Viagem de destino: Joanesburgo
Quando se fala da África do Sul, quase sempre é “obrigatório” falar de racismo.
Sobre esse tema, a minha posição já foi aqui referida nos comentários e artigos publicados. Em especial no dia 6. Dez.2013 no artigo sobre o Nelson Mandela, com o título: “Morreu o prisioneiro 46664”.
Portanto não vou falar disso! Para “esse peditório já dei”.
Vou falar sim! Daquelas viagens que fazíamos à África do Sul, que geralmente tinham como destino Joanesburgo (JHB). A capital financeira do país mais desenvolvido de África, que a par da Nigéria e do Egipto, é também dos mais ricos daquele continente.
Não tenho dúvidas que por influência dos filmes de língua inglesa e Moçambique ter fronteiras com países de cultura anglo-saxónica, na época via a África do Sul e a sua principal cidade, como “centro do mundo”.
Para mim, Joanesburgo era a minha “Nova Iorque”! Só comparável a uma importante “capital Europeia”.
E o poder de compra, de uma minoria, era tal: Que as novidades eram ali apresentadas em simultâneo com as grandes capitais e cidades da moda.
Foi no Carlton Centre, o maior edifício de JHB e de África, ainda em fase de acabamentos, que tive a sorte de ver em exposição o último modelo do automóvel Jaguar E – Cabrio, que à data também estava a ser apresentado na Europa.
Porque sabia que dificilmente conseguia adquirir este modelo, quis ter o prazer de me sentar ao volante. E quase consegui! Mas o responsável pela exposição viu, e não deixou.
Mas afinal porque íamos a Joanesburgo, e à África do Sul?
1.º – Pelo apoio médico-sanitário, feito com o equipamento mais recente do mundo.
2.º – Pelo gosto do passeio e fazer compras.
3.º – Porque era a montra das novidades que outros países estavam a apresentar.
4.º – Pelos contactos com amigos ali residentes. E com outras gentes!
Era por isto que fazíamos a viagem: “Lourenço Marques – Joanesburgo”.
Foi naquele ano de 1971:
Para “baptismo” do meu Mitsubishi Colt 1100 F em viagens longas, cerca de 600 km entre as duas cidades, que com familiares, decidimos ir passear e fazer compras a Joanesburgo.
Foi por a estrada nova estar em construção, e a velha a partir do cruzamento de Boane ter o piso de alcatrão reduzido para cerca de 3 metros e nos obrigava a utilizar as bermas quando vinha uma viatura em sentido contrário; – Que resolvemos sair cedo, para a viagem ser feita durante o dia.
Pelo “passa palavra” sabíamos que a gasolina era mais barata na fronteira nos postos da Sonap. E por isso a viatura só levava gasolina até lá. E no regresso a guarda-fiscal não deixava passar doces da marca Rowntrees, porque a fábrica no Reino Unido estava a apoiar a Frelimo.
Depois de percorridos os primeiros cerca de 130 km foi feita a primeira paragem em Ressano Garcia, para cumprir as formalidades fronteiriças. Era a partir daqui que se tomava o primeiro contacto com o “desenvolvimento separado”, apartheid.
Em território sul-africano, entrávamos num “mundo novo”! Com estradas largas e campos bem cuidados.
A segunda paragem para descansar e beber uma coca-cola foi em Nelspruit. Porque dali até Machadodorp tinha de se subir a cordilheira dos montes Libombos, com serras e curvas muito perigosas. Estou em dúvida se era ao descer esta cordilheira no lado sul-africano, ou da Suazilândia em direcção a Manzini, que havia uma placa com aviso aos condutores, que dizia: “Cautela. Guie com cuidado, 50 mortos em 2anos”.
A terceira paragem foi em Middelburg no restaurante Safari (já nosso conhecido) para almoçarmos um bife tenrinho e gostoso. Diziam os entendidos (?) que o gosto lhe era dado por serem passados em coca-cola (?).
