Aquele terra já não é minha!
Sei porque é que hoje, aquele país não pode ser o meu!
Aqui nunca tive uma quinta… mas em África já tive um país!!
Nasci aqui. Numa pequena aldeia a cerca de três quilómetros da cidade de Mangualde, no centro-norte de Portugal. Em pequenito tinha interesse em ouvir o meu avô e aos meus pais falarem da miséria originada pela 2.ª guerra mundial (1939/45) na Europa. Mais sentida em Portugal porque os empregos eram escassos ou, simplesmente, não existiam! As pessoas que já viviam mal, passaram a viver pior.
Como a terra era “madrasta” e o meu pai nunca teve uma “quinta”. Pediu a um conterrâneo que residia em Lourenço Marques para lhe mandar uma “carta de chamada”. – E em 1949 estava a embarcar à procura de uma vida melhor!…..Nós fomos a seguir.
Foi na linda “Cidade das Acácias” que passei etapas da minha vida que me levaram a pensar que, aquela terra e aquele país também era meu.
Porque:
Concluí a instrução primária, na escola Rebelo da Silva. O curso industrial na Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque (EIMA).
Os meus amigos e colegas residiam todos aqui! A foto a seguir, com amigos da “Indústria”, é dos anos cinquenta do século passado. Foi tirada no campo do Malhangalene. Sou o 6.º a contar da direita. Embora sabendo que alguns já não se encontram entre nós, não vou referir nomes porque a minha memória pode atraiçoar-me no esquecimento de outros. Talvez o Alvarez, o Moisés, o Nelson, o Gomes ou os outros que também estão na foto, se recordem!
Com muitos deste grupo, era ponto assente que aos sábados de manhã, quando saíamos das atividades da Mocidade Portuguesa, e até nas “borlas das aulas”! – Fazíamos romaria à Pastelaria Cristal, em frente da Escola Comercial.
Ou para o jardim em frente do liceu Salazar, para “in loco” ver e decidir quais eram as raparigas mais bonitas a frequentar aquelas instituições.
Um problema sem solução: – Eram todas bonitas!
Na EIMA, além das atividades da Mocidade Portuguesa, participei também no teatro.
Na foto a seguir numa peça, sobre “A libertação de Portugal”, ensaiada pelo Professor Moura Victória e creio que pela Professora Infância Vilares. Sou o da esquerda, interpretando Nuno Álvares Pereira; seguido do Mário Cunha a representar Portugal, e creio que o Fernando Silva interpretando D. Afonso Henriques. – Os intérpretes das figuras de “Vasco da Gama e Luís de Camões” que me perdoem por não me recordar dos seus nomes!
Colaborei também noutras peças, das quais já não tenho registo fotográfico.
A minha carreira como aluno terminou no Instituto Industrial, onde concluí o curso de Eletrotecnia e Máquinas.
No serviço militar assentei praça em Boane. Tirei a especialidade no Esquadrão de Reconhecimento, e fui mobilizado para o teatro de operações em Vila Cabral.
Tinha por missão levar mantimentos às populações das aldeias e localidades, no interior do distrito de Niassa.
Prestei também serviço militar em Nampula. E passei à disponibilidade quase 4 anos depois, no Quartel-general em Lourenço Marques.
Só estas etapas das nossas vidas podem ser vividas no país que consideramos o nosso! Todas as seguintes podem ser vividas em qualquer outro, que pode ser o nosso, ou não.
Este “sonho” durou até aos dias seguintes ao 25Abr74, que foram de alegria! Mas passaram a ser de tristeza nos dias a seguir aos seguintes. Porque uns portugueses aprendizes de políticos, apoiados nas forças armadas, já em negociações com a Frelimo para lhe entregarem o poder, se “esqueceram” que era necessário zelar pela segurança e salvaguardar os bens das pessoas que viviam nas províncias ultramarinas. Foi por este “esquecimento”, que o “êxodo” começou!
Tal como muitos outros, ao assistir a tudo isto, decidi:
“Zé, vou-me embora para Portugal!” – Isto dizia eu, na Pastelaria Princesa, ao Zé Faísca, que Deus tenha em descanso. Dono, em sociedade com o irmão e tio, das lojas: – Encanto e Conforto do Lar, e ainda de uma oficina de carpintaria na avenida de Angola, em frente ao Cinema Império.
