UMA DATA NA HISTÓRIA – 24 de Setembro de 1935… Vicente Lucas da Fonseca
Em miúdo, jogou no Sport Clube Acrobático, juntamente com Mário Coluna, agremiação de bairro onde o futebol corria ao jeito de tempo de lazer. Nesse clube pagavam quotas para comprar material, nomeadamente camisola, calções e bola. Não se compravam as botas porque ali todos jogavam descalços. Defrontavam pequenos clubes modestos de outros bairros. Nesses tempos de criança, havia as gazetas à escola, os intermináveis jogos que nem davam tempo para almoçar, as tareias das mães. E havia também uns certos miúdos, sempre a pedincharem para os deixarem jogar um bocado. Uns miúdos chamados Eusébio e Hilário.
Nessa altura já o seu irmão Matateu brilhava no 1º de Maio, filial do Belenenses, e não dava muita confiança ao miúdo “Mandjombo”, alcunha de Vicente que nas línguas faladas no Sul de Moçambique significa “muita sorte”. Até a própria mãe lhe chamava assim.
Na idade dos juniores, ingressou no 1.º de Maio, pelo qual já passara o mano Matateu. O treinador Severiano Correia, apesar de ele ser ainda muito novo, integrou-o na selecção de Lourenço Marques que defrontou a África do Sul. Com 16 anos, Vicente já alinhava na primeira categoria do 1.º de Maio.
VICENTE É MELHOR DO QUE EU
Em Lisboa, Sebastião Lucas da Fonseca insistia com os amigos: “O Vicente? É melhor que eu.” Adivinhe-se, pois, o alvoroço das gentes belenenses quando o clube resolveu chamar o irmão do homem que, num ápice, chegara a ídolo. Vem aí o “Matateu II”, dizia-se, então. Vicente teve mais dificuldades que Matateu em despegar-se da família.
Era muito novo para se meter em aventuras. D. Maria Heliodoro temia que acontecesse alguma coisa má ao seu menino, tão bom e amigo da família. Tentou dissuadi-lo: “Tu vais partir a perna”.
Mas Vicente, estimulado pelas cartas do irmão, estava mesmo decidido. Fez a viagem no navio “Pátria”. Foram 3 semanas sobre o mar. Chegou a Lisboa no dia 30 de Junho de 1954.
ANULAR PELÉ
Quando chegou o Mundial de 1966, Otto Glória atribuiu-lhe a difícil missão de marcar Pelé. Ele é meia equipa, e Vicente respondeu: “Já o marquei cinco vezes e as coisas não me correram mal.” Não disse nada que Otto não soubesse. No encontro, muito importante, com o Brasil, o médio belenense, com a sua “souplesse”, desarmou o grande jogador brasileiro. Antes do encontro, Vicente tranquilizou Pelé, sempre temente de adversários com-a-faca-na-liga: “Joga o teu futebol que eu jogo o meu”. O “magriço” ganhou sem tocar no famoso antagonista, facto reconhecido pelo ídolo brasileiro nas várias ocasiões a que se referiu aos duelos entre ambos: “Vicente foi o jogador que melhor me marcou sem nunca me ter molestado.”
APAGOU-SE A ESTRELA DE “MANDJOMBO”.
Após o Mundial, Vicente apenas jogou dois desafios pelo seu clube, para o Campeonato Português de 1966/67. Ainda esperava jogar mais cinco ou seis anos (na altura, tinha 30 anos de idade), mas um estúpido acidente afastou-o do futebol, numa triste manhã de Outubro, quando se dirigia ao Estádio do Restelo.
Numa entrevista concedida a Carlos Pinhão do jornal “A Bola”, referiu-se ao acidente nestes termos: “O condutor do outro carro fez uma manobra perigosa e eu, para não o apanhar, fiz um desvio, bati num poste e foi um vidro que me atingiu o olho. Tinha a cara cheia de sangue, mas não me tinha apercebido de que a coisa era assim tão grave.”
Mas era. De tal forma que os médicos nada puderam fazer para lhe salvar a vista direita. Com 30 anos, e o rendimento por usufruir da sua excelente participação no “Mundial” de Inglaterra, o “Magriço” só muito tempo depois conseguiu recuperar da infelicidade que o atingira.
Organizou-se-lhe uma festa de despedida, que se projectou pela Metrópole, por Angola e Moçambique. Por isso, esse dia foi considerado o dia de S. Vicente, tal foi o carinho que envolveu a homenagem ao simpático jogador. Com a receita da festa comprou dois andares e montou um café-tabacaria. Gorou-se o negócio e teve de vender os andares.
Foi quando resolveu mudar de vida, tirou o curso de treinador e enveredou por esta carreira difícil de desempenhar. Foi trabalhando em vários clubes, entre eles Vasco da Gama, Peniche, Desportivo de Castelo Branco, e Sesimbra, onde esteve duas vezes.
Até que depois de uma visita ao irmão, figura proeminente da colónia portuguesa de Victoria (Canadá), iniciou o seu trabalho de professor de futebol, no Restelo, decorria o ano de 1981.
