Bem vindo ao meu paraíso!
É verdade que no “nascimento” de novos países ou nas mudanças de regime político, sempre houve naturais e/ou residentes que por motivos vários resolveram – “ficar ou sair”- E uns e outros têm uma estória para contar!
Porque assisti à “criação de um país novo”, e como já estou a viver o “terceiro e último acto, do resto da minha vida”, achei que era altura de recordar e fazer um “contra-ponto” entre duas saídas desse país:
– Uma, a minha! Igual à de centenas de milhares, que saímos uns meses antes da independência.
– A outra, a de um amigo de infância e colega na escola primária, que quis ficar a colaborar com o regime desse país.
Um dilema: – Sair, fugindo para a África do Sul ou Portugal?
Sabia desde 25 Abril1974, que Moçambique em meados do ano seguinte ia ser entregue aos “Senhores da guerra”. Por isso para muitos naturais e residentes, que como eu queriam sair, o martírio começou!
Nas ruas da Capital ouviam-se os frelimistas e apoiantes dizerem que: – “Só os colonialistas reacionários e contra-revolucionários fugiam de Moçambique, porque não conseguiam engajar-se no projecto da Frelimo”.
Pelo que via, lia e ouvia, sabia que as políticas seguidas pelos dirigentes da Frelimo sempre que foram aplicadas noutros países tinham promovido a pobreza dos seus povos! E também porque tinha em memória os trágicos acontecimentos do 7Set74 com o “Galo, Galo Amanheceu” a tirarem-me o sono! Por tudo isto, de maneira nenhuma queria engajar-me no projecto da Frelimo.
Assim, com colaboração da minha esposa e conselhos do meu “travesseiro”, com muita mágoa e tristeza também; – decidi “fugir”! E optei pelo país donde saí em menino.
Quando aqui cheguei não tive vida fácil! Com uma difícil adaptação, problemas em refazer a vida e a ouvir termos pejorativos, como: – “Os retornados são exploradores, estiveram a roubar os pretos, e agora vêm roubar os nossos empregos”! – Por tudo isto, pensei em sair daqui. Emigrar para a África do Sul onde tinha família e amigos. Mas a minha esposa disse-me: – “África nunca mais!”
Joanesburgo a principal cidade da África do Sul, que foi a cidade mais desenvolvida de África. Na foto a Torre Strijdom no bairro de Hillbrow junto da qual eu ficava nas férias, nos apartamentos Cumberland.
E acertou! Porque depois de ver os saques, as pilhagens e a destruição em alguns países de África, realmente, com grande tristeza: – “África nunca mais!”
Amigo, sei porque viestes ter comigo!
Desde sempre acompanhei o que se passava no teu país. Por também já ter sido o meu! Sei que tem imensas riquezas naturais. E por isso sonhaste, e eu também, que ali podia “nascer o país do El Dorado”!
Mas os “Senhores da guerra” e outros ditadores como não passavam de políticos “aprendizes”, não estavam preparados para receber um Moçambique em pleno desenvolvimento. E por isso desconfiavam do apoio das elites urbanas. Diziam que “pensavam diferente”! E na Frelimo foram passadas para um plano secundário, e sem poder decisório.
As políticas do “quero, posso e mando” que estavam a ser aplicadas, eram uma desilusão e a ruína do país!
E de repente, apareceram os problemas económicos, sociais, médico/sanitários, políticos e outros. Aquilo que eu via pela sua aplicação noutros países!
Como todos os ditadores, os “Senhores da guerra” também eram vingativos.
Vingavam-se dos que discordavam das suas ideias, mandando-os assassinar. Até a antigos companheiros de armas! – Muitos moçambicanos e residentes, por denúncias, algumas falsas, eram presos levados para “campos de reeducação” para, como diziam, fazer um ”homem novo” para poder ser “engajado” no “país novo” …e alguns nunca voltaram!
As nacionalizações das propriedades e de algumas habitações eram constantes. – Proibiram a circulação entre cidades, sem um salvo-conduto passado pelo comité de bairro. – Os géneros alimentícios eram racionalizados e vendidos em longas filas nas cooperativas de consumo. – As liberdades de expressão e reunião que fossem contra o poder instituído eram proibidas. – Não havia democracia, o sistema era monopartidário. – Nos bairros havia comités liderados por um membro cuja função era vigiar e denunciar ao partido no poder o que se passava no bairro.
Por não haver liberdades de expressão, politica, religiosa e outras, começou uma guerra civil entre moçambicanos…
Ao constatar tudo isto, “confidenciei aos meus botões” que não ias aguentar viver muito mais tempo nesse “novo país com ideais de velho”!
Por isso um de nós estava errado: – Eu porque “fugi”. Ou tu, porque vieste aqui ter comigo!