Retive o que ele me disse:
– “Fazes mal!..Isto vai ser um grande país. Vai ser o “El Dorado”, ainda melhor que o Brasil”! – Na época víamos o Brasil como “país modelo”.
Mesmo assim prevaleceu a minha decisão.
E no início de 1975, com os olhos húmidos a pensar no país que deixava, e fez de mim homem, estava com a esposa a entrar no avião da TAP para Lisboa…. Mas sempre com a ideia de um dia voltar!
Passado pouco tempo, com surpresa…Ou não!. Encontro aqui, em frente ao Café Gelo no largo do Rossio, o meu amigo Zé Faísca – O Café Gelo era o ponto de encontro dos “retornados moçambicanos” que nos traziam notícias “d´além mar”!
Perguntei-lhe pelo seu “sonho do El Dorado”!
Foi aqui que me contou a sua “odisseia”.
Disse-me que, para lhe ficarem com tudo, a comissão de trabalhadores, utilizando a estratégia habitual, estava a acusá-lo de sabotagem económica. E com medo de ser preso teve de fugir pela calada.
Disse-me também que: “Com aqueles governantes Moçambique era para esquecer”.
E tinha razão! – Desde assassinatos, roubos a naturais e residentes, assaltos e raptos com resgates, a Frelimo tudo consentia e consente!
Por tudo que lemos e ouvimos, a sua política tem sido um desastre para o país.
Aquele país já não pode ser o meu!
Porque, depois da paz com a Renamo; a Frelimo tem votado o centro e o norte do país ao abandono. E já há cerca de quatro anos que em Cabo Delgado, por ser uma província rica em recursos naturais, as forças armadas, com as altas chefias militares instaladas em Maputo, longe do teatro de operações, enfrentam sem sucesso uma insurreição de extremistas islâmicos. Que nas últimas semanas ganhou novas dimensões com os extremistas a tomarem a vila de Palma, deixando os cerca de 50 (?) mortos, adultos e crianças, espalhados nas ruas. Seguida de um ataque ao hotel onde, para chamarem a atenção da comunidade internacional chacinaram os hóspedes, trabalhadores das empresas que exploram o gás natural, e decapitaram 12 estrangeiros. Atualmente já são mais de 700 mortos.
Depois de tudo isto, e ao ver na televisão entre as dezenas de milhar (?) de deslocados e fugidos, crianças com fome e só com a roupa que têm no corpo, fiquei com os olhos húmidos.
E não tenho dúvidas que:
Aquele país nunca pode ser o meu.
Prefiro a paz deste “pequeno recanto”! Não a troco por nenhum desses outros.
E sinto-me feliz quando a bordo, ouço a hospedeira dizer: – “Por favor senhores passageiros apertem os cintos. Vamos aterrar no aeroporto de Lisboa!”.
Por ironia do destino, o país aonde nunca tive uma “quinta” é agora o meu país!… Concordam?
Obrigado Belita, pelo arranjo do vídeo: – “Moçambique está longe”
Para nós, com o BigSlam, o mundo já é pequeno…Muito pequeno!
João Santos Costa – Maio de 2021
10 Comentários
Julio João Conceição
Amigo Costa
Muitos de nós que viveram em Moçambique antes de 1974, sentem uma grande frustração pelo (des)caminho que o país seguiu e continua na mesma senda. Muitos visionários como o seu amigo Zé Faísca acreditaram que Moçambique seria um el dorado, coisa que não aconteceu, chegando ao ponto que chegamos. O país foi tomado por meia dúzia de oportunistas insaciáveis, que têm conduzido à sua destruição. Quase todos sentimos que este país já não é nosso. Com grande dor de alma e muita frustração, somos forçados a concluir, perante os factos.
Um abraço
PS: também frequentei a escola industrial, e o instituto industrial, tendo concluído o curso de eletrotécnica e máquinas em 1970. Entrei no serviço militar em 1976. Penso que somos contemporâneos… Não estou recordado de si. Pode avivar-me a memória?
