Figuras Moçambicanas – Recordam-se do “Já Lá Vai”?
Era um homem a quem, nos fins dos anos sessenta do século passado, era “consentido” utilizar em público uma linguagem menos própria.
Aquele tipo de linguagem que hoje, pegou “moda” entre jovens e não só!
Li no Facebook e colhi alguma informação nos comentários, um post do João Mendes de Almeida a perguntar se alguém tinha dados ou se lembrava, do “Já Lá Vai”.
– Lembro-me: Franzino, corcunda, moreno, de voz rouca, cauteleiro de profissão, figura “sui generis1 ” da baixa “Lourenço-marquina”.
Como poucos sabiam, incluindo eu, o seu nome próprio era tratado pela alcunha de “Já Lá Vai” porque era a resposta que dava sempre que alguém o chamava. Ou também pelo “Portugal é Sólido”, como era conhecido entre nós estudantes no café do cinema Gil Vicente.
Chamava-se, creio que já faleceu – Torcato Ferreira. Tinha sido também figura muito castiça na cidade da Beira, onde exerceu a mesma profissão, e migrou para L. Marques.
Não era pessoa das minhas relações. Que me lembre só falei com ele duas vezes. Uma vez foi ao pé John Orr onde, a meu pedido, lhe comprei uma cautela. – A outra; estava ao pé da Casa Coimbra à espera da minha namorada e ouço a sua voz inconfundível a perguntar-me, mostrando-me cautelas, se lhe queria comprar “A grande”. Perante a minha recusa e a sua insistência, reconsiderei e comprei-lhe outra. Em nenhuma fui premiado.
Era visto com frequência ao pé da Casa Dias dos Xaropes. Embora, quando “a sede o atacava” se servisse da cervejaria mais próxima. Mas não de todas! Havia algumas onde, pelo seu vocabulário impróprio ou comportamento, não era bem recebido.
A sua grande “amiga” chamava-se “Catembe” (mistura de vinho com coca-cola).
E abusava “dela”! Pelo que víamos, e diziam os conhecidos, muitas vezes depois do almoço faziam um “rico par”! E quando alguém lhe dizia gracejos, sem lhe comprar lotaria, era brindado com uma série de asneiras e insultos.
Presenciei, na av. D. Luís em frente à pastelaria Bernard, o vocabulário que utilizou quando dois moços por picardia, lhe imitaram a voz tratando-o por Já Lá Vai. Sem se importar com a presença de terceiros, não teve tento na língua e disse-lhes um chorrilho de asneiras!
Mas também me recordo que, juntamente com amigos, quando ao pé do restaurante Marialva o cumprimentei empregando a alcunha, ele delicadamente também me saudou. Admirámo-nos por não ter utilizado o palavrão habitual: “Já Lá Vai ao….. do teu pai”!
Quando era repreendido; o nível do seu vocabulário quase sempre “subia de tom”! Por isso já ninguém o corrigia e até lhe consentiam que utilizasse em público aquele tipo de linguagem, que para os mais novos era motivo de “troça”!
Pelo “passa palavra” contavam-se ditos maliciosos e peripécias, algumas derivadas de anedotas, onde ele utilizava o seu tipo de comunicação.
A mais conhecida, e creio que até partiu de uma anedota! Mas porque a que ouvi contar a diferentes pessoas que diziam conhecer outras que a ela tinham assistido. Tenho-a, por isso, com benefício de dúvida!
Dizia-se que: – “O seu órgão sexual tinha um porte superior à média. Em determinada altura ao utilizar os urinóis do Scala, pastelaria(?) ou cinema(?), com outros utilizadores ao seu lado perguntou-lhes, como era seu hábito, se alguém queria “a grande, a sorte grande”. Ninguém lhe respondeu. Houve um que, depois de o “mirar de alto a baixo”, por chalaça, lhe disse: – Puxa! De si nem a terminação”.
Gostava de gracejar com as sul-africanas jovens (bifas), quase sempre com piropos maldosos, porque sabia que elas não o percebiam e os “mirones presentes” até lhe achavam graça!
A primeira vez que o ouvi alcunhar de “Portugal é sólido” foi aos empregados do café e cinema Gil Vicente onde eu e o meu grupo estudávamos.