”Que Deus te dê/nos dê longa vida neste PARAÍSO!”
Nota: – Moçambique hoje não tem alguns destes problemas. Tem outros!
Para nós, com o BigSlam, o mundo já é pequeno. Muito pequeno!
João Santos Costa – Novembro de 2021
12 Comentários
Maria Perez
Não me vou alongar porque a noite já vai longa e a saudade DÓI mas, um GRANDE OBRIGADA a todos que nos fizeram passar estes momentos vendo momentos e sítios da nossa vida em que nos sentíamos felizes mesmo trabalhando muito. Foi BOM enquanto durou……………. Um bem haja!!!
José Gonçalves
Estive vários anos em Moçambique, em plena época frelimista e pude testemunhar o “desenvolvimento” e o “progresso” do novo país. Em cafés icónicos como o Continental ou o Scala, apenas se conseguia um tomar um café e nada mais havia. Para se comer uma refeição decente, apenas indo ao Polana ou ao Cardoso. Produtos alimentares, apenas quem tinha dólares podia adquiri-los na Loja Franca. Por todo o lado se viam os famosos cartazes de ideologia comunista, com que se fazia a lavagem cerebral e se reeducava o povo. A começar pelo Aeroporto onde um enorme cartaz virado para as pistas de aterragem dizia: “Maputo zona liberta da humanidade”. Ainda me lembro da estupefacção que me invadiu ao chegar e ler o cartaz. Outra coisa que nunca tinha imaginado era as pessoas terem malas carregadas de meticais e de não haver nada para comprar.
Algumas vezes ao deambular pela cidade, com os passeios escavacados e com lixo, imaginei como ela era linda quando era bem tratada e cuidada. E muitas vezes pensei naquela gente que, tendo feito daquela terra a sua, teve que deixar tudo para trás fruto de uma descolonização obscura.
Um abraço João.
Manuel Martins Terra
Caro amigo João, estando já decorridos 45 anos após a independência de Moçambique, o novo país que estava a nascer não passou de uma miragem, porque primeiro provocaram o êxodo dos portugueses, e depois cederam aos interesses de várias potências mundiais, ávidas de riquezas que proliferam no território. Por cá, foi notória a influência dos designados retornados na sociedade portuguesa, contribuindo para ajudar a mudar hábitos e desígnios aqui instalados. Já em Portugal e em outros pontos do planeta, fomos infelizmente assistindo ao descalabro que conduziu Moçambique à tragédia da Guerra Civil, à fome, a escaldante corrupção que grassa entre a elite governamental, empresarial e aparelho militar. As populações vão fugindo ao terror instalado na região Cabo Delgado, agora sobrevivendo em campos de refugiados, em condições deploráveis. Assim se vai gorando a grande ilusão do bom povo moçambicano, atraiçoado por quem tomou o poder, e que vendeu sonhos transformados em pesadelos.Que a paz contemple Moçambique, e como tu dizes João, que Deus nos deia paz e longa vida neste minúsculo paraíso.
jose alexandre russell
Pois é amigo João. E aqui estamos, e já lá vão quase 45 anos ( no meu caso). Vivos, e pelo menos a poder pensar e escrever o que pensamos. E muitos foram aqueles que saíram com uma mão à frente e outra atrás, mas que com grande resiliência conseguiram voltar a por de pé a sua vida. E agora restam-nos as saudades dos velhos tempos vivido em Moçambique.
Adelino Serras Pires Jr.
Nasci na cidade da Beira em 1954. Estudei na Rodésia até 1972. Lá fiz o serviço militar como polícia 1975/77 (BSAP) e infelizmente tive que participar em operações militares contra o meu País de nascença (Moçambique). Nunca matei um ser humano, só animais porque fiz-me caçador guia profissional (1978/2003) porque não sabia fazer outra coisa. O meu último ano como caçador foi precisamente em Cabo Delgado. Hoje vivo em Espanha. Durante toda a minha vida sempre tentei voltar à minha terra natal mas fracassava porque Moçambique não me dava alegrias, só tristeza, miséria, incompetência, corrupção. Não me posso queixar-me da minha vida. Pelo contrário. O único senão é esse. Não poder desfrutar dessa terra tão querida por nós mas que por culpa desses senhores da guerra, não nos deixam. Uma pena.
Manuel da Silva
Adelino, compre o meu livro onde falo tanto de vossas coutadas de África;
Vídeo de apresentação
https://www.facebook.com/Fretzebelle/videos/353445293131409
Encomendar o livro KAPALAUTSI: Carregue o item que deseja para encher o carrinho de compras
https://www.chiadobooks.com/livraria/kapalautsi?fbclid=IwAR20XgbgzB3BOfr3I0bMprb8KztLBQMiCgr4-lW7KD8BkRztQqdkMJ6Xk8Q
Eduardo Jeremias Coimbra Ferreir
Tendo passado por Africa (Angola) Serviço Militar -1963/1966, sou um apaixonado pelas as aventuras e imagino (o sofrimento) que vós e familias .