Obrigado
marioruialves@gmail.com
O meu avô é de Arcos de Valdevez foi para Moçambique em 1899 com Mouzinho de Albuquerque para prender o Gungunhana ficou por lá. Nasceu em Moçambique o meu pai eu e meus irmão assim como a minha filha. Vivi naquele país até aos 33 anos
hoje já cá estou à 46 anos. Fica a recordação dos tempos em que vivi no paraíso e não sabia.
Vasco Pinto de Abreu
Assino por baixo! Hoje sou sul-africano e português, com muita mágoa e por conveniência…Moçambique já pouco me diz, ficaram as recordações e a saudade. Abraço e parabéns, João
Manuel Martins Terra
Caro amigo João Costa, faço das palavras que inseriste no teu post, palavras minhas e quiçá de milhares de portugueses e naturais daquela encantadora terra, que sentiram na pele uma imperdoável diáspora impulsionada pelos vendilhões do templo, que nos forçaram a um regresso indesejado e deixaram o povo moçambicano abandonado e á deriva. Parabéns, João, pelo oportuno testemunho do teu trajeto em Moçambique, que é também similar ao que eu percorri e tantos outros . Um grande abraço, do amigo Manuel Terra.
ruiaosorio@gmail.com
Muito obrigado amigo João À medida que o tempo passa as saudades vão aumentando e só graças a vocês vamos conseguindo mitigar um pouco as mesmas que já transbordam. Pois, a Pastelaria “Cristal” com as suas deliciosas arrufadas e a ” Princesa” para onde obrigatoriamente íamos tomar o nosso cafezinho servido pelo simpático empregado, pai do conhecido toureiro Chibanga, contribuem em muito para esse estado de espírito.
Não cheguei a entrar no Liceu para onde foi instalada a Escola Comercial. Nesse mesmo ano fui estrear o novo Liceu Salazar. Contudo, anos depois fui lá professor por algum tempo assim como no Instituto Comercial, no período noturno, anexo à mesma.
Um abraço
Francisco Duque Martinho
Pois sinto o que Santos Costa diz, escrevendo. Nasci em Lourenço Marques, devido à vida profissional do meu Pai tive a sorte de até aos quase oito anos ter vivido no mato, quer em Moçambique, quer em Angola. Cumpri serviço militar como todos e por lá fiquei até 79, trabalhando na DETA com um contrato de “servidor”, contrato aplicável aos funcionários públicos estrangeiros. A opção pela condição de estrangeiro, manutenção da nacionalidade portuguesa aquando da publicação da lei da nacionalidade moçambicana, foi das mais difíceis que tomei ! Em 79 imigrei para a ex-Metrópole, território no qual não encontro afinidades nem referências. Desde então, considero-me um “africano” apátrida – Moçambique já não é o meu País, Portugal Continental percebo que nunca o foi !
Ernesto Silva
Boa João, continuas a brindar-nos com belos trabalhos. Um abraço.
Eduardo Jeremias Coimbra Ferreir
Por sorte digo eu ,também estive para ir para Moçambique depois de vir de Angola (1963 -1966) mas entrei em Multinacional U.S.A. e perdi as intenções .
– Mas vejo com mágoa o que sofreram e continuam a sentir as noticias .para fraseando o João Costa (não ser o País que sonhou), mas acho que todas as ex-Provincias Ultramarinas ,principalmente Angola e Mozambique perderam milhares de Portugueses e não só que deram tudo para que fosse um País (hoje melhor que o Brasil ) que também não se aproveita praticamente nada ,miséria etc…. mas penso que é sina dos Portugueses se fizermos um exame ao que está no nosso horizonte é uma pena ver os espetáculos nas televisões.
Fernando Pedro
A vida militar fez com que eu viesse a conhecer Lourenço Marques, Beira, Nampula, Porto Amélia e, por fim Mueda, foram três anos (1968/1971) de vivencia, que ficaram gravados na minha alma e, que ainda hoje sinto saudades. Compreendo tudo o que conta! O ter de abandonar tudo e regressar a Portugal, naquele ano quente, confuso e incerto de 1975 do Gonçalvismo, deve ter sido terrível para o amigo e seus familiares. Por ironia do destino, o país aonde nunca tive uma “quinta” é agora o meu país!… Concordam? Concordo e compreendo! Um Abraço, tudo de bom. Fernando Pedro
ABM
Pois é mais ou menos isso, mais vírgula, menos vírgula..