UMA DATA NA HISTÓRIA – 2 de Outubro de 1975… Rádio Moçambique
Quem era aquele senhor baixinho e atarracado, de apenas 26 anos de idade, que seria a partir de 2 de Outubro de 1975 o homem forte da rádio estatal? Sabíamos, porque fizeram questão de referir esse pormenor, que ele vinha da luta armada de libertação nacional. Que se juntara à Frelimo quando tinha menos de 15 anos de idade. Que era maconde sem tatuagem na face, de fala fluída com boa capacidade de comunicação. Disseram-nos que tinha sido jornalista na Voz da Frelimo em Dar-es-Salam.
O que sabia ele de radiodifusão ou de comunicação social? O facto de ter sido jornalista era certificado de capacidade e competência para dirigir o principal meio de comunicação dum País que acabava de nascer?
A resposta veio naquele mesmo 2 de Outubro. “Eu não sei nada. Venho aprender convosco. Não pensem que tenho uma varinha mágica para resolver todos os problemas. Não sou santo milagreiro”. Ficou a mensagem e ficou acima de tudo o caminho aberto para que com ele pudéssemos dialogar, trocar ideias, abraçar novos projectos.
Começava a era de Rafael Maguni na RM ou da Rádio Moçambique com o RM. Não se trata de mero trocadilho de frases. A verdade é que ambos os RM se confundiam em perfeita simbiose um interpenetrando-se no outro. Um comando que durou pouco tempo.
Por força de outras obrigações, Rafael Maguni, de fina inteligência, diplomata de primeira água, franco no dizer as coisas mais oportunas em cada momento delicado, ficou profundamente envolvido nas conversações de Lancaster House, que na sequência do Acordo estabelecido deu origem à Independência do Zimbabwe sendo que posteriormente veio a ser nomeado Embaixador de Moçambique no País de Robert Mugabe.
Os passos dados para a consolidação da Rádio Moçambique foram obra de Rafael Maguni, que, entre outros predicados que o caracterizavam, teve sempre o condão de saber ouvir antes de decidir, coisa que hoje falta a muito boa gente, que, aparentemente, já se esqueceu que esta faculdade é uma das que mais nos diferenciam dos animais ditos irracionais.
Trabalhar sob sua orientação foi para mim e para muitos colegas da minha geração, um constante e saudável aprendizado. Foram momentos gratificantes. As bases lançadas naquela altura permitem dizer hoje, que a RM é, e acredito que vai continuar a ser por muito mais tempo, o meio de comunicação social prioritário do País. Mas para que este “desideratum” se torne realidade continuemos a fazer da RM a sigla e marca de qualidade e referência no que à radiodifusão diz respeito, urge que os jovens profissionais se dediquem com ainda maior seriedade ao estudo. Não me circunscrevo apenas ao estudo formal, de ir à escola, mas sim, também, e principalmente ao chamado “auto-estudo permanente no local de trabalho – on job training”, abarcando matérias sobre deontologia, ética, técnica, redacção, comunicação, urbanismo, probidade profissional, geografia, economia, cultura geral, música. Enfim, o profissional da RM a par de ter que ser especialista naquilo que faz, terá que ter um razoável domínio eclético de muitas áreas do saber.
Nesta RM de hoje, criada a 2 de Outubro de 1975 há ainda uma desproporção relativamente ao enorme salto tecnológico dado, comparativamente com aquilo que seria de desejar no campo da produção radiofónica, nomeadamente nas áreas de informação e programas. Aqui há ainda um longo caminho a percorrer.
Há quem não perceba que a Rádio é algo mais que um simples meio de comunicação. É também um meio de expressão, e como tal, uma arte. A Rádio tem os seus artistas, sejam eles bons ou maus. Acontece que não é artista quem quer, mas só aqueles que têm vocação e talento radiofónicos. Na rádio de hoje em Moçambique, seja ela pública ou privada, (salvo raríssimas e honrosas excepções) precisam-se profissionais com vocação e talento nato, aperfeiçoado por anos de estudo, experiência e perseverança. Quem não tiver vocação e talento, não pode ser artista da Rádio. Não basta o desejo. Fazer rádio não é para quem quer, é para quem pode.
Os bons artistas não se encontram aos pontapés. Os outros, medíocres ou maus, alguns deles formados nas nossas Universidades e carregando consigo o pomposo “Dr” nas costas, há por aí aos montes. E são estes, de conluio com quem tem poder de decisão, que “assaltam” os estúdios das emissoras e praticam toda a sorte de tropelias e barbaridades que começam na incorrecta utilização da língua portuguesa, afinal a língua de unidade nacional deste País, e que acabam por desaguar em outros males que passam pela leitura, realização, sonorização e montagem ou pela publicidade enganosa. Mais grave é quando este tipo de atropelos acontece na nossa Rádio Pública.
Muita gente esquece-se que a rádio não é um tribunal, nem uma Assembleia. A rádio é a Rádio, tal como um dia disse o Dr. Adrião Rodrigues, que no período do Governo de Transição de Moçambique (1974) foi membro da Comissão Directiva do Rádio Clube de Moçambique. “Na Rádio nós arrumamos os factos. Mantemos as pessoas bem informadas. Damos voz à opinião pública. Formamos pessoas. Mas formar pessoas é, sobretudo, não arregimentá-las. É criar-lhes o sagrado hábito de pensar”.
Neste 2 de Outubro comemoram-se 43 anos de existência da Rádio Moçambique. Bem hajam aqueles que lutam por uma Rádio que seja o resultado de isenção, rigor e qualidade. Para esses “eu tiro o chapéu”.
OBS: reposição de um texto que escrevi a 2 de Outubro de 2015.
João de Sousa – 02.10.2018
Um Comentário
angelina neves
Parabéns `a RM e “Bem hajam aqueles que lutam por uma Rádio que seja o resultado de isenção, rigor e qualidade. “