A seguir, até ao cruzamento de Witbank foi um instante! Ali, ou virávamos à direita para Pretória, ou seguíamos em frente. Como o nosso destino era JHB, seguimos em frente.
A nossa alegria aumentava quando passávamos pelas povoações de Ogies, Delmas, Germiston e Broksburg, porque sabíamos que estávamos a chegar!
Já em JHB, seguimos para a baixa até ao Joubert Park. Para depois subirmos a avenida até ao bairro de Hilbrow, com a torre como referência.
Neste lindo bairro fica a torre de Strijdom construída com a colaboração de portugueses, que nos servia como ponto de referência e orientação. No cimo lanchámos no restaurante panorâmico com uma vista deslumbrante sobre a cidade e arredores.
Foi muito próximo daqui que ficámos hospedados, nos apartamentos Cumberland. Um T1, muito bem equipado. Com Kitchenette, cama de casal, e sofá-cama.
Em algumas lojas das marcas, aproveitámos para ver as novidades que estavam em simultâneo a ser apresentadas na Europa. E fazer compras no “centro comercial Ok Bazar” e noutros estabelecimentos.
Ainda passámos pelo cinema Cinerama, que na altura era uma novidade por a tela ser oval.
O filme que estava em exibição não era de 70mm e, portanto, não nos interessou ver!
Passados tempos vi ali, o filme: – Kartoum. Este já em 70mm.
Com as férias a acabar e os randes (moeda sul africana) também! Preparámos o regresso, desta vez feito pela Suazilândia. Mas sempre a pensar voltar!
Saímos de JHB em direcção a Springs, Bethal e Ermelo. Entrámos na Suazilândia em direcção a Manzini, onde parámos para tomar um refresco. Seguimos depois até Siteki, e daí até à fronteira de Goba. Onde a guarda-fiscal era mais permissiva e nos deixava passar com o “contrabando (?): doces e umas peças de roupa”.
De Goba até ao cruzamento de Boane a picada, que chamavam estrada, estava em mau estado. E era um martírio para os automóveis ligeiros.
Depois de Boane até Lourenço Marques a viagem já se fazia bem, pela estrada nacional.
Dedico a memória desta viagem a muitos ex-residentes de Moçambique que, tal como eu, agora recordam-na com saudade!
Fica a pergunta: – Como é possível passados tantos anos do fim do apartheid aquele país, outrora pujante, abrandar o desenvolvimento e a segurança ser uma sombra do que já foi?
Os entendidos (?) dizem que em África a liberdade tem destas coisas! Será?
- Aquele que foi o meu “leão da estrada” deixou a “selva moçambicana” e acabou os dias aqui, creio que na zona de Almeirim, trazido pelo meu amigo Luís Ribeiro (Gino), depois da independência.
Desejo a toda a “família” do BigSlam um bom ano 2022, com muita saúde.
Para nós com o BigSlam, o mundo já é pequeno….Muito pequeno!
João Santos Costa – Janeiro de 2022
17 Comentários
Firmino L.C.N. Fonseca
Muito obrigado João, por esta magnífica lembrança! Fiz essa viagem várias vezes, e era sempre uma alegria passar a fronteira para a África do Sul. Nelspruit era obrigatório para irmos ao dentista e fazer algumas compras. Joannesburgo era uma metrópole! Estudei em Durban e em Cape Town. Passei alguns dos melhores anos da minha vida na África do Sul. Mas a minha terra era Moçambique. Lourenço Marques, onde nasci e cresci, deixa memórias maravilhosas. Infelizmente as coisas acabaram como se sabe, mas considero que não tinha que ter sido assim! Obrigado mais uma vez por esta partilha, e um abraço.