Alguns sábados de tarde vinha o Já lá Vai, com o seu andar pachorrento, a subir a av. D. Luís no passeio do lado do cinema a dar punhadas nas paredes e montras. Cada vez que batia, com a sua voz roufenha, utilizava a expressão “Portugal é sólido”! – Dava mais uns passos; novamente uma punhada, e:- “Portugal é sólido”!!. E lá ia, por ali acima, sempre com aquela lenga-lenga até à esquina do prédio Montepio.
Quando passava em frente do café e alguém se metia com ele, já sabia que era brindado com uma série de asneiras e insultos.
Por informação que colhi recentemente junto de dois elementos do meu grupo de estudantes da altura; o “Portugal é Sólido” teve a sorte de não ter danificado nem partido as montras que lhe ficavam no caminho: – Agência Mercantil, João Ferreira dos Santos, e outras!
Afinal em L. MARQUES, como o “Já Lá Vai” previa, “PORTUGAL ERA SÓLIDO”!
– Como vês Lourenço Marques ainda não te esqueci, porque ainda hoje falo de ti.
P.S. – Face ao deteriorar das relações político/judiciais entre Portugal e Angola, peço-vos para lerem/relerem o meu artigo, “Quo Vadis” Angola, publicado aqui no BigSlam no meu blog “Xilunguíne” em Dezembro de 2016. Só peca por ter sido antecipado no tempo em cerca de 3 meses.
Para nós com o BigSlam o mundo já é pequeno!
João Santos Costa – Março de 2017
7 Comentários
Ângelo Santos
Lembro-me bem dele, como uma das figuras típicas de LM. Alem de mal-educado tambem tinha ditos desconcertantes e engraçados; Uma vez ia ele no machibombo quando entra um casal com a sogra; como os lugares eram poucos, o casal ficou à frente e a sogra mais atrás; o cobrador iniciou a cobrança pelo casal e quando chegou à sogra, esta perguntou em voz alta: Chico tiraste os três? Tirei, respondeu o Chico. Então, ouve-se a voz gutural do Já Lá Vai: Ah ganda Chico!!!
José Pegado
Certo dia, o JÁ LÁ VAI, entrou no Scala pelas 17 ou 17,30, já “meio entornado”,tentando vender, com as suas cautelas na mão, e, por “azar” tocou numa das mesas das “tias” dos chá das 5, e fez entornar algum chá, e de imediato uma das presentes disse:
– Coitado já está “bêbado”.
A resposta foi imediata e , eu assisti:
– Minha senhora, eu hoje estou bêbado, amanhã estou bom, mas a senhora amanhã continua com essa cara que é uma vergonha……
Tudo se acautelou do melhor modo para não estragar o ambiente normal de todo o SCALA………..
Antonio Gaspar
Conta-se que deste Senhor JÁ LÁ VAI certa vez estava no Manchibombo na Pinheiro Chagas quando entrou uma Senhora com A filha e o Namorado deste quando o Revisor tirou os Bilhetes que seriam pagos pelo Namorado da Moça esta advertiu a Mãe que o Chico já tinha tirado os 3 bilhetes e disse…Oh Mãe o Chico (Nome do namorado) já tirou os 3 “bilhetes” ao que o JA LÁ VAI retorquiu AhGrande Chico…
João de Sousa
Nesses tempos fazia-se presente, de quando em vez, na periferia do Bar Malhanga, do saudoso António Emílio Teixeira. E por ali tentava vender “a sorte grande” ou pedinchava uma “catembe”.
João S.Costa
João, aonde lhe servissem a sua “amiga catembe” ele retribuía sempre com uma visita. Mas só nesses bares/cervejarias. Obrigado pelo teu comentário. Um abraço.
A. Braga Borges
Esta quadra, dizia ele montes de vezes:
A vida é um romance
A vida é mesmo assim
Sou Nandinho Torcato
Da Póvoa do Varzim.
Nota: Quem o quisesse ver irritadíssimo, era só dizer que o álbum de fotografias dele não fechava, por causa da marreca.
João S.Costa
Tony. A quadra passou-me! E lembro-me bem dela! Tão empenhado estava em contar a vida dele. Obrigado pela tua colaboração. Um abraço.