– Sou um apaixonado pelas aventuras explicadas no “BigSlam” e por mero acaso não fiquei
em Angola,apesar dos convites.
-Mas imagino o que sofreram e familias . Mas também foram uns Heróis.
-Mas se verificarmos a nossa História ,apesar de pequenos fomos muito “Grandes” e poderiamos ser maiores se não houvesse oportunistas.
– O que seria Portugal,se tivessem aproveitado as “intenções da boa gente ” que foi deste !cantinho” à beira mar plantado ,é triste mas é a verdade.
-Um abraço a todos especialmente a todos que se sacrificaram e muito sohreram e (famílias também)
Arnaldo Pereira
Pois…
Boa descrição.
Eu não nasci em Moçambique, fui para lá aos 13 anos.
Mas, cresci, tornei-me homem, formei-me profissionalmente, casei, procriei… e acreditei (e aceitei) que aquela seria a minha terra até à altura em que exalasse o meu último suspiro.
Estava tão firmemente decidido a ficar que a minha mulher veio a Portugal em 1975, na altura da Independência, onde permaneceu 3 meses e eu assumi um contrato por 2 anos como “cooperante do novo país”… findo o qual – pensava eu – me manteria, nunca pensando que esse projecto não se iria concretizar.
Em meados de 1976, tomei conhecimento de algumas situações desagradáveis (para não lhes dar outro nome) que ocorreram, um pouco por todo o país, e que contrariavam toda a ideia que eu fazia duma sociedade justa, democrática e livre.
E isso fez-me tomar a decisão de não permanecer no país para além do término do meu contrato, em Junho do ano seguinte.
No dia 3 de Novembro de 1977, desci do avião que me trouxe de volta à minha terra-natal, onde fui bem recebido, acolhido e acarinhado pelos familiares que lá viveram também, mas que regressaram aquando da Independência.
E é com o “coração partido” que tomo conhecimento há 44 anos, da situação calamitosa e de miséria que grassa pela terra que um dia sonhei ser a minha pátria adoptiva.
Joao Felizardo
Ah , mas entao na altura eu andava na ULM e de repente apareceram uns iluminatis todos frelimistas claro !…. o pior estava para vir ….qdo um colega e amigo mulato disse-me a mesa no self – olha la sabes q o teu nome esta na lista para tete ? – referindo-se na altura ao campo de reeducacao ….; entao ai decidi – boa altura de ir embora ; tracei um risco na areia e dei a mim proprio uma de 24 /20 ; para traz ficava o paraiso frelimista ; sai a boleia para a RSA ; portanto em resumo : os fascistas socialistas / comunas da troyka – soares , almeida santos e melo antunes entregaram o territorio ao moises machel no imbizu de lusaka ; depois o moises tomou conta unilateralmente do territorio ; os fascistas socialistas /comunas portugueses chamaram a esse acto os acordos de lusaka ; o moises machel ligou o cerebro ao intestino em diarreias mentais de palestras de 6 horas …o regime q liderou mandou prender , fuzilar , matar e roubar do erario publico ; o dakhlama da renamo desencadeou uma guerra de guerrilha q alastrou em guerra civil em q morreram cerca de 1 milhao de pessoas e mais de 2 milhoes ficaram desalojadas ; a guerra civil acabou qdo o chissano foi obrigado a ir a roma assinar um tratado de paz com o dhlakama ; anos depois e algures na sala magna de uma universidade em portugal o fascista socialista soares foi aplaudido em pe por ferverosos apoiantes e a rtp portuguesa enalteceu-lhe a aura como um historico do ps ; lentamente a frelimo em mocambique transformou-se em frelamo ou seja na frente dos ladroes de mocambique ! Brilhante !!!
Vasco Abreu
Excelente, João ! Nada a acrescentar, infelizmente a profecia da tua mulher sobre a AS, onde vivo, também bateu certo. Abraço
Manuela Coelho
Parabéns pelo conteúdo . Verdade nua e crua. Os “ retornado “ , espalhados pelo mundo, continuam a dar cartas ao mundo.
Carlos Guilherme
Caríssimo João:
Agradeço-te do coração tudo o que dizes no teu artigo. Posso comprovar, eu e muitos milhares de pessoas, que o que dizes é a verdade nua e pura. Os que vieram daquelas paragens, dado o seu espírito de luta diária (“resiliência” como está na moda dizer) vingaram quase todos na vida. Bem hajas.
Carlos Guilherme (tenor)