R. Gens
Texto muito evocativo, mas em minha opinião a “imersão” seria muito maior se fossem usadas fotos antigas de JHB de que há milhares na net. Um pormenor geográfico: as montanhas para leste de Nelspruit são os Drakensberg. O Joe referido por JA Russell existe ainda, mas agora colorido. Se procurarem no google por joe-might-be-old-but-he-has-not-aged-a-bit (não dá para copiar o link) verão num artigo do lowvelder.co.za fotos dele recentes e uma antiga.
R. Gens
Corrijo o que escrevi, acima queria dizer as “montanhas para oeste de Nelspruit”.
João Costa
Obrigado pela rectificação, Gens. Estava em crer que as montanhas de Drakensberg faziam parte da cordilheira dos Libombos (Lebombos em inglês).
Zé Carlos
Das boas memórias das viagens a Jo’burg que o João Santos Costa nos faz reviver, desses tempos e da minha parte acrescento que além das últimas modas, a medicina, desemvolvimento, etc etc, o automobilismo e motociclismo eram de topo… nivél Mundial.
A peregrinação anual a Kyalami para ir assistir às 9Horas, Mundial de Motociclismo e Formula1, para os “petrol heads” era o mássimo.
O facto de que nesses tempos o público em geral, desde que adquirisse o acesso à zona dos “pits”, podia passear pelas garagens da Lotus, Ferrari, Matra, Brabham, McLaren, Lola, Alfa, Ford, Porsche, Chevron…, fotografar, pedir autógrafos, ver os bólides de perto, desejar boa sorte e trocar impressões com os maiores nomes de nivél mundial… Stewart, Hill, Regazzoni, Rindt, Fittipaldi, Ickx e os “home boys”, Love, Charlton, Driver e mais tarde, Sheckter, entre outros.
Hoje em dia, essa abertura, simpatia e maneira de ser para com os fãns, desapareceu com a “profissionalização”.
Essa qualidade e o impacto que lá borbulhava, transbordava além fronteiras e inspirava a organização de grandes eventos de desporto motorizado em Moçambique, Angola e Rhodésia.
Aproveito para destacar a participação dos nossos conterrâneos CocaCola nas 9horas de Kyalami em princípios de ’70, a família Leitão, ao vencerem o “Index of Performance” com o seu Honda S 800 preparado em LM.
Uma era inesquécivel num Mundo que já não existe.
João Costa
É isso, mesmo, Zé Carlos! O que tão bem aqui descreves, era outro dos grandes incentivos que nos faziam ir à África do sul.
Quase sempre era obrigatório de Kyalami darmos um salto até Joanesburgo para ver amigos e fazer compras.
Muito obrigado por este teu comentário.
JSc
José Gonçalves
Fiz esta viagem duas ou três vezes já depois da independência de Moçambique, nos anos 90 e realmente já tudo era diferente. Na altura desaconselharam-nos a ir a Hillbrow pois correríamos o risco de ser assaltados. Mas, apesar de tudo, Joanesburgo continuava na altura a ser uma cidade fantástica, com os seus bairros lindíssimos.
Mais uma excelente publicação João.
Manuel Martins Terra
Caro, João, foram muitos os residentes em Lourenço Marques, que com alguma frequência se dirigiam à África do Sul, mais direcionados para Joanesburgo, quer de automóvel ou de comboio. Recordo que muitos tratamentos médicos mais específicos e cirurgias mais complicadas, como tu dizes e bem decorriam naquele território vizinho, muito pelo facto de estar equipado com material de tecnologia avançada , que colocava a sua classe medica no topo da medicina. Espantaram o mundo, quando em 1967, o famoso cirurgião Dr.Christiann Barnard, efectuou no Hospital Groote Schur, na Cidade do Cabo, o primeiro transplante de coração, que hoje em dia decorre com a maior normalidade, salvando milhares de vidas.A E par disso, lembro as muitas compras que se faziam especialmente no OK. BAZAR, que tinha uns chocolates e caramelos deliciantes. Também lá se compravam unas Levis, de boa qualidade. Uma verdadeira cidade cosmopolita, com muitos portugueses ligados à restauração e supermercados, oriundos da ilha da Madeira. E é com estas recordações, que nos vamos lembrando dos velhos tempos que já lá vão.
