, faltam-me palavras para (cor)responder às centenas de mensagens. Na verdade, há uma confidência: foi difícil conter a lágrima rebelde no canto do olho. Uma parte da “culpa” cabe ao velho amigo – que nunca será amigo velho – João de Sousa. O país deveria pensar numa estátua para este embondeiro, ainda em via, para que ele, nos muitos anos que ainda lhe auguro, se possa (re)ver numa obra imensa e ainda longe do (re)conhecimento.
Abraço a todos!