Em 1988 e tendo por base o estipulado no acordo estabelecido com o Clube de Futebol “Os Belenenses”, no quadro da transferência de Chiquinho Conde para o clube do Restelo, Vicente Lucas da Fonseca (auxiliado por Carlos Silva), veio a Moçambique para treinar o Clube dos Desportos da Maxaquene.
De Vicente se falará sempre como de um futebolista de nível mundial que o azar colheu numa manhã de Outubro. A partir daí, o moço honrado, bom e humilde, passou por momentos amargos e imerecidos, até a nível familiar. Afinal de contas, o “mandjombo” não o foi tanto como isso.
O moçambicano que viu em 2016 a perna esquerda amputada e uma amputação parcial da perna direita, vive numa casa de repouso no Tojal, sendo que os custos de alojamento são na totalidade suportados pelo Clube de Futebol “Os Belenenses”. Segundo o Presidente da agremiação,” este é um acto da mais elementar justiça perante uma referência dos azuis do Restelo e do futebol português em geral”.
Vicente Lucas da Fonseca nasceu no dia 24 de Setembro de 1935. Completa hoje 85 anos de idade.
OBS: Fontes utilizadas para a elaboração deste artigo;
1 – Portal electrónico do Clube de Futebol “Os Belenenses”
2 – Entrevista que fiz a Vicente quando ele foi treinador do Maxaquene
3 – Miguel Vaz, treinador e comentador desportivo.
João de Sousa – 24.09.2020
6 Comentários
Elisa Ferreira
Parabéns Vicente, com votos de muita saúde.
Manuel Martins Terra
Vicente Lucas da Fonseca, foi um dos defesa centrais que mais brilhou no futebol português. Envergando a camisola da cruz de cristo ao peito e da Selecção Nacional, rubricou tardes memoráveis. Foi mais um dos moçambicanos que na década 50 , contribuiram para a elevação do futebol luso.Aquando do Mundial de Futebol de 66, não fora a lesão que o apoquentou e que o impediu de jogar frente à selecção Inglesa, na partida das meias-finais eu diria que o o destino do jogo seria outro e Portugal estaria na final. Que grande selecção,com o Vicente,Hilário, Coluna e Eusébio, indiscutíveis titulares. Quase meia equipa. Que saudades. Ao Vicente, pese todas as contrariedades que se lhe têm atravessado na vida, que continue a ser o grande lutador que efectivamente é, que continue a fazer- nos companhia por muito tempo e com a amabilidade e simpatia que o caracteriza. Nesta data, a recordat e citada atentamente pelo João de Sousa, muitos parabéns grande Vicente.
António Amorim Lopes
UM GRANDE ARAÇO AMIGO VICENTE, POIS É UM JOVEM DA MINHA IDADE. ERA ASSOCIADO DO BELENENSES QUANDO VEIO PARA PORTUGAL, MAS RUMEI A MOÇAMBIQUE COM 23 ANOS DE IDADE E DE LÁ IA SUGUINDO A EXTRAORDINÁRIA CARREIRA DOS DOIS MANOS MOÇAMBICANOS, COM BASTANTE AMARGURA POR NÃO CONSEGUIR ASSISTIR AOS JOGOS. APESAR DE TODA A INFELICIDADE QUE ACONTECEU A VICENTE JULGO, E NÃO DEVO ESTAR ENGANADO, QUE OS DOIS MANOS AFRICANOS TERIAM SIDO DOS MELHORES JOGADORES QUE O BELENENSES TEVE. PARABÉNS AMIGO VICENTE DESEJO QUE TENHA PASSADO UM DIA DE ANIVERSÁRIO FELIZ, DESEJANDO QUE ESTA EFEMÉRIDE SE REPITA POR MAIS ANOS ABENÇOADO POR DEUS.
José Luciano André Assunção
Querido amigo, bem lembrado. Grande defesa como diz um amigo acima e que muitos
ainda recordam com saudade. De momento, lamentando a sua pouca sorte ao perde de una perna e algum mal também na outra. Permitam-me louvar o feliz procedimento de “Os Belenenses”, gratificando um modelo moral mas que infelizmente poucos a seguem. Meu querido, além dos sinceros parabéns que lhe envio, com um grande abraço, desejando-lhe as maiores felicidades com, muita saúde, paz e amor. Um grande abraço e tudo de bom para si. Nasci em Lisboa mas vivi em Moçambique durante cerca de 40 anos, sempre no mato, Namialo, Namapa, Alto Molócué e os últimos 2 anos Nampula. Felicidades e um sincero abraço.
Juca
Parabéns grande Vicente!
Parabéns também pela excelente reportagem.
Manuel da Silva
Não conhecia totalmente a história de vida do nosso querido jogador e patriota Vicente! Fico muito satisfeito de saber que:
“… vive numa casa de repouso no Tojal, sendo que os custos de alojamento são na totalidade suportados pelo Clube de Futebol “Os Belenenses”. Segundo o Presidente da agremiação,” este é um acto da mais elementar justiça …”
Ainda vai havendo gente com um bom coração!!!