Paulo Carvalho
Uma vez mais João, a tua publicação faz-me reviver tempos, com cerca de meio século,cujas saudades são enormes!
Consegui acompanhar o relato da tua viagem,de localidade em localidade pois,conheci quase todos os pontos, que mencionaste.
Em 1974,fiz de jeep ao serviço da empresa para a qual trabalhava, a viagem de Lourenço Marques,até Sá da Bandeira em Angola,passando pela fronteira de Ressano Garcia,seguindo pela Àfricado Sul, Sudoeste Africano (hoje Namíbia) e, finalmente, Angola.
Recordações de tempos que lembro com muita saudade, muito bem relatadas por ti.
Um abraço e, obrigado João.
Wanda Serra
Maravilhoso inteligente artigo como sempre.
Que nao me deixa pestanejar…
Evolucao dos tempos mta contradicao provoca e………. MAS!!
Como bem sabes
Aqui continuo na minha /nossa AFRICA que tanto tanto amo.
Obgda Joao
Beijinhos
Luis Ribeiro
Tens razão João Costa, o teu Mitsubishi Colt 1100, acabou os seus dias no Vale de Santarém., mas antes fartou-se de fazer kms incluindo viagens diversas á Suazilândia (Mabane) e África do Sul (Joanesburgo). Gostei das descriçóes dos trajectos que fizestes no teu artigo, cinco estrelas, trouxe-me boas recordações. Bem hajas.
josé carlos alves da silva
Nada tenho dizer depois de tudo ser dito e narrado pelo João, Russel e outros, descriminaram tim por tim. Eram passeios e viagens de amigos, familiares, um sonho. Muitos da Metrópole nunca saberão o que é África do Sul, Suazilândia. Rodésia, Malawi, etc…. Joanesburgo, Pretória, Cidade do Cabo, Durban, etc…. Saudades amigos. Agora só sonhando. Um abraço
jose alexandre russell
Tinha para aí 10 anos quando fui pela primeira vez à África do Sul, e como dizes bem, à bela e desenvolvida cidade de JHB. Tenho boas memórias, acompanhei o meu pai no seu Chevrolet, e uma das coisas que não me esqueço, é de nessa tal serra (não sei se antes ou depois de Nelspruit) haver um figura pequena em pedra ( não sei se seria um marco geodésico) pintado como um boneco, e que chamavam de JOE. Depois outra das situações que me recordo, é de ter parado para comer em Nelspruit, e terem-me servido um caril, em que fazia parte do acompanhamento uma banana. Finalmente, o O.K. Bazar, e a sua loja de brinquedos, e de doces (sweets). Um regalo para os olhos. Belos tempos e boas recordações que aqui trouxeste João. Mais tarde, já com 16 anos voltei a passar pela A.S. em caminho para a Rodésia com a equipa de basquetebol do Malhangalene, para irmos jogar num torneio em Salisbúria.
Carlos Ferreira
Espetacular esta sua reportagem do olhar sobre a vida de nossa meninice e juventude de tempos maravilhosos, agradecido por nos fazer reviver e sentir momentos inesquecíveis e nostálgicos que marcam a vida dos que tiveram esse privilégio de viver nesse Moçambique de gente boa numa África mágica. Carlos Ferreira
Ana Paula Rocha
Obrigada por recordar as idas a Jhb e andando mais um bocadinho tinhamos Durban. Diferente com uma marginal que à noite era uma diversão.
Pena ter-se modificado tanto.
João Costa
Olá Paula.
Se não estou em erro a marginal de Durban era conhecida entre nós por Marine Parade.
Por conversa com amigos a “vida” nessa marginal, acabou!
Luiz Branco
E quem esperava diferente caro?